quarta-feira, 6 de julho de 2011

Epílogo


EPÍLOGO: DECISÕES


            Narração de Beatriz Vasconsellos.

            Eu fitava o teto enquanto o silêncio predominava o quarto. Gabi acariciava meus cabelos que roçavam seu colo. Estávamos tendo um momento de meninas solteiras. Fingíamos que eu não tinha namorado e ela fingia que não tinha marido.
            Era tarde na casa dos Bittencourt. Gabi curtia os últimos dias vendo seu quarto. Dali alguns dias ela e Luiz iam se mudar para Londres, onde ela seguiria sua carreira de estilista e ele procuraria algum emprego.
            Alex estava junto com Max. Os dois haviam combinado de passar o dia jogando futebol. Era um esporte que distraía bastante o desejo de Alex pela droga.
            O som de Gabi tocava uma música calma: Eternal Flame, regravada por Human Nature.
            - É uma pena você ter de ir embora daqui alguns dias. – falei.
            - Pois é, já vou depois de amanhã. – Gabi respondeu alisando meus cabelos com os dedos.
            - Mas você só não ia dia trinta?
            - Sim, por isso, hoje é dia vinte e oito.
            - De março. – afirmei – Vocês vão no mês de abril.
            - Hoje é dia vinte e oito de abril, Bia.
            Comecei a calcular mentalmente. Não fazia sentido algum. Não lembrava de nada que me faria lembrar que todo o mês de abril já havia passado.
            - Me casei em vinte e cinco de março. Faz mais de um mês, lembra?
            Isso eu me lembrava bem. Já fazia algum tempo que fora a festa de casamento e os noivos voltaram da lua-de-mel. Mas ainda faltava algo que costumava marcar minhas passagens de mês.
            - Tem algo errado. – falei, sentando-me na cama.
            Andei até o calendário, corri o olho por cada dia marcado. Na folha de Gabi haviam seis dias marcados todos os meses, era sempre próximo ao dia dez.
            Foi aí que tudo estalou.
            - Gabi!!! – coloquei a mão na cabeça – Já sei porque não aceito que já estamos em abril.
            - Por quê? – ela correu para o meu lado.
            - Porque não marquei neste mês e nem no mês passado os dias de minha menstruação.
            - Ah! Só por isso? Tente lembrar os dias e você marca.
            - Esse é o problema, não há dias! – falei já rouca.
            - Como assim?
            - Não lembro de ter recebido a minha menstruação em nenhum desses meses. Não houve.
            - Será que tem algo errado com você?
            Vi que Gabrielli não seguia minha linha de raciocínio. Talvez não houvesse algo errado, algo faltando; talvez houvesse algo a mais.
            - Você deveria ir ao médico urgente. – ela falou – Está mais magra desde fevereiro, sei que passa mal quase todos os dias, não está comendo e agora isso? Você deve ter uma doença!
            - Acho que isto não é doença, Gabi.
            - Só pode ser. Quero dizer, isso parece sintoma de gravidez, mas você não está grávida, porque você e meu irmão nunca fizeram...
            Ela começou a me fitar. Sem dúvidas minha expressão assustada entregou o que se passava por minha cabeça.
            - Vocês fizeram! – ela concluiu com a voz aguda.
            - Gabi! Não pode ser isto! – trovejei.
            - Vocês não se protegeram?
            - Não me lembro!
            - Isso é injusto! – ela gritou, sentando-se na cama de braços cruzados – Meu irmão caçula fez isso antes de mim!
            - Não é hora de pensar nisso, Gabrielli! Eu posso estar grávida! – vacilei na palavra.
            - Claro! Os enjôos, a pressão baixa sempre, a falta de vontade de comer. Como ninguém percebeu?
            - Porque ninguém espera isso do seu irmão, de mim talvez!
            - E agora, Bia?
            - Preciso ter certeza! Tenho que ir ao ginecologista!
            - Vou com você!
            - Espere. – peguei em seu braço – Tem que me levar ao seu ginecologista. Minha mãe não pode saber disto e minha ginecologista sem dúvidas irá contar se o resultado for positivo.
            - Não vai contar a Carla?
            - Só na hora certa.
            Ela assentiu, pegando a chave do seu carro. Começamos a descer correndo as escadas quando trombei com Alex. Ele estava com a camiseta toda molhada de suor, os cabelos desordenados e a respiração ofegante.
            - Estão saindo? – ele perguntou.
            - Precisamos ir a um lugar urgentemente. Vai ficar bem sozinho? – pergun-tei.
            Ele assentiu.
            Senti seus lábios tocarem levemente os meus. Sua mão tocou minha cintura e seu corpo se aproximou do meu.
            - Tenho que ir. – empurrei-o e saí correndo.
            Entramos correndo no Astra verde-hera que agora era de Gabi. Ela acelerou e saímos dali cantando pneus.
            Eu não conseguia me conter de aflição. Jamais me imaginara naquela situação. Sempre acreditara que meninas que engravidavam cedo eram só aquelas vadias descuidadas. Nunca poderia imaginar que alguém com um namorado fixo e responsável poderia passar por tal situação.
            Reparei que depois de conhecer Alex várias opiniões que eu possuía se alteraram. Primeiro foi a ideia de nunca me apaixonar, e agora essa.
            Gabi estacionou em frente a um grande consultório médico. Passamos pela recepção e a atendente nos disse para ir direto ao segundo andar. Fiz a minha fixa e sentamos na sala de espera.
