10- GISELE STOFF
Acordei com as luzes do sol atravessando a minha janela. Um domingo ensolarado e abafado, o que era estranho, pois não estávamos no verão, e sim no outono época em que começa a esfriar e as folhas caem. Corri para a janela tentando me certificar de que não estava imaginando aquele sol. Não estava.
Respirei fundo duas vezes antes de sair do estado de transe em que me encontrava perto da janela. Nesses dias o aquecimento global era bom.
Olhei pelo lado direito da janela e avistei a garagem – antigo salão de dança – com uma bagunça imensa ao redor. Senti o mau humor voltar a mim.
Saí da janela e me dirigi ao banheiro, na intenção de tomar um banho quente e demorado.
Minutos depois saí. Não sabia que horas eram, então talvez não precisaria me preocupar com alguém me esperando para o café da manhã.
Desci cada degrau sem a menor pressa, já podia ouvir as vozes que vinham da cozinha. Uma voz feminina, com certeza de minha mãe, e uma voz masculina, rouca que parecia ser de Rodrigo.
Terminei minha lenta caminhada na cozinha. Carla e Rodrigo estavam lá, como eu havia pensado. Só não entendia o que Rodrigo fazia ali.
- Boa tarde, Bia. – ele me cumprimentou.
Vaguei pela cozinha com os olhos, procurando pelo relógio. Ele estava em cima da geladeira, marcando três da tarde.
Assenti para ele.
- Vim ver se você estava bem. Dormiu tão rápido que pensei que tinha desmaiado.
- Obrigada. – agradeci, foi a única coisa que veio na cabeça para dizer.
Ele respirou fundo.
- Vou embora, - ele pronunciou – preciso descansar também. Tchau Carla. – ele se virou para minha mãe e depois andou em minha direção – Tchau Bia. – me deu um beijo na testa e saiu.
Ouvi o motor do Hilux rugir e sair pela estrada à frente. Cambaleei até a mesa e me sentei antes de cair.
- Cadê o Alex? – perguntei com uma voz acusadora.
- Ele passou na festa quando você estava dormindo. – ela respondeu olhando para o armário, procurando alguma coisa para eu comer, com certeza – E o Rodrigo falou que tinha te trazido para cá, ele pareceu não gostar, mas não reclamou. Veio te ver e depois foi embora. – ela parou quando achou uma caixa de cereais – Ele ligou duas vezes hoje de manhã e eu falei que você estava dormindo. Acho que ele está pensando que você não quer ouvi-lo.
- Deixe que pense! – respondi me levantando e deixando Carla para trás com a caixa de cereais na mão.
Saí pela porta dos fundos e andei até a garagem. Abri o grande portão, esperando ver uma gigante bagunça, mas me surpreendi, estava limpa e arrumada. Parecia que a empregada já havia passado por ali.
No fundo estava meu novo carro, reluzente e chamativo. Caminhei até lá e sentei em seu confortável banco claro, de repente veio uma enorme sensação de dirigir.
Peguei o celular e comecei a discar o número de um perfeito professor de direção. Ele atendeu sonolento.
- Alô?
- Max, é a Bia. Te acordei?
- Sim, mas não fez mais do que deveria. Já era pra eu ter levantado.
- Ah! Que bom. Quero um favor seu!
- Pode falar.
- Quero aprender a dirigir, mas não quero começar em uma escola sem saber pelo menos o básico.
- Já entendi. Quer que eu te ensine, não é?
- Isso. Você pode?
- Claro, estou indo agora mesmo.
- Obrigada.
O telefone ficou mudo e também desliguei o meu.
Ouvi minha barriga reclamar, já estava na hora de comer algo. Voltei para dentro de casa procurando pela tigela de cereais que minha mãe havia preparado e eu ignorado.
Carla estava parada na cozinha, perto do balcão. Parecia que já me esperava.
- O que você achou da festa?
Abocanhei uma colher de cereal antes de responder.
- Adorei. Foi uma festa perfeita. E mais uma vez, obrigada pelo carro. É lindo.
