*Desculpem-nos pelo atraso na entrega deste capítulo.
14- O ACIDENTE?
Por que você deixa tudo para a última hora? – Olavo trovejava no celular enquanto eu tentava socar todas as roupas dentro da mala.
- Desculpa é que tinha tanta coisa para fazer. – respondi.
Era fevereiro. Faltavam três dias para o início do campeonato estadual em Campinas. Olavo, Joni e eu tínhamos combinado de sair no outro dia de manhã para podermos descansar até o início da competição.
Naquele momento Olavo se desesperava por meu atraso com as malas, mas ele sabia que eu sempre terminava a tempo.
Estava ansiosa para o campeonato. Fazia muito tempo desde a última vez que competira. Mas ao mesmo tempo estava preocupada... Preocupada com Alex.
Ele agira estranho nas últimas semanas. Estava sempre tão eufórico à noite depois da faculdade e tão cansado durante o dia, até Roberto Valentyne percebera isto.
Percebi também que seus olhos ficavam mais vermelhos a cada dia. Outra coisa que alterara fora seu comportamento comigo; agora ele estava mais intenso e excitado.
Tentei expulsar este pensamento antes que começasse a imaginar coisas impossíveis.
- Prometo que até amanhã minhas malas estarão prontas. – falei.
É melhor mesmo, hein. Já são quase uma hora da manhã, então você quer dizer até hoje mais tarde, não é?
- É, pode ser! O Joni já está com tudo organizado?
Está sim. Ele que é um homem e ainda por cima descuidado está mais preparado do que você.
- Olavo, parece que você não me conhece! Vou estar pronta até a hora certa.
Tudo bem. Tchau.
- Tchau, até amanhã.
Desliguei e atirei o celular em cima da cama. Corri até o closet e peguei uma imensa muda de roupa para tentar colocar na mala.
Quando terminei, atirei-me na cama, sem ao menos tirar a roupa.
Era folga de carnaval, então não perderia nenhum dia de aula ou de trabalho.
Naquele dia eu já havia me despedido de Alex. Reparei que ele estava inquieto, mas os olhos não estavam vermelhos e também não estava mais animado, apenas inquieto.
Foi uma noite sem sonhos.
Acordei cedo no outro dia. Desci para tomar o café da manhã. Notei que Alex estava sentado na sala de estar. Ele possuía olheiras tão profundas que acreditei que não dormira.
- Vim te desejar boa sorte. – ele falou se levantando.
Aproximei-me dele e lhe dei um abraço. Ele correspondeu o abraço de modo tão intenso que uma onda de medo percorreu meu corpo.
- Você está bem? – perguntei.
Ele não me respondeu, em vez disso me beijou com mais intensidade. Notei que ele colocara a mão por dentro de minha blusa.
- Você está diferente. – falei me afastando – Desde o último dia que você foi à faculdade.
- Não sei o que tem comigo. – finalmente ele respondeu – Nesses dias sinto que algo falta em mim.
- Eu? – perguntei com convencimento.
- Não sei. – ele respondeu sério.
Olhei com uma expressão de medo.
- Você não está bem. Não vou para Campinas e te deixar assim.
- Claro que não! Esperou meses para este campeonato e agora não vai? Não quero te atrapalhar.
Ignorei sua resposta.
- Você dormiu bem?
- Confesso que não. Não sei o que é, mas parece que meu cérebro não está funcionando direito.
- Se não te conhecesse bem, diria que está usando drogas. – falei com sarcasmo.
Andei até a cozinha, Alex me seguiu, rindo da observação que fiz.
- Sou viciado só em você. – ele me agarrou pelas costas.
Senti meu rosto corar. Primeiro porque ele insistia em me mimar com palavras bonitas; segundo porque a empregada estava logo ao lado.
Ele começou a beijar o meu pescoço e a acariciar minhas costas.
- Você está meio excitado hoje, Alex. – falei, me soltando de seus braços.
- Diz isso porque te abracei?
- Não! Digo isso literalmente.
Ele corou. No mesmo instante Carla entrou na cozinha. A empregada começou a servir a mesa com o café da manhã.
Não era comum Alex comer conosco, mas naquele dia ele aceitou quando Carla ofereceu. Ele sentou-se ao meu lado e começou a beliscar um pão.
Apenas tomei um suco de pêra com torradas, enquanto Alex pegava tudo o que podia.