            Minhas pernas batiam no chão sem parar, a impaciência era imensa. Por um lado eu queria saber logo se estava grávida ou não, por outro tinha medo do resultado.
            A médica chamou meu nome e nós duas entramos na sala.
            - Gabrielli! – a médica a cumprimentou – Quanto tempo não a vejo! Trocou-me por outra ginecologista?
            - É que agora estou morando em Londres. – ela respondeu enquanto nos sentávamos.
            - E você é a Beatriz? – a médica virou-se para mim.
            Apenas assenti.
            - Ela quer fazer o exame de gravidez, aquele imediato. – Gabi falou por mim.
            A doutora encarou-me com certo desapontamento. Na verdade, até eu estava desapontada.
            Ela me indicou que trocasse de roupa e deitasse. Fiz tudo o que me mandava, enquanto ela fazia o serviço.
            - Sentem ali no canto que o resultado já sai. – nos falou.
            - Mas não demora alguns dias para sair? – perguntei.
            - Peço para eles analisarem com mais pressa, já que Gabrielli quer um resultado imediato.
            Assenti e nos sentamos enquanto a médica atendia a outros pacientes.
            Meu estômago tripulava, minha mão soava mais do que nunca, o suor era frio.
            A doutora tornou a nos chamar, desta vez com uma voz mais séria. Nos sentamos a sua frente enquanto ela olhava os papeis.
            - Beatriz, sei que você é uma garota que possui bastante dinheiro e estrutura familiar, mas você tem namorado? – me perguntou.
            - Alex é o namorado dela. – foi Gabi quem respondeu.
            - Ah! Então o problema é só a idade, não é? Dezoito! – ela balançou a cabeça em negativa.
            - O que deu aí? – perguntei já nervosa.
            - Você está grávida de dois meses. – ela respondeu.
            Senti o choque atravessar todo o meu corpo. Gabi me encarava com o rosto empalidecido, os olhos assustados. A doutora me olhava com preocupação, como se esperasse alguma reação perigosa.
            Foi preciso Gabi me ajudar a ir para o carro. Minhas pernas estavam completamente trêmulas, o que me impedia de andar normalmente. Ela dirigiu calmamente, já que também estava um pouco assustada.
            - Vai contar para o Alex, não vai? – Gabi perguntou.
            - Claro que vou. Preciso dele, principalmente para contar aos meus pais.
            - Minha mãe irá ficar uma fera! Ela que sempre foi à moda antiga ficará abismada com isso.
            - E minha mãe então! Tem noção do discurso que vou ouvir?
            - Mas foi realmente uma irresponsabilidade!
            - A última coisa que preciso agora é de uma bronca. Já basta a que meus pais me darão.
            Ela ficou quieta e continuou dirigindo calmamente. Paramos no jardim de sua casa. Meu estômago voltou a dar pulos dentro de mim. Agradeci quando vi que Amanda e Renan ainda não estavam em casa, haviam saído para visitar um parente de Renan. Subimos direto para o quarto de Gabi.
            - Alex está no quarto dele, se eu fosse você aproveitaria que meus pais não estão e daria logo a notícia.
            - É melhor mesmo. – falei enquanto andava de um lado para o outro do quarto.
            Tomei fôlego e saí do quarto de Gabrielli. Nenhuma forma de como dar aquela notícia a Alex se passava por minha cabeça.
            Bati uma vez na porta e a voz grave dele me disse para entrar. Ele se encontrava sentado na cama, fitando a parede a sua frente.
            - O que está fazendo? – perguntei.
            - Nada! – ele respondeu sem me olhar.
            Sentei-me ao seu lado. Estava planejando dar a notícia da mesma forma que se passava pela minha cabeça, da mesma forma que ouvi.
            - Tenho algo para lhe contar.
            - O quê? – ele não parecia estar muito atento.
            - Alex, estou grávida de dois meses. – falei logo de uma vez.
            - Ah! Que legal! – ele falou, o que me deixou abismada.
            Uma pessoa normal nestas situações ficaria desesperada, não ficaria? Era o que estava acontecendo comigo.
            - Você me ouviu? – tentei me certificar.
            - Sim! – ele continuava sem prestar total atenção.
            - Olhe para mim.
            Peguei em seu queixo para fazê-lo olhar para mim. Ele bateu em minha mão para me impedir de fazer o que pretendia. Isso me chamou mais atenção. Tentei outra vez fazê-lo olhar em meus olhos, outra vez fui detida.
            - O que você tem? – perguntei com mais ferocidade.
            - Nada!
            Desta vez puxei abruptamente seu rosto. Vi que seus olhos estavam rosados e suas pupilas não possuíam um foco certo.
            - Você está drogado? – fiquei exasperada.
            - Não. – ele tentou desviar o rosto.
            - Está sim que estou vendo! – gritei – O que deu em você? Não jurou que ficaria longe disso? E todos esses tempos que você lutou contra o vício? Jogou fora?
            - Desculpe, mas me descontrolei.
            - Descontrolou? Como? Onde você conseguiu encontrar ecstasy? Lembro-me bem de termos nos livrado de todos que haviam aqui.
            - Talvez eu tenha ganhado mais.
            - Você foi atrás? – minha voz subiu duas oitavas – Não acredito nisso!
            Comecei a andar de um lado para o outro do quarto. Eu sabia que ele teria várias recaídas, mas uma naquele momento não ajudava em nada. Parecia até que a psicopata tinha calculado.