Ela assentiu e se retirou da cozinha. Continuei sentada comendo devagar, esperando a hora passar. Ouvi o telefone da sala tocar e os passos de Carla apareceram em direção à mesinha.
- Alô? – ela atendeu – Ah, oi Alex. – ela me olhou com uma expressão confusa – Se a Bia acordou? – sua voz saiu alta para eu ouvir, acenei com a cabeça que sim – Sim, ela acordou. Quer falar com ela? – dei com a cabeça que não – Não vai dar, liga depois. Tchau.
Saí da mesa em direção a porta da sala. Não estava com a mínima vontade de ter de explicar tudo a minha mãe. Ela me fitou incrédula e antes que eu saísse exigiu que contasse o que estava acontecendo. Tentei parecer desinteressada, mas não deu certo, ela era observadora demais.
- Explica agora mesmo, Beatriz.
Nossa! Ela me chamou de Beatriz. A última vez que ouvi isso levei uma bronca tremenda, por ter ficado com notas baixas no último boletim.
- Não é nada. – tentei mentir – Só não estou a fim de atender ao telefone, minha cabeça está doendo.
- Não! Não é o telefone que você não quer atender. – ela concluiu – O que você não quer é atender ao telefonema dele. – ela destacou a palavra.
- Não viaja, mãe.
Saí sem olhar para trás, ela não deveria ver a raiva que surgia em minha expressão.
Sentei no gramado na frente de casa. Estiquei-me no chão e comecei a admirar o desenho que as nuvens faziam; uma hora era um elefante, outra era um rosto.
Estava completamente entretida com as nuvens e o sol forte, quando assovios e cochichos começavam a aumentar ao meu redor. Ouvi vozes conhecidas, de vizinhos e de alguns meninos que costumavam passar naquela rua. Resolvi olhar em volta. Deparei com todos os garotos parados em frente de casa, olhando abismados para mim. Decidi verificar se não tinha esquecido as calças e vi que ainda estava de pijama, era um top com um mini short. Eu estava completamente vulgar, esticada no gramado daquele jeito.
Preparava para me levantar quando um Corsa sedan vermelho parou bem a frente dos meninos. Max saiu de dentro do carro com um olhar ameaçador, foi andando em direção deles, quando todos saíram correndo. Não era para menos, aquele tamanho do Max assustava qualquer um.
- Obrigada. – agradeci enquanto me levantava.
Ele me analisou dos pés a cabeça com um sorriso malicioso brotando por entre seus lábios.
- Me permite dizer que está linda?
- Não. – respondi com ironia.
Uma gargalhada saiu de sua garganta.
- Então ta. Você está chamativa.
Acompanhei sua risada.
- Vou me trocar. Entra? – eu o convidei.
Ele assentiu.
Entrei em casa na sua frente. Minha mãe estava na sala de TV, fora de nossa visão. Max olhava a casa com uma expressão admirada.
- Espere aqui. Já volto.
Corri para o segundo andar e entrei no meu quarto a procura de algo bom para vestir. Não havia nada, apenas roupas esportivas. Olhei bem para as roupas que havia lá, quando a saudade de usar a moda skatista bateu. Peguei uma camiseta larga, um short pouca coisa maior que o outro e um boné preto apertado com argolas na aba.
Para calçar, procurei um tênis que caísse bem com o visual que eu estava. Achei um Converse All Star de boca alta cor caramelo, calcei e desci correndo para o primeiro andar.
Max esperava pacientemente no sofá.
- Bom visual para uma primeira aula de direção. – ele comentou.
Soltei uma risada alta enquanto saía em direção ao carro. Ele me seguiu ainda com um sorriso maroto.
Andamos até a BMW, Max a admirou enquanto eu entrava. Minhas pernas tremiam no momento em que ele entrava no carro, o medo de fazer errado atrapalhava.
- Tudo bem. – falei incentivando a mim mesma.
Respirei fundo várias vezes. Max me dava às instruções enquanto eu tentava me concentrar. Pisei fundo no acelerador e o carro disparou, nós dois grudamos no banco. Parecia que estávamos voando.
- Devagar, Bia! Devagar! – Max gritava.