Fitei-o com incredulidade. Até minha mãe e a empregada o fitavam com certa curiosidade.
- Está com tanta fome assim, Alex? – perguntei.
- Estou muito. Parece que não como há séculos. – ele respondeu, colocando um pedaço de mamão na boca.
- Você sempre toma café na sua casa, – Carla falou – milagre não ter comido hoje.
- Mas eu comi. Só que parece que foi há séculos.
Fitei-o com mais incredulidade ainda.
- Você está bem, querido? – minha mãe demonstrou real preocupação.
- Por que todo mundo está me perguntando isso? – ele perguntou rindo – Agora estou muito bem.
- Mas e antes de comer, você estava bem?
- Não muito.
Alex deu de ombros, como se isso fosse algo normal.
Alex.
Ele a fitou um pouco assustado.
Fiquei quieta boa parte da conversa, apenas notando as reações estranhas e abruptas de Alex. Ele estava realmente diferente.
Ouvi uma buzina vindo do jardim. A empregada abriu a porta e as vozes altas e ansiosas de Joni e Olavo encheram a casa.
Corri para a sala, onde eles se encontravam. Joni estava diferente: usava roupas mais folgadas do que antes. E Olavo raspara mais a cabeça do que estava, agora parecia quase um careca.
- Tudo pronto, Bia? – Joni perguntou.
- Prontíssimo! – respondi.
Carla apareceu na sala, seguida por Alex que segurava uma bandeja com biscoitos na mão.
- Boa sorte para vocês. – minha mãe falou.
- Quem precisa de sorte quando se tem talento? – Joni zombou.
Todos na sala riram.
Corri para meu quarto para pegar minhas malas. Olavo me seguiu para poder me ajudar.
- Sabe, – ele falou – seu namorado está diferente.
Então ele também notara?
- Está mais magro e com olheiras roxas.
- É, ele está bem estranho. – falei, pegando meu skate – Estou até preocupada em deixá-lo.
- Ah, mas ele tem a família dele. Não vai ficar sozinho.
- Mas sinto que estou deixando-o vulnerável.
Não podia ignorar o fato de estar deixando caminho aberto para uma psicopata. Só eu sabia que Suzana na verdade era Gisele, e ela poderia se aproveitar disso para se aproximar de Alex.
- Acho que está pirando. – ele riu.
Descemos com minhas malas e colocamos no Audi Q7 prata de Olavo. Andei até a porta, onde se encontrava Alex.
- Vou sentir sua falta nesses dias. – falei.
- Também vou sentir sua falta. – ele ergueu meu queixo com dois dedos e tocou meus lábios devagar, mas logo seu beijo ficou urgente.
- Você precisa parar com isso. – falei me afastando.
- Te amo. – foi o que ele respondeu.
- Também te amo. – respondi e entrei no banco de trás do carro.
Olavo acelerou e cantou pneus enquanto saía do gramado de minha casa. Vi Alex se distanciar e sumir. Por um momento, imaginei que estivesse deixando-o desprotegido.
Joni começou a revirar o som de Olavo, desistiu e começou a procurar por CDs, colocou um de rap tão alto que meus ouvidos começaram a protestar.
- Comprou um novo skate, não foi, Bia? – Joni perguntou.
- Melhores marcas. – respondi.
- Ótimo!
Eles começaram a chacoalhar a cabeça de acordo com o ritmo da música, enquanto eu ria.
Narração de Alex Bittencourt.
Vi o carro de Olavo desaparecer na primeira curva. Carla se encontrava atrás de mim. Não sei por que, mas senti seus olhos em minhas costas. Virei-me e deparei com ela me fitando.
- Está realmente bem? – ela perguntou.
- Só preciso ir a um lugar e ficarei muito melhor. – respondi, indo em direção ao meu Audi.
Saí dali às pressas. Não sabia o motivo, mas algo me impulsionava a ir para a lanchonete em frente à universidade. Apertei tanto o acelerador quanto nunca imaginei.
Cheguei à lanchonete em pouquíssimos minutos. Estava tudo vazio ali, nenhum aluno. Desci do carro e entrei no comércio. Encostei-me ao balcão e uma moça veio até mim.
- O que vai querer?
- Um misto quente. – respondi automaticamente.
Ela assentiu e se retirou.
Uma garota de cabelos ruivos sentou-se ao meu lado.
- Você é Alex Bittencourt, não é? – ela perguntou.
