terça-feira, 5 de julho de 2011

Capítulo 6


6- UM AMOR NÃO CORRESPONDIDO


            Desci do carro e fui direto para a sala de aula. Entrei alguns minutos antes do professor e sentei ao lado de Nani.
            - Oi sumida. – cumprimentou ela.
            - Oi Nani. – respondi com um breve sorriso
            A professora Lucia entrou e já foi encomendando um novo trabalho. Lembrei-me da ultima vez que ela havia feito aquilo – o dia em que conheci Alex. Outra vez, ela quem formou as duplas e quando chegou minha vez, a escolha parou:
            - Bia! – a voz dela saiu áspera e interrogativa – Você fez um trabalho tão bom com o Alex, que pena que ele foi embora.
            As palavras me torturaram, eu não queria ouvir. Mas ela permaneceu no assunto, agora piorando ele:
            - Para onde que ele foi? Você sabe? Já que estavam juntos.
            - Não. – foi a única coisa que consegui pronunciar.
            - Vocês formavam um belo casal, hein...
            A Interrompi. Saí sem olhar para trás, com o coração destruído. Tinha a vontade de fugir, de correr e gritar para esquecer a dor.
            No corredor das salas encontrei Rodrigo. Demos uma trombada forte, ele tentou se desculpar:
            - Desculpa Bia, se machucou?
            Não respondi. Continuei andando calada. Mais uma vez voltei ao meu estado de silêncio.
No mesmo instante meu celular tocou, o numero não era identificado. Criei uma certa esperança, mas foi em vão:
- Alô?
- Bia? É o Luiz, tudo bem?
- Sim. – menti.
- Não está não. – ele discordou – O que foi?
- Ah Luiz, eu o quero tanto. Te ajudei mas agora eu que estou em estado de depressão.
- Quer que eu vá ai para te ver?
- Por favor! Quero muito um amigo.
- Já estou indo. Pego-te ai na sua escola. Tchau
- Tchau.
Desliguei a chamada e em seguida comecei a discar outro numero. Eu precisava falar para Matheus não vir me buscar, que Luiz ia me levar.
Ele atendeu e entendeu. Mas falou que ainda tinha que conversar comigo e que na ida para casa me contaria a história pendente.