Pela primeira vez vi aquele grandalhão com medo. Comecei a reduzir até parar.
- Uau! Co-mo is-so cor-re. – ele pronunciou cada sílaba pausadamente.
- Acha que vou conseguir? – perguntei.
Ele me olhou ainda assustado e de olhos arregalados.
- Claro que vai. É só pisar devagar aí.
Tudo bem – pensei, outra vez tentando me incentivar.
Pisei devagar no acelerador e desta vez, o carro respondeu como eu queria. Max passou todas as instruções que eu precisava e logo eu estava dirigindo bem.
Meu celular começou a vibrar, estava preparada para atender, quando ele me restringiu:
- Não deve atender quando está dirigindo.
Assenti.
Ele olhou o identificador de chamadas e atendeu. Olhei descrente ele falando no meu celular.
- Vou colocar no viva voz para você atender. – Max me falou – Da próxima vez, você já deixa o fone de ouvido pronto para atender qualquer chamada, OK?
Ele deixou meu celular em cima do painel e no viva voz. Atendi:
- Alô?
- Bia, - reconheci a voz de Alex – pensei que não queria falar comigo.
- Não sabia que era você quem estava falando. – respondi de um jeito sombrio.
- Nossa! Tudo isso por causa de ontem?
Não, imagina! – pensei.
Estava olhando atenta para a estrada. Andar naquele carro era incompará-vel, não havia nada melhor, parecíamos voar. Nem prestava tanta atenção em minha conversa com Alex.
- Depois a gente conversa sobre isso, Alex. – respondi.
- O que o Max está fazendo aí? – agora ele parecia desconfiado.
Pensei em uma boa resposta que poderia dar a ele.
- Ele está me ensinando a dirigir. Coisa que você deveria fazer, mas não pode porque sua amiguinha pode não gostar.
- Amor! Já te expliquei isso. Ela precisava de ajuda.
- E onde ela está agora?
Tive de perguntar. Se ela não tinha onde ficar, em que lugar se encontrava agora? Espera fortemente que ela não estava na casa dele.
- Está na república da Nanda.
- Acho bom.
- Vamos passar na sua casa, Alex. – Max nos interrompeu – Já estamos perto.
- Está bem. Vou desligar. Beijos Bia.
Fiquei em silêncio, fingindo não ter ouvido.
- Te amo. – ele insistiu antes de desligar.
O telefone ficou mudo.
Voltei a me concentrar na estrada. Max parecia se divertir na BMW. Ele abaixou o vidro ao seu lado e colocou os braços para fora. Agora todos podiam ver ele dentro de um BMW Série 7, pois sem abaixar o vidro era impossível enxergar dentro do possante, ele era extremamente filmado.
- Você já está indo bem. – Max me elogiou – Quando pretende tirar a carta?
Demorei a maquinar a pergunta, eu ainda estava entusiasmada na direção.
- Terça-feira já vou atrás de uma autoescola. Amanhã eu trabalho então só terça-feira que dá.
- Entendi. Para aí no gramado da casa do Alex. – ele apontou para o gramado.
Parei aonde ele havia mandado. Alex já esperava na varanda. Desci do carro ao mesmo que Max, Alex nos olhava desconfiado. Parei a seu lado enquanto Max entrava.
- Minha mãe mandou avisar para você não assaltar a geladeira. – Alex falou para Max – Já basta o Luiz.
Ele resmungou alguma coisa que não consegui entender, mas Alex riu.
- Precisamos conversar. – ele virou-se para mim – Vamos lá no meu quarto.
Estava completamente brava com ele, mas ainda sim meu coração palpitava quando ele me abraçava.
Subi para seu quarto ainda sem pronunciar nenhuma palavra. Ele segurava forte a minha mão e soltou para fechar a porta. Eu estava pronta para levar uma bronca aos berros ou um aperto nos braços, pois era assim que sempre acontecia quando Rodrigo e eu brigávamos. Aquela era nossa primeira briga, então me espantei quando o vi de expressão serena e amorosa.
- Já estava com saudade desse seu visual. – ele falou – O visual pelo qual me apaixonei.