            Foi neste instante que o choque atravessou meu corpo.
            Ver Alex naquele estado, mesmo depois de lutar tanto, me mostrou que Gisele o manipulava como queria. Ela estava mais forte do que nunca. Jamais poderia imaginar que eu estava grávida! Se ela podia fazer aquilo com Alex, imagina o que faria com meu filho?
            Meu estômago se apertou no que foi medo e revolta.
            - Mas o que você disse, Bia? – Alex perguntou.
            Involuntariamente toquei minha barriga. Comecei imaginar que meu filho estava perdido. Se a psicopata o descobrisse estaria tudo perdido.
            Embora tenha sentido revolta quando descobri que estava grávida, naquele momento desejei lutar com unhas e dentes por ele. Só não sabia como.
            Talvez eu soubesse, talvez eu só não queria aceitar. A ideia me causou ódio, mas não da psicopata ou do meu bebê, foi de mim mesma.
            Naquele momento vi: Faria tudo para salvar a pessoa que descobri que amava mais do que Alex.
            - Nada importante. – respondi, vendo que aquela era a resposta que me faria nunca mais tê-lo.
            Ele se levantou e me abraçou pelas costas. Senti suas mãos se cruzarem em cima da minha barriga, o que fez um nó se apertar em minha garganta.
            Vi toda a minha história com Alex se passar a minha frente: O dia em que o vi pela primeira vez. Estávamos fazendo uma prova, na qual eu torcia que ninguém soubesse responder para assim falarmos que o professor não havia explicado. Mas Alex fez todo o plano dar errado. Esse foi o único instante em que eu realmente o odiei.
            Lembrei do nosso primeiro beijo, exatamente ali, naquele quarto. Os dias em que passei sem ele; e quando ele voltou.
            Recordei do pavoroso dia em que fui atrás de Gisele, na intenção de entregar minha vida para salvar a dos meus amigos. Todos fizeram uma caçada violenta, onde Luiz e Gabi quase acabaram mortos.
            O dia em que descobri ser adotada. Ele foi o único que ficou comigo o tempo todo e me prometeu que tudo se resolveria. E se resolveu!
            O natal desastroso em que recebi uma ameaça da psicopata, naquele dia quase terminamos o nosso namoro.
            Chegamos a terminar quando o vi beijando Suzana, mas voltamos e fiz a promessa de que não o abandonaria.
            A maior lembrança também estava naquele quarto: a melhor noite de nossas vidas, a noite que deu origem ao que hoje eu amava mais do que era possível.
            Todas as lembranças, todas as promessas. Havia jurado tantas vezes que ajudaria Alex com o que ele estava passando e naquele instante estava preste a dizer a frase que quebraria todas as promessas, todas as lembranças.
            - Desculpa. – ele sussurrou em meu ouvido.
            Eu queria gritar: Sim! Sempre! Porém não podia.
            Eu não sabia se estava fazendo a coisa certa, entretanto sabia que estava fazendo o que meu coração mandava.
            - Para mim já deu! – declarei com as lágrimas já começando a escorrer.
            Alex se afastou para encarar meus olhos, sua expressão estava assustada.
            - O que quer dizer?
            - Não aguento mais isso. Você jura não se drogar mais, se droga e faz besteira. Cansei!
            - Não está pensando em me abandonar, está? – seus olhos começaram a se encher.
            - Pensando não, decidida! Não quero essa vida para mim. Você não é mais a pessoa por quem me apaixonei. – meu estômago se amarrou mais do que nunca.
            - Não pode me abandonar agora. Preciso de sua ajuda!
            - E quem vai me ajudar? – deixei meus olhos mais sombrios, para assim ele ver que eu não voltaria atrás – Te ajudo sempre, acho que está na hora de fazer algo para ajudar a mim mesma também.
            - E terminar nosso noivado seria ajuda para você?
            - Seria!
            - E toda as vezes que disse que me amava? – ele também ficara sério.
            - No passado foi tudo verdadeiro, mas o futuro seria completamente falso se eu continuasse a dizer.
            - Quer dizer que não me ama mais?
            Minha respiração se apertou mais que o suportado. Aquela seria a coisa mais dolorosa que eu diria em toda a minha vida.
            - Não. – respondi.
            Ele pegou em meus ombros e começou a me chacoalhar.
            - Não acredito nisso! Quero que você fale isso olhando nos meus olhos. Diga Bia! – ele gritava.
            Minha boca se abriu e se fechou no mesmo instante. Lágrimas começaram a ensopar meu rosto. Meu coração falhava. Forcei meus olhos a encararem os seus e permanecerem imóveis.
            - Não te amo mais, Alex. Desculpe.
            Fui capaz de pronunciar sem expressar mentira. A ideia de salvar meu filho me fez dizer o que jamais diria.
            Alex largou meus ombros. Seus braços caíram do lado do corpo. Seus olhos mostravam o vazio e sua expressão a dor.
            Apertei meus olhos para conter o jorro de lágrimas. Minha respiração parecia não existir mais. Forcei minhas pernas a andarem e saírem dali. Dar as costas para ele foi realmente doloroso.
            Comecei a andar devagar pelo corredor. Ainda não conseguia acreditar que tudo havia acabado. Promessas, sonhos, uma vida... Tudo havia terminado e nunca mais voltariam.