Luiz chegou rápido. Foi com o belo BMW que maltratava qualquer carro que estivesse por perto, até mesmo os de Rodrigo. Entrei no carro sem falar nada, ele me fitou com uma expressão de angústia, como se entendesse o que eu sentia. E ele entendia, pois sofria pelo mesmo.
Comecei a falar quando tive que explicar o caminho até minha casa. Ele fez o caminho em “um jato” e o incentivei a entrar:
- Vem, quero que conheça a minha mãe.
- E se seu pai estiver ai? Já ouvi muitas coisas a respeito dele e não foram nada boas.
- Ele não está. Venha! – puxei sua mão e ele desceu do carro.
Ele veio timidamente. Minha mãe estava na porta com uma expressão curiosa. Fazia tempo que eu não ia lá com a animação que estava e muito menos com um menino – só alguém com o espírito de Gabi, como Luiz, para me animar daquele jeito.
Apresentei um ao outro. Luiz permaneceu tímido e minha mãe se animou um pouco. Tinha quase certeza que ela pensava que Luiz era um novo namorado, estava na cara que ela pensava isso, fiquei até constrangida.
Subimos para o meu quarto e ficamos conversando por horas, ele sempre tentava me consolar:
- Bia, tenta esquecer. Você me disse para fazer isto e eu estou fazendo. Agora você também tem que fazer, não por mim, por você.
- Eu quero tanto Luiz, mas parece que é impossível. Quanto mais eu tento, até consigo, por um tempo e depois quando a saudade volta, é para doer muito.
Quando vi, já estava chorando. Ele me abraçava forte.
Eu tinha me esquecido da hora, quando olhei, já era hora de trabalhar. Descemos. Minha mãe estava na cozinha e nos olhou curiosa. Ele me levava como se eu estivesse me apoiando nele. Despedi-me dela, Luiz também.
Ele me levou até a loja. Cheguei na hora exata, Matheus havia acabado de chegar. Desci do carro e Luiz foi embora.
- Pontual hein! – Matheus elogiou-me.
Dei uma risadinha e entrei na loja.
Fui para o meu lugar e comecei a trabalhar sossegada até o movimento diminuir. Quando não tinha clientes Matheus sentou ao lado de meu balcão e ficou calado. Tive de perguntar:
- Você vai me contar sobre a história lá?
Ele ficou paralisado por alguns minutos depois de virou para mim.
- Vou!
- Então? – insisti.
- Eu nunca liguei para esse negócio de “namorada” – ele falou a palavra como se sentisse repulsa – até conhecer uma menina da minha rua. Ela sempre morou ali, bem perto, mas eu nunca havia reparado nela, até um dia que passamos todo o dia juntos. O nome dela era Julia.
“Ficamos uns tempos juntos até afirmar um namoro sério. Eu gostava muito dela e ela também gostava de mim”.
“Até um dia que ela foi para os Estados Unidos estudar. Passou-se dois meses, quando aconteceu uma tragédia...”.
Ele parou para respirar, parecia que a história o machucava.
- Ela estava vindo para cá passar umas semanas quando o avião dela caiu no meio de uma mata, que eu não me lembro o nome. Muita gente morreu... Inclusive ela.
“Foi um dia horrível, nunca me esqueço, apesar de fazer dois anos já”.
Ele enxugava as lágrimas.
- E depois disso você nunca mais se entregou para outra pessoa? – supus.
Ele respirou fundo e respondeu:
- Não.
A voz dele saiu áspera e triste. Eu podia sentir a tristeza dele como se fosse minha. Realmente a história dele era pior.
Nunca me imaginei viver sabendo que Alex morreu. Eu estremeci com a idéia. Seria péssimo, assustador, impossível. Matheus era forte. Senti-me um bebê chorão perto dele, eu sempre reclamava de meus problemas e fazia todos ao meu redor sofrer junto comigo. Ele não. Sempre estava de bom humor e jamais demonstrava a horrível história que guardava consigo.
Se conviver com um amor distante era difícil, imagina conviver com um que não existe mais? Era assustador pensar na história.
- O que está pensando tanto? – perguntou Matheus.
Ele me fitava pelo canto do olho. Já não havia mais lágrimas em seu rosto, estava melhor assim.
- Nada. – menti tentando esquecer a história.
- Na verdade, eu tentei gostar de outra garota, mas eu tenho medo de me apegar e perdê-la outra vez.