A garota possuía uma voz fina e irritante, mas perguntou tão educadamente que tentei ignorar este defeito.
- Sim, como sabe? – respondi e perguntei ao mesmo tempo.
- Somos da mesma universidade e te achei muito lindo, então resolvi pesquisar um pouco sobre sua vida.
- Ah! Qual seu nome?
- Estefani. Podemos ter uma conversa em um lugar mais reservado?
Ignorei sua pergunta:
- Enquanto pesquisava sobre minha vida viu que tenho namorada?
Ela engoliu em seco. Percebi que havia sido mau-educado.
- Desculpe. – virei-me para ela – Fui rude. Só quis deixar bem claro.
- Ah, tudo bem. Acho que sabia sobre sua namorada, é a Vasconsellos. Só achei que teria uma chance.
- Um dia vai encontrar alguém que também enfrente o seu pai e seu ex para ficar com você.
- Parece que leu meus pensamentos.
- Eu li. – zombei.
Estefani riu e se retirou, enquanto eu recebia meu misto quente.
De repente, uma sensação de alívio subiu por mim. Mordi apressado o sanduíche, esperando a estranha sensação que me dava. Mas ela não aconteceu. Foi como comer qualquer coisa.
Mordisquei várias e várias vezes, mas nada aconteceu. Resolvi largar o sanduíche lá e sair, deixando o dinheiro do lado.
Entrei em meu carro e tentei me acalmar. Percebi que estava completamente nervoso. Decidi que precisava falar com Rodrigo sobre isso.
Disparei para a mansão de Paulo Ricardo, em Cotia. Cheguei rapidamente. Reparei em um Mercedes SL 350 Sport vermelho parado em frente a casa.
Precisei tocar a campainha várias vezes para Rodrigo abrir a porta. Somente de bermuda.
- O que faz aqui? – ele perguntou.
- Não sei o que está acontecendo comigo. – falei, entrando sem pedir licença. – Estou louco atrás de sei lá o quê.
- Não é atrás do misto quente da lanchonete da faculdade? – ele perguntou, fechando a porta.
- Como sabe?
Ele deu um sorrisinho torto e irônico.
- Alex, você que é tão inteligente, acreditou mesmo que eu virara seu amiguinho só porque descobrira que a menina que amo é minha meio-irmã? Se toca!
- O que quer dizer com isso? – perguntei confuso.
- Que ainda terei a Bia para mim.
- E o que isso tem a ver com o misto quente da lanchonete?
- Ah! Você está atrás do recheio dele e não do lanche.
- E?
- E que o recheio é este.
Ele me atirou um pequeno saquinho cheio de comprimidos brancos. Seu sorriso se abrira ainda mais. Peguei o saquinho no ar e passei a olhá-lo.
- Ainda não compreendo.
- Recheei, este tempo todo, seu lanche com isto. Gostoso, não é?
- E o que é isto? – já começava a ficar com medo.
- Ecstasy.
Demorei segundos para maquinar a palavra.
- Mas isto é droga! – falei atirando o saquinho no sofá.
E pelo que eu sabia, era uma droga muito viciosa. Não queria chegar perto daquilo por nada neste mundo.
- Não adianta rejeitar agora. – Rodrigo falou sorrindo.
- O que quer dizer com isso? – dei um passo involuntário para trás.
- Você está completamente louco atrás disto. Não adianta negar. Você já é um viciado, Alex. Um verdadeiro drogado!
- Claro que não! – berrei, jorrando lágrimas.
- Pode até virar as costas agora, mas daqui a pouco você estará louco e voltará sem nem ter consciência do porquê.
- Por que fez isso comigo?
- Quero provar a Bia que você não é nenhum príncipe encantado. Parece que consegui, não é?
- Pensei que tivesse mudado. – agora eu chorava.
- Seja homem e enfrente seus problemas sem chorar!
- Quem está me dizendo para ser homem? Você? Que nem consegue resolver os seus sem prejudicar alguém?
Agora estávamos frente a frente.
- Pode falar o que quiser, não me arrependo!
- Vou ir embora.
Antes mesmo que eu chegasse à porta Rodrigo falou:
- Tem certeza? A delícia que você procura está jogada em cima do sofá.
Virei para ele com raiva, mas naquele momento a sensação maravilhosa que aqueles comprimidos poderiam me dar encheu meu cérebro. Passei a fitar os remédios jogados.
- O que aconteceria se eu contasse sobre isso para a Bia? – ameacei-o.