            A porta do quarto de Gabi estava fechada, o que significava que poderia passar despercebida. Estava começando a descer as escadas quando senti uma mão agarrar meu braço. Virei e me deparei com a expressão cheia de dor de Alex.
            - Te amo. – ele falou.
            Foi o que bastou para me fazer chorar. Tudo o que eu não precisava ouvir naquele momento era um eu te amo.
            - Por favor, não vai.
            O que eu mais queria era responder um: Sim! Mas isso era exatamente o que eu não podia, então apenas fiquei ouvindo.
            - Juro que não faço mais.
            Foi a brecha que encontrei para fugir dali.
            - Já cansei de juras. – comecei a gritar – Você já jurou tanta coisa e nenhuma delas foram cumpridas até hoje. Chega!
            Ele apertou mais forte o meu braço.
            - Me larga! – puxei meu braço e comecei a correr pela escada – E só me procura quando realmente largar desse vício.
            Bati a porta ao sair.
            A última frase fora uma pista. Era para ele me procurar somente quando deixasse as drogas, mas era para me procurar.
            Corri e me tranquei em meu carro. Alex me fitava da soleira da porta, sua expressão demonstrava dor. Ali, coberta pelos vidros escuros, pude finalmente chorar. Apertei meu peito contra o volante e deixei toda a revolta sair em forma de lágrimas.
            Quando finalmente senti que estava melhor para dirigir – o que foi duas horas mais tarde – liguei o carro. Ainda via Alex na porta, mas agora ele estava sentado, o rosto por entre os braços. Pisei fundo no acelerador e saí dali cantando pneus. Tive de dirigir devagar, pois meus sentidos e reflexos estavam negativos.
            Entrei correndo em casa. A última coisa que queria era olhar o rosto de minha mãe e ter de explicar tudo. Claro que ela me seguiu, então tive de contar.
            Falei apenas sobre Alex ter voltado a se drogar e o fato de termos brigado, mas não toquei no assunto de estar grávida. O exame parecia pesar em meu bolso.
            Aconcheguei-me em seu colo. O único colo que realmente me reconfortava.
            Minha cabeça nunca estivera tão certa de sua decisão e meu coração nunca se sentira tão dolorido. Pela primeira vez conseguira agir pela razão e não pela emoção. Razão e emoção, coração e cabeça, era a maior guerra que acontecia dentro de mim; sempre a emoção, o coração, ganhava. As coisas poderiam até não dar certo, mas pelo menos me deixavam feliz.
            Dessa vez eu via tudo diferente. Eu não me via feliz no futuro, na verdade, não me via no futuro. Era apenas visível a minha infelicidade por ter deixado Alex, entretanto também via minha alegria por um dia ter feito a coisa certa pela pessoa certa.
            Pela primeira vez pude ver o que minha mãe havia feito por mim. Ela tinha dado a felicidade, a vida por mim. Seria capaz de fazer tudo pelo meu filho. Entregar minha felicidade, minha vida, minha alma.
            Carla começou a acariciar meu rosto. Sua expressão refletia toda a dor que eu sentia.
            - Talvez agora seja uma boa hora para você viajar, se distrair. – ela falou.
            - Ir para onde? – solucei.
            Ela ficou quieta por alguns instantes. Até Carla sabia que não existia lugar no mundo em que eu me encaixava sem Alex.
            - Rodrigo vai para Miami amanhã. – ela declarou depois de minutos em silencio, só acariciando meu rosto.
            - Eu sei. – respondi.
            - Por que não vai com ele? Só para conhecer o lugar lindo que é Miami.
            Levantei abruptamente da cama. Não havia pensado na ideia de ir para os Estados Unidos com Rodrigo.
            - Mas estou sem o visto. – falei.
            - Roberto pode resolver isto em questão de minutos.
            - E se eu decidir ficar por lá? – comecei a encarar seus olhos.
            A ideia parecia tentadora. Ir embora para Miami, deixar todos os problemas para trás e criar meu filho em paz, num lugar perfeito, sem psicopatas. Pelo menos não na minha vida.
            - Se você quiser assim... – Carla respondeu naturalmente – Você já tem 18 anos, Bia, quase dezenove, já está na hora de tomar suas próprias decisões. Liberte-se do Alex, ele não é o único garoto do mundo.
            Para mim, era.
            - Talvez seja bom. – declarei.
            Carla se levantou subitamente, um sorriso alargando em seus lábios.
            - Vou te ajudar com as malas! – ela declarou.
            - Se importa se eu fizer isso sozinha? – pedi, levantando-me da cama.
            - Tudo bem.
            Ela me deu um beijo na testa e saiu, fechando a porta. Parei no centro de meu quarto e comecei a analisá-lo. Pensar em ir embora, deixando todas as minhas coisas para trás, parecia algo doloroso. Minha cama, minha escrivaninha, minha cortinas, meu criado-mudo, meu abajur, meu porta-retrato – que abrigava uma foto de Alex me abraçando –, meu closet, minha estante... Tudo! Era parte da minha vida, do meu passado. Um passado que eu não queria, mas deveria esquecer.
            Abri meu closet e peguei todas as malas que haviam guardadas. Espalhei todas as roupas pela minha cama e comecei a dobrá-las. Peça por peça ia dobrando e colocando na mala.
            Quando terminei de arrumar as roupas peguei outra mala para guardar minhas lembranças. Comecei pelos livros de infância das estantes. Depois passei para os porta-retratos. Peguei todos que havia Alex e eu e os coloquei bem fundo na mala.