- Mas não é bem assim. Você vai ficar sofrendo até quando?
Ele riu.
- Eu que te pergunto isso: Vai ficar sofrendo por seu ex até quando?
Ele me pegou de surpresa. Não esperava uma pergunta daquela.
- Mas só se passaram dois meses de quando ele partiu. Você já faz mais de dois anos. – destaquei a palavra com sarcasmo.
- Mas é dentro desse período que o Marcos se apaixonou completamente por você.
Fiz silêncio por um longo tempo. Comecei a refletir sobre a frase e resolvi desabafar com ele:
- Para te falar a verdade. Sinto-me bem com o Marcos, ele me faz esquecer tudo, embora eu tenha conhecido ele há tão pouco tempo. Mas eu também tenho medo de me entregar e depois ele desaparecer também.
Ele forçou um sorriso, mas não conseguiu.
- Vamos fazer um acordo? – ele sugeriu.
- Qual?
- Você se entrega para o Marcos e eu me entrego para uma menina.
- Quem?
Ele reprimiu um sorriso de lado e respondeu:
- A Luana.
Fiquei pasma. Ele era apaixonado pela Luana, mas tinha medo de perdê-la. Muito bonito.
- Feito. – respondi lhe esticando a mão.
Ele apertou-a e assentiu.
Passaram-se as horas e meu período de serviço havia acabado. Tinha sido um dia calmo aquele, poucas pessoas estavam a fim de praticar esporte.
Peguei minhas coisas e fui em direção à porta de saída. Fiquei por um tempo esperando um táxi, até que ele apareceu.
Desci na frente da grande casa. Marcos estava sentado na varanda e se levantou rapidamente quando me viu chegar. Ele andou apressado até mim e pegou todas as coisas que eu carregava, só para me ajudar.
Fomos até o meu quarto e deixamos as coisas lá. Ele se virou para sair sem falar nada quando o chamei:
- Marcos. Quero falar com você.
- Sobre o quê? – ele perguntou ainda de costas para mim.
- Sobre nós dois.
Ele se virou para mim abruptamente com as mãos para cima, como estivesse se rendendo.
- Não tive a intenção de te agarrar, já falei isso. Já te pedi desculpas.
- Não é sobre isso que eu vou falar.
- Então...?
- É sobre o que você falou sobre estar apaixonado por mim.
- Ah. Mas é verdade. Sei que você não me corresponde, mas...
Ele tagarelava tentando se explicar e não me deixava falar. Só vi uma forma de falar para ele o que queria.
Eu o puxei para perto de mim e, como ele, roubei um beijo. Mas ao contrário de mim, ele retribuiu. E mais uma vez, um filme passou pela minha cabeça, todos fixados em Alex.
Não era certo o que eu estava fazendo: traindo Alex. Mas ele não tinha terminado comigo? Não era bem assim.
O beijo foi longo, mas quando parou, ele parecia sem fôlego. Eu havia gostado do beijo, mas como sempre, não era o que eu procurava.
Ele me abraçou contra seu peito perfeito e disse:
- Te amo.
Eu apenas assenti e me desenrolei daquele abraço.
- Preciso ir tomar banho. – falei tentando me libertar de seus braços.
- Está bem.
Ele se retirou do quarto enquanto eu escolhia a roupa que vestiria após o banho. Assim que ouvi a porta fechar, me joguei na cama e comecei a pensar no recente beijo. Foi bom, gostei, mas eu tinha certeza disso? E se eu me machucasse outra vez?
Chacoalhei a cabeça tentando me livrar do pensamento e saí com as roupas escolhidas na mão. Tomei um banho rápido e quando saí, já era hora do jantar.
Fui para a cozinha rapidamente. Sentei ao lado de Marcos e vi que Matheus estava ao lado de Luana, ele me deu um sorriso torto que não consegui deixar de retribuir.
O jantar foi calmo e silencioso, um bom ambiente para pensar.
Comecei a pensar se estava fazendo a coisa certa. Seria correto usar Marcos para cumprir minha promessa com Alex? Mas eu tinha que tentar.
Quando todos terminaram de comer, fui ajudar Laura com as louças. Assim que terminei fui para o meu quarto, passei pela sala e não pude deixar de notar Matheus sentado no sofá abraçado com Luana. Tínhamos começado com nossa trégua com a solidão.
Marcos estava sentado ao pé da escada e se levantou quando parei em sua frente. Ele me puxou para perto e me deu outro beijo e me entreguei. Será que eu estava começando a amá-lo?
Ri em pensamento.
O tempo passou...