- Não vai. – foi uma voz feminina e infantil que respondeu.
Olhei na direção de onde a voz vinha. No alto da escada havia uma menina de cabelos pretos, pele branca e franja na testa. Gisele Stoff estava sentada no último degrau da escadaria.
- Você. – sussurrei.
- Não irá contar a Bia, primeiro porque sente vergonha de si mesmo, e segundo porque mato toda a sua família.
- Por que está fazendo isso?
- Porque é divertido! Vocês fizeram meu último plano falhar, nada mais justo do que me vingar.
- Te odeio. – sibilei.
- Isso é o que você pensa! – seu sorriso foi irônico.
Dei lhe as costas para sair dali quando Rodrigo falou alto.
- Imagina a sensação que isso dá.
Tentei ignorar o pensamento, mas foi inútil. Seria maravilhoso. A fome que eu estava passaria; a excitação que Bia tanto notara iria parar; e não precisaria usá-los por pelos menos 24 horas.
Mas eu poderia virar um verdadeiro viciado. Se é que já não estava.
- Não. – dei as costas para o sofá.
- Certeza? – Rodrigo perguntou.
Não sei o que foi, mas minha cabeça se desligou do meu corpo completamente, e sem que pudesse parar, minhas pernas se moveram até o sofá e ingeri vários dos comprimidos.
Narração de Beatriz Vasconsellos
- Vixe, este campeonato será lotado, hein. – Joni comentou.
Estávamos tirando as malas do carro e levando para o hotel. O lugar já estava lotado, principalmente de skatistas.
Entramos na enorme suíte que Olavo alugara. Sempre ficávamos juntos, embora Joni fosse um pouco tarado, mas ele nunca me desrespeitara.
- Os Carrera já estão aqui. – Olavo falou.
- E daí? Ninguém é páreo para os R7 Nexos. – Joni respondeu.
- Isso mesmo. – falei passando a mão ao redor do ombro de Olavo – Você está se preocupando a toa.
- É, acho que sim. – ele me deu um beijo no rosto e foi em direção ao seu quarto.
Também fui até o meu para poder organizar as coisas. Tomei um banho rápido, apenas para relaxar os músculos da longa viagem. Coloquei uma roupa bem a estilo de skatista, amarrei o cabelo em um rabo de cavalo e desci para a rua.
Nos dias de campeonato, Campinas ficava completamente lotada. Havia feras esportivas para todo o lado.
Vi, ao longe, a integrante do grupo Carrera. Eles eram formados por quatro meninos: Daniel – alto, negro e lindo – Murilo – branco, de cabelos pretos – e Jonas – louro, de cabelos repicados e olhos castanho-claros; e uma menina: Raquel – ruiva, de cabelos lisos e rosto pálido. Ela começou a andar em minha direção. Deu-me um impulso maluco de fugir, mas ela chegou rápido demais.
- Pensei que os R7 Nexos havia desistido de tentar nos ganhar. – sua voz era incrivelmente nasal e desagradável.
- Existe coisa muito melhor do que vocês, Raquel. – provoquei-a.
- Que não são vocês.
- Pensei que você havia desistido de tentar andar de skate.
- Eu sei andar, OK?
- Sério? Finalmente aprendeu?
Ela me fuzilava com os olhos quando alguém além de seu ombro me chamou atenção. Era David. Ele acenava para mim de longe.
Deixei Raquel falando sozinha e fui até onde o garoto de cabelos castanho-médio e sorriso de menino me chamava. Havíamos criado uma amizade desde a primeira vez que nos vimos, em um campeonato de três anos atrás.
- Hei, Bia! – ele me abraçou quando cheguei.
- Estava com muitas saudades. – falei por cima de seu ombro.
Ele era de uma equipe concorrente, mas não rival a nossa.
Ainda era possível ouvir a voz irritante de Raquel me ofendendo, mesmo de longe.
- Faz tempo que você e sua equipe não participam de um campeonato que pensei que não viriam para este. – David falou depois do abraço.
- É que aconteceram alguns problemas ultimamente. – respondi.
- Sei que problemas foram.
- Todos sabem qual é o problema, foi um escândalo. Primeiro, meu sequestro, depois, a separação da minha família.
- Todo mundo tem problemas, Bia. – ele levantou meu queixo – Não quero te ver assim, logo temos uma competição e você, como sempre, vai arrasar.