            Segurei uma foto em minha mão. Era uma tirada em um jardim amplo, cheio de luz do sol. Era nosso jardim. Estávamos deitados, eu abraçava seu peito, enquanto ele segurava a máquina a cima de nossa cabeça para tirar a foto. Precisamos refazer a pose várias vezes até a imagem sair bonita.
            Resolvi guardar a foto antes que ela começasse a me torturar.
            Encontrei a minha câmera digital escondida em uma gaveta. Resolvi ver todas as fotos que lá havia. Eram tantas. Minhas amigas fazendo caretas ou sendo pegas desprevenidas enquanto comiam ou acordavam, Gabi experimentando as roupas do shopping que com certeza não compraria, Marcos fazendo poses sensuais, Rodrigo exibindo os carros que não possuía mais, Max e Luiz mostrando a língua, Matheus pagando micos com o pessoal da república; e Alex, sorrindo torto, olhando de modo atraente e me abraçando. Eram imagens que ficariam apenas para a lembrança.
            Outra vez resolvi guardar.
            Andei até o meu computador e liguei-o. Tinha a intenção de excluir todas as minhas redes sociais, deixando apenas o e-mail para contatos. Encontrei minha pasta de músicas favoritas, dentre elas: Broken Strings de James Morrison e Nelly Furtado. Era a música que tocava no quarto de Alex na noite em que tudo mudou. Coloquei a música para tocar e voltei a guardar minhas coisas.
            Terminei a terceira mala com meus calçados, aparelhos eletrônicos e um bolso para meus kits de higiene. Coloquei todas as bagagens no canto.
            Decidi tomar banho antes de dormir. Peguei meu pijama que ainda estava fora da mala e comecei a ir até o banheiro. Aumentei o volume do computador para ouvir a música enquanto tomava banho.
            Ali, trancada no banheiro, debaixo da água quente, tentei esquecer os problemas. Fingi que era apenas uma velha rotina. A qualquer hora Marcos me ligaria para falar que sentia saudades e me faria pegar no celular com a mão molha-da. Gabi estaria do lado de fora com as roupas, que eu teria de usar, nas mãos. Rodrigo entraria escondido no meu quarto e começaria a bater na porta do banhei-ro para me fazer sair. Alex me esperaria no primeiro andar, conversando com Carla, para irmos a algum novo lugar.
            Tudo parecia um passado tão distante.
            Antigamente eu me sentia uma completa moleca. Não me importava em usar as roupas desarrumadas, das meninas me zoarem por eu ser skatista. Meu maior problema era com as roupas que Gabi me obrigaria a usar. Mesmo tendo a psicopa-ta, minha vida era maravilhosa.
            Agora eu me via sendo obrigada a crescer. Deixar todas as manias, gostos, aventuras, pessoas. Deixar de ser a filhinha mimada e passar a ser a mãe amorosa.
            Realmente, a ideia de crescer assustava!
            Desliguei o chuveiro e voltei ao meu quarto. A música começava a se repetir. Vesti meus lingeries e estava pronta para vestir o pijama quando vi meu reflexo no espelho. Não havia nenhum vestígio ainda, mas eu já conseguia me ver de barriga grande, e crescendo cada vez mais.
            Aproximei-me do espelho. Minha barriga ainda estava do mesmo jeito, no entanto, quando tocava, podia sentir a elevação que havia entre minha cintura e meu abdômen.
            Eu sabia que quando uma mulher grávida tocava sua barriga o bebê sentia o carinho. A ideia de ter alguém me amando dentro de mim me fez esquecer um pouco os problemas que aquilo me causaria.
            - Agora, somos só eu e você. – falei olhando para minha barriga.
            Comecei a imaginar o que eu falaria para meu filho quando ele perguntasse pelo pai. Diria que ele era um drogado e que uma psicopata o rondava? Ou simplesmente não falaria nada? Optei por falar a verdade quando lembrei que lidei muito melhor com a realidade dolorosa de meus pais do que com a obscuridade.
            Naquela hora senti ódio. Seria um futuro tão perfeito se Alex ficasse saben-do. Por que a psicopata insistia tanto em um caso que lhe era impossível?
            Foi aí que tomei a decisão que esperava ter a meses.
            - Te juro, meu filho, – falei, olhando para o reflexo no espelho – vou deixar a minha marca naquela maluca. Por você, pelo Alex e também por Joni. Amanhã ela vai me conhecer.
            O desejo me fez ter vontade de acordar no outro dia. Vesti o pijama com pressa e deitei em minha cama. Marquei o despertador para tocar três horas antes da viagem de Rodrigo.
            Aquela seria a única chance que eu teria para finalmente me vingar!

            Acordei no primeiro toque do despertador. Estava realmente ansiosa para encontrar com Gisele Stoff. Tomei um banho rápido e peguei uma das minhas primeiras roupas da mala, mas pensei melhor e resolvi procurar uma camiseta larga, uma bermuda jeans, um tênis Converse e um boné virado para trás. Aquele parecia o visual perfeito.
            Desci correndo para o tomar café da manhã. Carla estava sentada ao redor da mesa com um livro de história na mão enquanto tomava um suco de mamão. Tentei passar despercebida, mas ela abaixou o livro no momento em que eu pegava um biscoito e saía.
            - Aonde vai? – ela parecia desconfiada.
            - Tenho que fazer algo antes de ir para os Estados Unidos. – respondi, pegando meu skate e saindo.