NOVEMBRO

Eu e Marcos continuávamos juntos. Eu ainda sentia a dúvida: eu o amava?

DEZEMBRO

Natal

Dezembro.
É um mês bom. Férias, natal, família!
Todos na grande casa de Nanda estavam indo embora para suas casas, passar o natal com a família, até mesmo Marcos. Eu não sabia se deveria ou não, ir para a casa de minha mãe. Enquanto pensava, o celular tocou:
- Alô? – atendi
- Filha, você virá para cá hoje, não é?
- Não sei.
- Bia... É véspera de natal, você sabe que amanhã nossos familiares virão. Venha também.
Eu ficaria sozinha mesmo. Por que não?
- Está bem, eu vou.
- Ótimo. Traga algumas roupas sua. Não precisa ser muita, só para me aju-dar e tudo mais.
- OK. Eu levo. Já estou indo. Tchau.
- Tchau amor.
Ela desligou.
Corri ao meu quarto para pegar algumas roupas. Algo me dizia que aquele natal seria bom.
Peguei a pequena mala que havia preparado e saí apressada para o ponto de táxi. Quando estava saindo da casa percebi que não estava sozinha. Leandro estava sentado na sala, assistindo televisão, com uma expressão angustiada.
- Você não vai passar o natal com a sua família? – perguntei.
Ele me olhou por um momento e respondeu:
- Não. Minha família mora em Santa Catarina e eu não tenho dinheiro para viajar.
- E vai passar o natal sozinho aqui?
- Não tenho escolha.
Fiquei calada por um instante pensando em como ajudá-lo e decidi não deixar ele ali.
- Vamos lá em casa. Terá uma ceia e amanhã o almoço de natal. Vai ser animado, venha?
- Não. Eu vou incomodar.
- Não vai não. Por favor?
Ele me olhou mais animado
- Talvez eu vá.
- Ótimo. – comemorei – Vou te esperar, hein...
- Não é certeza.
- Mesmo assim. Tchau.
Eu saí rindo.
Fui correndo para o ponto de táxi. Demorou a aparecer um, mas esperei paciente.
Indiquei ao motorista para onde devia ir e depois fiquei em silêncio refletindo: Será que ele passaria o natal junto com a família? Ou também estava proibido disso? Será que ele lembraria de mim?
Balancei a cabeça tentando me livrar dos pensamentos e quando vi, já estava chegando em casa.
Minha mãe me esperava no jardim, toda animada. Desci do táxi e ela me ajudou com a pequena bagagem.
- Vamos, temos muitos a fazeres! – protestou ela.
- Então vamos.
Levamos minhas coisas para o meu antigo quarto e depois descemos para decorar a sala.
Passar o dia com a minha mãe era divertido, era ótimo. Mais uma vez concluí: minha mãe é uma amigona. Eu gostava de me distrair com ela. Tudo parecia sem problemas. Ela carregava a paz consigo.
A tarde passou “voando” com toda aquela diversão. Tive que ir tomar banho para receber os convidados. Quando subia as escadas tive a ideia de convidar dois amigos:
- Mãe! Posso convidar meus amigos para vir?
- Claro. Quem você vai chamar?
- O Max e o Luiz e tem outro também que eu já convidei, o Leandro.
- Tudo bem. Pode chamá-los.
- Obrigada mãe.
Ela assentiu.
Fui tomar o meu banho. Saí e logo peguei o celular para convidar Max e Luiz. Eles concordaram em vir. Fiquei feliz.
Coloquei a roupa mais elegante que tinha e desci para ajudar minha mãe com os convidados. Meu pai chegara em casa e estranhou eu estar ali. Ele se arrumou e também desceu para a recepção de gente.
Várias e várias pessoas iam chegando. Tios, primos, avós e amigos. Max e Luiz chegaram juntos e cedo. Eu estava animada em passar o natal com eles.
Nós saímos juntos daquele amontoado de gente e fomos para o quintal. Havia músicas, comidas e tudo para uma noite divertida. E quando esfriou, subimos para o meu quarto.
Estávamos passando pela sala de estar quando a campainha tocou, pensei que era outro convidado então fui atender, mas era o carteiro com algo para mim. Peguei o envelope curioso, estava vindo da Inglaterra. Corri ao quarto para abrir, Max e Luiz me seguiram.

Feliz natal meu Chuchu!!

Que esta data seja especial para você, mesmo que não seja o mais feliz – pelo o que aconteceu – mas lembre-se que hoje é um dia de festa.
Faça um bom pedido para o papai Noel.
Kkkkkkk’
Beijos, meu coração.
                                               Da sua melhor amiga!
                                                       Gabi.

Ela havia se lembrado de mim. E isso me animou.
Luiz analisou o papel e sorriu em ver a letra dela outra vez. Peguei o cartão e guardei na gaveta que eu guardara todas as outras cartas que recebera, dela e de Alex.
Max pegou todas que estavam lá e começou a ler. Até que ele achou a última que recebi de Alex:
- Puxa! Nosso antigo código. – ele protestou.
- Como assim? – perguntei com euforia.
- Isso que está escrito aqui é um código que só eu, Luiz e Alex conhecemos. – ele apontou para a letra de Alex:

Rio de Janeiro

- E o que significa?
- Hum! – ele analisou por alguns instantes – Significa...Rio de Janeiro.
- Como assim? Ele está no Rio de Janeiro?
- É o que a carta diz.
- Por isso que ele escreveu de outro jeito em vez de não escrever. Ele queria que eu descobrisse e imaginou que você poderia ler um dia.
Ele estava no Rio de Janeiro. Tão perto. E o melhor, ele sabia que um dia eu iria descobrir.
Fiquei sentada na cama, imóvel. Eles perceberam que eu estava ferida e ao mesmo tempo feliz, e quiseram me consolar:
- É quase meia-noite. Vamos para a sala de jantar? – perguntou Luiz passando a mão na barriga.
Nós rimos. Eu ainda estava pensativa.
- Vamos.
Descemos as escadas em direção ao amontoado de gente. Todos estavam começando a se servir quando o relógio tocou meia-noite. Era natal.
Eu estava esperando todos se servirem para começar a comer também, quando o telefone da cozinha tocou. Não havia ninguém na casa, então tive de atender:
- Alô?
Ouvi apenas silêncio.
- Aloooô? – insisti. – Vou desligar!
- É... Hã... – gaguejou - Feliz natal, Bia.
A voz doce e conhecida me fez estremecer. Era ele.
- Alex? É você? Não acredito.
- Nem eu Bia. Nem eu. – ele parecia estar chorando.
- Você está no Rio de Janeiro?
- Você descobriu. Eu sabia. Max e Luiz te ajudaram? – ele parava de chorar.
- Sim. Hoje, á uns dez minutos.
- Nossa! – ele riu
- Volta?! – pedi.
- Como eu queria. – ele voltava a chorar – Vou ter que desligar. Tchau.
- Não. Por favor! – implorei.
- Te amo.
Ouvi um bater forte e ele desligou.
Eu me atirei no chão, me encolhi e comecei a chorar, mas desta vez de alegria. Meu pai passou bem na hora.
- Bia, o que houve?
- Ele pai, ele me ligou. – eu continuava chorando.
Ele me fitou com uma certa angústia no olhar. Como quem pede desculpas. E depois foi em direção à porta de entrada.
Eu estava tão feliz que não tinha percebido a campainha tocar. Era Rodrigo e seus pais. Eles passaram e me viram ali no chão, Rodrigo riu com ironia.
Levantei e me juntei a Max e Luiz com um humor melhor.

Acordei com o sol iluminando o quarto, sentia um dor de cabeça imensa e um enjôo horrível. Resultado da noite anterior.
- Boa tarde garota! – falou a voz rouca de Rodrigo.
Ele estava sentado em uma pequena poltrona ao meu lado.
- Tarde? Que horas são?
- Duas da tarde.
- Meu Deus! – eu fui me levantando – Tenho que levantar.
Mas uma náusea atingiu meu estômago.
- Que ressaca, hein! – ele gozou.
Reprimi um sorriso.
- Quer que eu te ajude a descer?
- Não precisa. Vou ficar mais um pouco aqui.
Deitei-me outra vez e apaguei.
Quando acordei era de madrugada. Com certeza do dia 26 de dezembro. Passei o natal inteiro dormindo, que horror.
Desci para a sala e fiquei assistindo TV até o amanhecer.
Meu pai foi o primeiro a levantar. Passou por mim e disse apenas um “Bom dia” e foi em direção a cozinha. Sua expressão era de angústia, de arrependimento. Mas agora não valia de nada, o arrependimento, a angústia, ele não voltaria mais.
Já haviam se passado quatro meses e ele não aparecia. Apenas bilhetes, cartas e ligações. Apenas letras e vozes. Eu queria seu rosto, seu jeito, seu beijo, tudo.
Eu já estava me esquecendo do seu sorriso, dos seus olhos, do seu cabelo claro, do seu jeito tímido. Mas jamais esqueceria dele. Aquele que me fez tão bem, me fez feliz. Por pouco tempo, mas foi o suficiente para poder ver como vale a pena viver.
Meu pai passou outra vez pela sala em silêncio, pegou sua pasta e saiu para o serviço. Quando ele já estava na porta, se virou para trás e se sentou ao meu lado. Ficou me fitando por um instante e depois rompeu o silêncio:
- Se um dia ele voltasse, você me perdoaria?
- Sim. Mas ele nunca vai voltar. – falei ainda olhando para a TV.
Ele assentiu e foi embora.
Minha mãe levantou alguns minutos depois e ficou feliz em me ver ainda ali. Era agradável ver seu belo rosto logo de manhã, depois de um pensamento pessimista que estava tendo, era bom saber que eu poderia contar com seus braços para sempre. Mas eu não suportava ficar ali. Tinha de ir embora.
- Bom dia, mãe. Estava esperando você levantar.
- Bom dia, Bia. – ela respondeu com um sorriso doce – Para quê?
- Para ir embora. Vou trabalhar. Agora volta a minha velha rotina.
Ela mudou a expressão, agora ficou sombria e tristonha.
- Está bem. Sei que não posso te impedir.
Eu ri.
- Então Tchau.
- Tchau. – ela me deu um beijo no rosto e eu saí.
Peguei um táxi e voltei para a casa de Nanda. Todos já tinham chegado das festas de natal. Marcos me esperava ansioso. Matheus me esperava olhando para o relógio. Eu tinha que trabalhar.
Minha vida havia mesmo voltado a angustiante rotina.