- Não tinha nenhuma roupa legal, então coloquei a primeira que achei. – finalmente falei – O que você quer falar comigo?
- Sobre você estar brava comigo por ter buscado a Gisele no aeroporto.
- A é, bobo né?
- Só acho que você deveria me escutar antes de sair virando a cara para mim.
- Estou ouvindo.
Ele respirou fundo com um ar de derrota.
- Esta bem. – Alex começou – A Gisele realmente é um pouco doidinha, mas ela é somente uma amiga para mim. Não sei o que ela sente por mim, só sei que sou completamente apaixonado por você. Nada, nem ninguém pode mudar isso.
Ele se aproximou de mim e colocou a mão em minha nuca.
- Mas não é ciúme. – falei tirando a mão dele de meu pescoço – É que aquela menina é estranha, ela parece... Sei lá, mais que louca. Você não me entende.
- Não mesmo, no entanto estou desculpado?
Não consegui deixar de sorrir.
- Claro que está.
Estava apenas algum milímetro de seu rosto, seu cheiro já me encantava, até seus lábios tocarem os meus. Como sempre, delirei sentindo seu corpo tão perto do meu. Até que terminou.
- Te amo. – ele sussurrou.
- Também. – respondi.
- Também...Isso não é resposta. – ele observou.
- Te amo. – respondi melhor.
Já estávamos de bem um com o outro. Sentamos na cama e começamos a conversar quando Max bateu na porta do quarto. Alex andou até lá e abriu.
- A Gabi quer falar com você, Bia. – Max disse olhando para mim.
Ele carregava na mão um prato enorme com um pudim de leite.
- Pensei ter dito para você não assaltar a geladeira. – Alex o acusou.
- A Gabi quem me deu. – ele fez uma voz de inocente, muito bonitinho.
- O que ela quer comigo? – interrompi a conversa deles.
- Não sei. – Max respondeu de boca cheia.
Andei em direção a porta e saí deixando Alex e Max conversando. Fui até o quarto de Gabi. Hoje por milagre, ela estava sozinha, Luiz não estava lá.
Verifiquei minhas roupas, precisava ver se não tinha nada fora do lugar e me lembrei, estava com o visual que ela odiava. Com certeza ela iria pirar. Coloquei a mão na maçaneta da porta e comecei a contar... Um, dois, três... E abri a porta.
Ela pirou...
Soltou um grito tão alto que podia se ouvir nos dois próximos quarteirões. Enquanto ela gritava, eu tentava processar algo para explicar, jamais poderia dizer que não tinha nada legal para vestir, ela me crucificaria.
- Que roupa é essa? – ela perguntou depois do seu surto.
- Saudades dos velhos tempos. – foi o máximo que consegui processar.
- Como alguém pode ter saudade disso? – ela pegou minha camiseta folgada – Precisamos urgentes ir ao shopping.
- Então, o que você queria falar comigo? – tentei fazê-la esquecer.
- Não muda de assunto. – ela me acusou – Final de semana que vem, nó duas iremos ao shopping.
- Hum! – gemi.
Um dia inteiro no shopping com Gabrielli Bittencourt. Era assustador imaginar. Ela me faria de bonequinha Barbie, me vestiria e pentearia como nunca.
- Nada de “hum!”. Nós vamos, hein.
- Está bem. – cedi – Agora fala o que você queria.
- Deixa quieto, preciso pensar. Minha cabeça está fora do lugar.
- Tudo bem, tchau.
Aproveitei que ela estava nervosa e fugi do quarto.
Alex ainda conversava com Max, que abocanhava o imenso pudim. Ele me olhou com um sorriso provocante.
- O que a Bi achou do seu visu? – ele perguntou.
- Ela ficou horrorizada.
Max abocanhou o ultimo pedaço de pudim e desceu para o primeiro andar.
- Por que chamou o Max para te ensinar a dirigir?
Vi o ciúme brotar em seu rosto. De algum jeito fiquei feliz, vi que ele se importava comigo e também fiquei brava, pois ele suspeitava de mim e Max.
- Está com ciúmes? – provoquei.
- Não. – ele respondeu erguendo uma sobrancelha.