            Estava um calor escaldante do lado de fora, embora ainda fossem oito horas da manhã. Deslizei ferozmente pelo bairro, me perguntando onde encontraria Suzana. Avistei-a com um grupo de adolescentes que pareciam tentar se recuperar de uma noite inteira com drogas e bebidas. Chamei pelo seu nome. Quando ela se virou notei que era a única do grupo que estava sóbria.
            - O que foi? – ela perguntou quando chegou próximo a mim.
            Estávamos em um canto mal frequentado do bairro. Era uma espécie de beco.
            - Vim lhe avisar que estou indo embora. – falei.
            - O quê? – ela me fitava sem entender.
            - Vou para Miami com Rodrigo.
            - E por que está me dizendo isto?
            - Porque achei que você gostaria da notícia, então vim dá-la pessoalmente. O caminho está livre para você! – fiz tom de comemoração.
            - Por que está fazendo isto? – ela permanecia indiferente.
            A mentira veio rapidamente em minha cabeça:
            - Porque cansei de ficar com medo todas as noites, temendo que uma psicopata vá a minha casa e me mate, ou a minha mãe. Cansei de ficar me escondendo. Cansei de ficar expondo todos que eu amo a você. Simplesmente cansei.
            - E vai deixar tudo o que fez até agora virar pó? A tentativa de suicídio para salvar seu amado Alex, os dias que passou no hospital com uma bala no peito, a vida de Gabrielli e Luiz que quase se esvaiu, a morte de Joni. Tudo foi em vão?
            - Claro que não! – gritei – Não me arrependo de ter ido até você aquela vez, agradeço por Gabi e Luiz ainda estarem vivos, e jurei que a morte de Joni será vingada.
            - Se vingar não vai fazê-lo voltar ou sua consciência acreditar que fez tudo para compensar a vida que seu amigo deu por você.
            - Joni não deu vida alguma por mim, você o matou!
            Ela deu um leve sorriso.
            - Já não acha tarde demais? – perguntou.
            - Não! Não acho! Cansei de tudo isso e vou embora, não importa o que os outros vão pensar ou sentir.
            - Não ama mais Alex?
            - Claro que amo! Sempre vou amar! Mas existem outras pessoas que também amo e que não estou protegendo.
            - Dentre elas está Rodrigo e Marcos, não é? – Suzana cruzou os braços à cima da barriga.
            - Por que diz isso? – perguntei já mais calma.
            - Porque você os ama, Bia, mas não do jeito que fala para todo mundo: “Os amo muito, porém não do jeito que amo Alex” – ela imitou minha voz –, você os ama igualmente e deseja mais do que tudo ter os três. Não é?
            - Claro que não! Amo o Rodrigo como irmão e ao Marcos como um verdadeiro amigo!
            Ela riu ironicamente.
            - Nao pode me enganar como engana aos outros, Beatriz. Conheço a mente humana, essa mente fraca que ama muito, mas segue as regras da sociedade. Você ama três garotos, contudo a sociedade te mandou escolher apensa um, e você, burra, obedeceu!
            - Esta me dizendo que eu deveria ficar com os três? Está me incentivando?
            Ela começou a andar em círculos a minha volta.
            - Estou dizendo que o ser humano é muito idiota! Segue as regras inúteis que seu mundo coloca. Eu não sei o que é amar alguém, mas se eu sentisse isso igualmente por três pessoas eu ficara com os três.
            - Não podemos amar três pessoas do mesmo modo.
            - Quem te disse isso? – ela gritou em meu ouvido – A sociedade? Tenho uma novidade para você: é possível, sim!
            - Quem te disse isso?
            - Criança, nunca obtive sentimento algum, então eu precisava saber que negócio era esse que as pessoas falavam que era amor. Fiz pesquisas profundas. Trabalhei meses em laboratórios, em clinicas, junto com psicólogos e psiquiatras. E descobri que o amor não é nada do que as pessoas falam.
            - Então o que é?
            - Me diga você! – ela aproximou seu rosto do meu – Como se sente com Alex?
            - Não sei explicar. – respondi calmamente.
            - E como se sente com Marcos ou Rodrigo?
            Apenas fiquei quieta.
            - Está vendo? – Suzana perguntou depois do meu silêncio.
            - Posso até amar os três, porém escolhi nenhum. Vou embora, deixando-os para trás.
            - E Rodrigo? Não está indo com ele?
            - Só preciso de alguém que me leve e me legalize lá, depois vou seguir minha vida sozinha.
            - Você tem certeza que quer isto?
            Meu coração martelou fundo. Claro que eu diria que sim, mas uma psicopata acreditaria em uma mentira tão explícita?
            - Eu sei disso. – ela se afastou de mim – Que graça terá se Alex ficar tão fácil para mim?
            - Se ele realmente me ama, jamais será fácil para você.
            Seus olhos faiscaram.
            - Acho que nossa conversa terminou. – ela falou.
            - Ainda não. – bloqueei sua saída – Queria saber, por que você me escolheu?
            - Pergunta interessante. – ela analisou – Imagina que já tive vários nomes, certo? Gisele Stoff é meu verdadeiro. Tive de usá-lo na primeira vez porque estava internada, então meu nome tinha de ser o verídico. Já me chamei Estela, Bianca, Sandra, Marina, Alexandra, Brenda, Estefani, Camila e muitos outros, inclusive Beatriz Vasconsellos.
            Fiquei boquiaberta.