JANEIRO

Meu pai viaja misteriosamente.

Eu trabalhava sossegada na pequena loja de Matheus quando meu celular toca. Era uma chamada de casa. Com certeza, minha mãe. Eu estava ocupada – a loja estava movimentada – mas me esforcei para atender:
- Mãe?
- Bia! Que saudade, como você está?
- Bem...Hã...Mãe, fala logo porque eu estou trabalhando.
- Ta bom. Volta para casa?
- Já falamos sobre isso mãe, não vou voltar, não com o papai aí.
- Ai que está, seu pai viajou.
- Para onde?
- Não sei. Ele falou que depois eu irei saber. Você vem?
- Posso passar alguns dias aí.
- Ótimo. Você vem hoje?
- Amanhã. Tenho umas coisas para fazer, mas amanhã de tarde estou aí.
- Ta bom. Beijos filha.
- Beijos. Tchau.
Ela desligou.
Meu pai viajou e não avisou para onde foi? Era estranho, mas seria bom passar uma temporada em casa, outra vez. Com minha mãe.
Passou mais algumas horas, o movimento da loja diminuiu e meu horário de serviço havia acabado. Matheus se ofereceu para me levar em casa e como eu estava cansada, aceitei. Ficamos em silêncio durante boa parte do percurso, até que eu rompi:
- Vou voltar para casa amanhã.
- Por quê? – ele me fitou.
- Minha mãe me chamou e meu pai está viajando, então vai ser tranquilo ficar por lá.
- E quando ele voltar?
- Eu volto para lá.
- Você vai falar com o Marcos?
- Sim. Quando chegar.
Ele concordou com a cabeça.
Chegamos e eu fui direto para o meu quarto. Marcos estava na cozinha quando me viu entrar e me seguiu. Comecei a arrumar as malas, ele me fitou com curiosidade e enfim perguntou:
- Você vai embora?
- Só vou passar um tempo com a minha mãe.
- E como vou fazer para te ver?
- Eu vou continuar trabalhando na loja, vai lá.
- Quando você vai me apresentar para a sua mãe? – ele se aproximou e sentou na cama próxima de mim.
- Marcos! Entende, não estamos namorando.
Eu não queria apresentá-lo para minha família. Não tinha certeza o suficien-te de que ficaríamos juntos, como eu tinha com Alex.
- Ainda. – ele falou.
- Não posso namorar você. Eu ainda gosto dele.
Ele bufou e se levantou.
- Ta bom então. – protestou.
- Desculpe.
Eu me aproximei e o puxei para próximo de mim. Era difícil ver ele sofrendo daquele jeito, eu me sentia péssima, mas era impossível evitar. Eu não amava do jeito que deveria.
Dormi cedo naquele dia, nem jantei. Minhas malas já estavam prontas, eu estava ansiosa para voltar.

No outro dia acordei tarde – meu sono ainda estava desregulado. Eu não iria trabalhar, era meu dia de folga. Tomei um banho e fui ajudar Laura com os serviços.
Passei pela sala e Leandro estava sentado lá, eu o cobrei:
- Então, não foi lá em casa no natal, né?
Ele comia uma tigela grande de salgados – não era por acaso que era gordo. E me respondeu:
- Fui sim. Mas você dormia igual pedra. Fiquei conversando com uns amigos seus por várias horas e você não acordou.
Eu corei.
- É verdade, Eu esqueci que dormi o natal inteiro.
Nós rimos.
Eu saí de lá e fui para a cozinha ajudar Laura. Todos já haviam saído para trabalhar, até Marcos.
Depois que terminei os serviços que tinha, fui pegar a minha mala e sair. Estava com grandes saudades de casa.
Cheguei e minha mãe me esperava na porta da frente. Ela me recebeu animada. Vi que os dias que iria passar lá seria bom.


FEVEREIRO

Meu pai ainda não voltara.

Fevereiro.
Primeiro dia de aula. Ultimo ano do ensino médio.
Novo ano. Eu estava ficando velha.

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