- Olha só o tamanho daquele loop. – Joni falou, enquanto entrávamos no imenso ginásio onde foi montado tudo para o campeonato.
- Falaram que muitos skatistas já se machucaram neste loop. – Olavo falou.
- O que nos deixa com mais adrenalina. – falei.
Nosso camarim ficou apenas há duzentos metros das pistas, o que era bom, mas era ruim porque ficou ao lado do camarim dos Carrera.
Entramos no camarim. Fui direto pegar meu capacete rosado e todos os outros acessórios de segurança.
Olavo e Joni saíram para poder saber que horas os R7 Nexos competiriam. Estava calçando meus tênis quando alguém entrou. Pensei ser um dos dois, mas mudei de opinião quando uma mão branca levantou meu rosto.
- Nesses dois dias ainda não falou comigo. – era Jonas, da equipe dos Carrera.
- Não deveria estar no seu camarim? – perguntei me levantando.
- Não resisti a vim te ver. Está tão diferente... Mais linda.
Ele me abraçou pelas costas e começou a cheirar meu pescoço. Afastei-me no mesmo instante.
- O que foi? – ele perguntou.
- Ao contrário da última vez que nos vemos... Estou namorando. Ou melhor, noiva, mas ninguém sabe do noivado. – cochichei a última frase.
- Mentirosa. – ele sorriu.
Levantei o dedo que possuía o anel de rubis. Ele pegou e leu o nome, Alex, cravado do lado de dentro.
- Lembro de ter lido que estava namorando o Valentyne, mas também lembro de vocês terminarem.
- Terminei com o Rodrigo por causa do Alex. Já faz muito tempo.
- Acho que só eu fico sozinho, não é? Até esta moleca arrumou um namorado, ou noivo, não sei.
- Porque não percebe que tem gente apaixonada por você.
- Quem? – ele ficou surpreso e ao mesmo tempo ansioso.
- Qual é, vai dizer que não percebeu que a Raquel passou a implicar mais comigo depois que eu e você ficamos?
- A Raquel?
- Se eu fosse você falaria com ela.
- Vou fazer isso. – ele começou a se retirar. – Ah! Que perca o pior.
Ele riu e saiu.
Minutos depois já estávamos parados ao lado das pistas. Seríamos o terceiro grupo a entrar. Havia sido divido as modalidades em: rampas, corrimões, loops e todos os três juntos na final.
Eu era boa nas rampas; Joni nos corrimões; e Olavo nos loops.
O primeiro integrante da primeira equipe foi apresentado e começou a deslizar pelas rampas.
Fui à primeira da minha equipe a subir na imensa pista de partida. O locutor me apresentou enquanto eu me aquecia. Olhei para baixo da rampa tentando me concentrar. Ouvi a permissão para começar, e comecei a deslizar com o skate.
A sensação de adrenalina me inundou e me fez ficar concentrada em tudo que fazia. Não caí nenhuma vez. Consegui manter o skate no pé enquanto saltava e terminei minhas manobras com um giro de 180º.
Ouvi ao longe Olavo e Joni gritando ao meu favor.
Depois de mim, foi a vez de Joni – que também fez bonito, mas caiu duas vezes – e em seguida Olavo – que também conseguiu se manter bem.
A equipe Carrera foi bem nessa fase, principalmente Murilo.
Houve cinco minutos de pausa para poderem montar o ranking e anunciá-lo. Enquanto isso, montávamos nossa próxima estratégia.
- Deixaremos o Joni por último agora, certo? – Olavo cochichou
Nós concordamos e voltamos para ver em que posição estávamos.
O locutor anunciou que estávamos em segundo lugar, perdendo para os Carrera.
- Droga! – Joni berrou.
- Engole, seus ruins! – Jonas berrou ao nosso lado.
Fomos para a próxima fase: os corrimões. Olavo foi o primeiro de nossa equipe. Ele caiu uma vez, mas voltou e melhorou a situação.
Entrei no imenso espaço assim que Olavo saiu. Atrás de mim, Joni gritava a meu favor. Subi até a rampa de partida – ela servia para dar impulso nos corrimões.
Essa com certeza será a prova que cairei muito, pensei.
Foi dada a permissão e desci cortando o vento. Saltei no primeiro corrimão. Até que fui bem, se não tivesse caído no segundo. Caí e rolei pelo chão liso. Se não estivesse com a cotoveleira, agora estaria toda ralada.