            - Costumo pesquisar minhas identidades antes de assumi-las. Já deve ter visto que Suzana Winter está morta. Estava em Porto Alegre quando usei seu nome. Precisava dar um golpe do baú. Achei sua vida intrigante. Você tem tudo que uma garota quer, mas não era o estilo de uma garota que aceitava o que tinha.
            “Quando Alex apareceu na clínica, dois anos depois do meu golpe, disse que era o ex-namorado da minha antiga personagem. Quis tanto te conhecer. Foi muito bom te conhecer”.
            “Demorei em decidir te perseguir. Acho que o fato de você ser feliz me causou inveja. Todavia não sei, afinal, nunca tive sentimentos, não tenho como saber se foi inveja ou adrenalina”.
            - Você é um monstro. – falei entredentes.
            - Tem certeza que sou eu? Sou apenas uma psicopata tentando me divertir. Você sabe quem é o verdadeiro monstro, quem me colocou em sua vida.
            - Só você é o monstro. – gritei.
            - Certeza? Ou você está bloqueando a hipótese que tanto já pensou?
            Um nome se passou em minha cabeça. Tentei bloquear a ideia. Aquele nome já se passou várias vezes por minha mente, já havia pensando que Gisele não era o monstro, mas a pessoa que a trouxe.
            - Esse mesmo em que pensas: Paulo Ricardo Vasconsellos. Ele é o verda-deiro vilão desta história. Foi ele quem te obrigou a namorar Rodrigo, te separou de Alex, levou-o para a clínica em que eu o conheci e foi aí que tudo começou.
            - Ele não fez de propósito. – gritei.
            - Mas fez.
            Ficamos nos encarando por um longo tempo.
            - Vamos acabar logo com isso! – Suzana falou – Já terminou nossa conversa?
            - Ainda não! – respondi – Prometi que deixaria a minha marca em você antes de ir embora.
            Enquanto ela me observava sem entender coloquei a mão no bolso de trás do meu short e peguei minha ferramenta, encaixei-a em meus dedos.
            - O que quer dizer? – ela me fitava com desconfiança.
            Não respondi, em vez disso, tirei minha mão do bolso, fechei-a em punho e lancei de encontro com seu rosto. Meu soco foi direto no queixo, fazendo-a bater de costas contra a parede.
            Teria sido um soco mal dado se não fosse o soco-inglês que eu possuía na mão. Isso a fez cair desorientada no chão, com a boca jorrando sangue.
            - Se vamos brigar, que seja limpo. – ela falou em meio à sujeira da boca.
            - Você jogou sujo comigo esse tempo todo, está na hora de retribuir. – falei, agarrando seu colarinho.
            Ela agarrou meu braço e tentou acertar a testa em meu nariz, mas evitei, dando-lhe um soco no estômago.
            - Te odeio. – ela gritou em meio à dor.
            - Te odeio mais. – respondi, dando lhe um soco no canto do olho. O soco que a fez cair desacordada.
            A sensação de ter aquela psicopata vulnerável em minha mão foi maravilhosa. Arranquei sua peruca loura, o salto alto e comecei a encarar, finalmente, Gisele Stoff.
            - Essa é pelo meu filho! – e lhe dei outro soco, bem no centro de sua bochecha direita.
            Larguei-a desacordada no chão, subi em meus skate e saí cantarolando pelas ruas. Estava realmente satisfeita.
            Voltei cantando para casa. Nunca me sentira tão satisfeita. Por um segundo acreditei que era mais forte que ela. Todos me olhavam quando eu passava por eles cantando When they come for me do Linkin Park.
            Entrei em casa e me deparei com Gabi sentada na sala de estar.
            - O que faz aqui? – perguntei – Não deveria estar se arrumando para ir para Londres?
             - Vim saber o que aconteceu. Ouvi você e Alex discutirem e hoje ele me falou que vocês terminaram.
            - Vamos lá em cima.
            Subimos para o meu quarto, liguei o aparelho de som e me virei para encarar seu rosto.
            - Ele estava drogado de novo, Gabi. – falei.
            - E isso é motivo para terminar com ele? Você jurou estar do lado dele sempre, Bia, mesmo nessas recaídas.
            - Escuta, Gabi, agora as decisões que tomo não afetam só a mim, existe outra pessoa, lembra? Alguém que não tem culpa de nada!
            - E acha certo separar esta pessoa do pai?
            - Não estou separando porque quero. Quando vi Alex naquele estado notei que aquela psicopata tem um poder imenso sobre ele. Ela jamais vai poder saber de meu filho. Já lutei muito por Alex, mas agora tem outra pessoa que precisa de mim mais do que ele. Se eu tiver que escolher entre Alex e meu filho, escolho meu filho.
            Gabi ficou quieta. Pude ver que ela encontrava coerência em minhas palavras, mesmo não querendo. Lá no fundo ela queria que eu desistisse de tudo e ficasse com Alex.
            Eu também queria isso, só que agora minhas decisões tinham de ser bem calculadas.
            - Sua mãe me falou que você vai para a Flórida.
            - É o lugar perfeito para eu ir e tomar minhas decisões. Sei falar o inglês perfeitamente, Rodrigo pode me abrigar e não corro o risco da psicopata ir me ver.
            - Vai para Londres comigo? – seus olhos imploravam.
            - Não é uma boa ideia sair de um país tropical como o Brasil e ir para um lugar frio como é a Inglaterra, principalmente grávida.
            Ela suspirou.
            - Tem certeza do que está fazendo?
            Outra vez aquela pergunta, pensei. Suzana também me perguntara isso. De um modo diferente, mas a resposta seria a mesma: Sim por fora e não por dentro. Apenas fiquei quieta.
            - Acho que está na hora de ir. – suspirei.
            Gabi correu me abraçar. Ouvi seus soluços e percebi que ela chorava. Foi impossível não chorar também.
            - Você pode não ser mais a minha futura cunhada, mas sempre será a minha melhor amiga. – ela falou.
            - Também sou sua prima. – tentei distrair.
            Nos separamos e vi seus olhos cheios de lágrimas. Ela me ajudou a colocar toda as malas no porta-malas de meu BMW ActiveHybrid7. Carla me fitava da soleira da porta, Roberto estava ao seu lado.
            Primeiro me despedi de Roberto, depois virei para ver o rosto de minha mãe. Ela não encarava aquilo como uma despedida, e sim como uma maravilhosa viagem que eu faria. Ela só não imaginava que eu não pretendia voltar.
            Abracei-a o mais forte que podia.
            - Se cuida, ta bom, meu amor? – ela falou.
            - Me cuido sim. Você se cuida?
            - Eu cuido dela. – Roberto falou.
            - Cuidado. – falei com sarcasmo, os dois coraram.
            - Te amo. – falei para Carla.
            - Também te amo. – ela respondeu.
            Entrei no carro e fiquei olhando Carla, Roberto e Gabi acenarem para mim. Meu coração parecia completamente destruído em deixá-los. Comecei a dirigir com mais pressa quando eles desapareceram de vista. Precisava chegar logo a casa de meu pai.
            Durante o caminho fui pensando em como seria minha vida dali para frente. Como seria acordar todos os dias sabendo que não veria Alex, sabendo que minha barriga havia crescido um pouco mais e que o mundo do lado de fora da janela não era o meu.
            Perguntei-me se com o tempo superaria a dor de perder quem eu mais amava. Conclui que não. Nunca superaria, apenas me acostumaria com a dor.
            Estacionei meu carro ao lado do Porsche de Rodrigo, na entrada de carros. Peguei todas as malas e comecei a arrastá-las para dentro da casa de Paulo. Larguei-as na entrada. Ouvi vozes vindo do escritório de meu pai. Subi para o segundo andar.
            - Já pegou tudo que precisa? – Paulo perguntava a Rodrigo.
            - Acho que sim. – Rodrigo suspirou.
            Eles estavam de pé em frente à mesa de vidro de Paulo. Rodrigo estava de costas para a porta.
            - Não vai mesmo levar Suélen? – meu pai voltou a perguntar.
            - Claro que não! Aquela mulher sem escrúpulos! Ela jurou se comportar e na semana passada a vi se agarrando com Joel, meu amigo que é 20 anos mais novo do que ela.
            - Bem, então ela irá morar sozinha na mansão Valentyne. Aqui ela não fica.
            - Decisão justa.
            Os dois ficaram em silêncio por alguns segundos, depois Paulo Ricardo tornou a fazer perguntas.
            - Vai se despedir de Bia?
            Meu coração falhou quando notei que falavam de mim.
            - Ainda não sei. Quero muito vê-la pela última vez, mas temo desistir de tudo assim que olhar seus olhos.
            - Acho que não tem muito tempo para pensar. – Paulo falou enquanto encontrava meus olhos.
            Rodrigo virou-se para ver o foco de sua visão. Seus olhos se iluminaram quando me viu. Ele correu para me abraçar.
            - Veio se despedir de mim? – ele perguntou ainda me abraçando.
            - Na verdade, não. – respondi.
            - Ah! – ele se afastou para encarar meu rosto.
            - Vim pedir uma coisa.
            Rodrigo e Paulo se entreolharam. Talvez os dois tenham percebido que o que eu pediria não seria algo que me fizesse feliz.
            - O quê? – Rodrigo perguntou.
            - Posso ir com você? – lágrimas começaram a rolar por meu rosto.
            - Como é? – Paulo perguntou.
            - Não quero mais ficar aqui. Não quero mais essa louca atrás de mim. Quero paz!
            - E Alex? – os dois perguntaram ao mesmo tempo.
            - Também não o quero mais.
            - Mas Bia, e sua mãe? – meu pai perguntou.
            - Ela já sabe de tudo e me apoia nesta decisão.
            Rodrigo pegou em minha mão e a segurou bem firme. Pude sentir que ele estava feliz com meu pedido.
            - Claro que posso te levar, mas antes quero saber de uma coisa: Você tem certeza do que está fazendo?
            Outra vez a pergunta. Só que desta vez eu teria que dar uma resposta, sem demonstrar a realidade. Aquela seria a resposta que traçaria meu destino.
            Vi todos os motivos para dizer não passarem a minha frente: O dia em que conheci Alex; nosso primeiro beijo; o dia que conheci Gabi, Luiz e Max; quando Alex foi embora; quando fugi de casa; quando conheci Matheus, Luana, Laura, Leandro, Amanda e Marcos; quando Gisele apareceu; o dia em que fui atrás dela; o resgate que meus amigos planejaram; a verdade sobre minha adoção; meu primeiro sonho com Bárbara e Diogo; os lugares que conheci com Alex; e principalmente, minha primeira vez com Alex.
            Engoli tudo em seco e respondi:
            - Tenho sim!
            E meu destino estava entregue à sorte!

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