Os Carrera comemoraram meu tombo, mas levantei e tive de retornar a rampa de partida.
Caí mais duas vezes e acabei demorando mais tempo para terminar a prova do que Olavo. Mas Joni recuperou todos os pontos perdidos, fazendo coisas impossíveis.
Da equipe Carrera, Daniel foi quem fez melhor nesta fase.
Houve outro intervalo para calcular os pontos. Foi nesse tempo que meu celular tocou dentro do camarim. Corri para ver quem era. Era Carla:
- Bia, como está indo?
- Já me ralei um pouco, mas estamos muito bem. – respondi analisando meus braços e pernas.
- Espero que ganhem, meu amor.
- É. E como está o Alex?
Fez-se uma breve pausa do outro lado da linha, o que não era bom.
- Está bem. – ela respondeu.
- Você é péssima em mentiras, mãe. O que aconteceu? – nós já atrapalhavam minha fala.
Várias cenas se passaram em minha cabeça.
- Nada com o que se preocupar. – Carla respondeu.
Eu iria protestar quando o locutor anunciou a próxima fase.
- Depois a gente conversa sobre isso. – falei e desliguei.
Corri de volta para o ginásio. Joni seria o primeiro a entrar do nosso grupo.
Ele se apresentou bem. Também não fui muito ruim, apenas um tombo. Já Olavo foi excelente, assim como Jonas e Raquel da outra equipe.
Na última prova do dia só restara o R7 Nexos em primeiro lugar e os Carrera em segundo, com pequenas diferenças de pontos.
- Vamos destruir os Carrera nessa última prova. – Olavo falou.
- Agora que vem o imenso loop, hein. – Joni comentou.
- Está com medo, Joni? – provoquei-o.
- Claro que não.
- Serei o primeiro, OK? – Olavo perguntou.
Assentimos.
- Joni será o segundo e Bia a última. – ele completou.
Iniciou-se a prova mais perigosa e mais emocionante. Olavo conseguiu se manter bem, até chegar no grande loop e descê-lo rolando.
- Todo mundo está caindo ali. – Joni falou.
- Mas ninguém morreu. – ri.
- E se eu for o primeiro?
- Não fale besteira, Joni. – falei com voz severa.
- Pode acontecer...
- Mas não vai! – interrompi-o.
- Vou confiar em você.
- Pode confiar.
Olavo voltou para o nosso lado, satisfeito por sua performance e Joni saiu. Ele caiu já no primeiro obstáculo.
- Ra! Seus ruins! – Jonas gritou.
- Ele está com medo. – falei apenas para Olavo.
- Está mesmo. – Olavo observou – Cala a boca, Jonas!
Joni voltou ao começo e tentou mais uma vez. Foi muito bem, até chegar no loop maior. Ele apertou o skate no pé e acabou desequilibrando, o que o fez bater no chão e rolar por três metros. Só vi quando ele provocou um imenso som da cabeça batendo no chão e depois rolou desgovernado.
- Hum, essa doeu! – Jonas provocou.
- Fica na sua, playboy! – Olavo gritou.
Os dois começaram a discutir, mas ignorei.
Percebi que Joni não se mexeu. Dois enfermeiros que ficavam nos cantos do ginásio correram até ele. Logo um médico apareceu também. Os vi tomando o pulso de Joni e se entreolharem.
Pulei a barreira que nos impedia de invadir o ginásio. Aproximei-me dos homens que se olhavam chocados.
- O que aconteceu? – perguntei.
O médico balançou o pescoço de Joni, que parecia estar mole.
- O que você é dele? – o médico perguntou.
- Amiga. – respondi já aflita.
- O que houve? – Olavo apareceu, igualmente preocupado.
Os três se entreolharam de novo e um enfermeiro respondeu:
- Ele quebrou o pescoço.
Meus olhos se encheram de lágrimas.
- Pelo que sei, - Olavo falou com a voz rouca – quando quebra o pescoço, ou fica tetraplégico ou morre.
- Gostaríamos muito da primeira opção. – o médico respondeu.
Foi como facada na barriga. Não sei o que houve, mas tudo ficou escuro e apenas uma voz ecoou em minha cabeça, uma voz que virara lembrança:
“Vou confiar em você”.
E tudo se apagou.
Realmente não tinha consciência de onde eu estava. Meu cérebro parecia possuir furos onde deveria ser minha memória.
Acordei para uma estranha luz branca. Era um lugar realmente estranho. Percebi Olavo sentado há alguns metros de mim. Ele correu para meu lado quando encontrou-me acordada.
- Está bem? – ele perguntou exasperado.
Reconheci que estava em um quarto de hospital, a luz forte era do refletor e o branco das paredes.
- Ah, entendi! – falei – Eu que me machuquei na competição e sonhei que fora Joni.
- Se for sonho, Bia, por favor, também me acorde.
Fitei seu rosto angustiado. Não conseguia compreender o que ele falara. Eu não havia sonhado?
- O que aconteceu? – perguntei por fim.
- Você não se lembra muito bem porque teve de tomar calmante para poder dormir, mas você desmaiou depois do que aconteceu no loop.
- E o que realmente aconteceu no loop? – perguntei com os olhos cheios de lágrimas.
Os olhos de Olavo também se encheram.
- Estávamos no campeonato de skate, Joni entrou para a última prova quando escorregou no loop maior e caiu rolando pelo chão. – Olavo fungou – Ele caiu de cabeça e acabou quebrando o pescoço.
Ele desabou na cadeira ao meu lado, colocou o rosto entre as mãos e se entregou ao choro.
Não foi preciso perguntar para saber o final da história.
Joni morrera!
Desta vez não desabei na inconsciência, o que desejei que acontecesse. Enfrentar aquela realidade era o que eu menos queria. Era realmente dolorosa.
Lembrei da última frase que Joni me dissera: “Vou confiar em você!”. Ondas de culpa me inundaram. Se não fosse por mim, agora ele estaria vivo.
- Foi tudo minha culpa! – falei por entre os soluços.
Olavo levantou a cabeça abruptamente.
- Como é? – ele pareceu abismado.
- Olavo, se eu não tivesse incentivado-o a participar da última fase ele jamais teria ido e não cairia daquele maldito loop.
- Mas você não sabia o que ia acontecer, ninguém sabia.
- Só que eu notei que ele estava com medo, não deveria ter feito-o ir.
- Todos estávamos com medo, Bia!
- Olavo, ele confiou em mim.
- Não foi culpa sua, Beatriz! – ele berrou no quarto do hospital.
Fiquei quieta. Foi impossível conter o jorro de lágrimas. Olavo me abraçou e passou a chorar junto comigo.
A enfermeira entrou minutos depois. Ela analisou minha aparência e meus reflexos.
- Já pode ir. – ela falou.
Olavo me ajudou a andar do hospital até o seu carro. Ficamos por horas parados em frente ao hospital, tentando recuperar a consciência. Depois de ter certeza que estava melhor, Olavo ligou o carro e começou a dirigir devagar rumo a Alphaville.
Já fazia quatros horas que eu estava trancada em meu quarto. Olavo me deixou em casa e dirigiu lentamente para a própria casa. Carla batia ferozmente na porta pedindo por explicações.
Sentia meus olhos completamente inchados e ardentes. Minha camiseta estava toda encharcada.
Foi só quando Roberto chegou e quebrou a fechadura de minha porta que Carla entrou. Ela correu para meu lado e arrancou o travesseiro que a impedia de me ver.
Àquela altura todos já sabiam do acontecido. O corpo de Joni já havia chegado e logo seria o enterro.
- Sinto muito, meu amor. – Carla falou enquanto me debruçava em seu colo.
O enterro foi muito mais difícil. A mãe de Joni não conseguia parar de pé. Todos sofriam muito.
Uma garota de véu preto na cabeça parou a meu lado. Por baixo do véu vi o cabelo louro e liso.
- Incrível como a mente humana é facilmente manipulável. – a garota falou.
Notei a voz desenvolvida e conhecida que ela tinha. Sequei e meus olhos e fitei a loura ao meu lado. Era Suzana Winter.
- O que faz aqui? – perguntei por entre os dentes.
- Estou no enterro do meu namorado.
Fitei-a com fúria.
- Ele não te contou? Estávamos namorando, mas depois deste trágico acidente...
- O que você fez? – foi mais uma acusação do que uma pergunta.
- Manipular a mente humana para sentir medo é incrivelmente fácil. Assustei-o com os loop e veja no que deu.
Mais lágrimas começou a rolar, mas agora eram de ódio.
- Por que fez isso?
Ela se aproximou de mim.
- Para te provar que não tenho dó de ninguém... Ninguém!
E me deu as costas.
Comentem o capítulo ali embaixo!
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