Sua expressão ficou provocante, seu rosto parecia me chamar. Senti o sangue pulsar na veia de um jeito abrasador. Ele repuxou o sorriso de lado que eu tanto amava.
- Para com isso! – falei entre dentes.
- Com o quê? – ele perguntou ainda olhando provocante para mim e seu sorriso abrindo ainda mais.
Cheguei mais perto de seu rosto.
- Seu olhar está me chamando. – respondi ainda entre dentes.
Ele soltou uma gargalhada que me fez pular.
- E como é andar naquele carrão? – ele perguntou pegando em minha mão e me conduzindo para o primeiro andar.
- É uma sensação muito boa.
Ele deu outra gargalhada. Parecia que seu humor estava ótimo naquele dia, apesar da crise de ciúmes.
Paramos no primeiro andar. Renan estava lá lendo o jornal – coisa que eu jamais vira era Renan em casa, ele sempre estava trabalhando – e Max ao seu lado ainda mordiscando as migalhas do pudim. Pude ouvir a voz de Amanda vindo da cozinha, ela cantarolava alegre, deve que estava fazendo algo bom para comer, já que cozinhava bem.
Renan me cumprimentou e eu retribuí a educação. Max se levantou, levando o prato com restos de pudim para a empregada lavar.
- Max, - Alex o chamou enquanto ele voltava para a sala – a partir de agora, eu quem vai ensinar a Bia a dirigir. Está bem?
Ele sentou em uma poltrona e assentiu, enquanto descascava um banana.
- Nossa! Para de comer seu brutamontes. – Alex reclamou roubando a banana de sua mão.
- Mano! Eu tô com fome. – Max rebateu.
- Vai comer na sua casa. – ele respondeu mordiscando a banana e abrindo um sorriso.
- Fiquem quietos, meninos. – Renan reclamou com uma voz rude.
Ele tinha a mesma voz de Alex, só que um pouco mais grave e autoritária. Mas o som era o mesmo, o jeito de usá-la era igual, até o arrepio que ela me provocava era semelhante.
Alex me apertou mais contra seu corpo e foi me levando para fora. Pude ouvir que Max se levantou e começou a nos seguir. Paramos no gramado da frente, ao lado do meu carro. Alex se recostou à porta, Max se atirou em cima do capô, enquanto eu ficava parada de frente para eles e admirando minha BMW.
- Não amasse meu carro, Max. – alertei-o.
- Está me chamando de gordo? – ele perguntou passando a mão por trás do pescoço e se esticando mais em cima do capô.
- Gordo não, mas extremamente forte.
Alex pigarreou.
- Vamos embora? – Max sugeriu.
Assenti.
- Max, vai com meu Astra, – Alex disse – eu levo a Bia no carro dela.
Max assentiu e entrou na Astra.
Abri a porta do motorista e entrei em meu carro, outra vez com as pernas tremendo. Alex sentou ao meu lado, o que me encorajou e ao mesmo tempo me deixou mais nervosa.
Tentei me lembrar de tudo o que o Max me falara hoje sobre sair com o car-ro. Foi fácil. Saí devagar, sem dar o tranco da primeira vez e andei, imaginando que eu era uma motorista profissional.
Decidi que poderia acelerar mais um pouco e sair dos 30 quilômetros por hora. Afundei o pé no acelerador e fiz com o que o ponteiro disparasse no painel. Vi pelo canto do olho, Alex se agarrar ao cinto de segurança, não consegui reprimir um sorriso.
Cheguei aos 90 quilômetros por hora sem hesitar e não percebi quando passei da entrada de casa. Pisei fundo no freio e eles responderam no mesmo instante, fazendo os pneus cantarem sem derrapar na estrada. Ótimos freios ABS.
Virei o carro e voltei rapidamente, com direção hidráulica tudo é mais fácil. Alex me olhou assustado.
- Uau! Foi muito bom isso. – ele me elogiou.
- Obrigada. – respondi rindo.
Consegui estacionar sem nenhum problema. Pelo menos meu interesse em carros servia para alguma coisa.
Desci normalmente, enquanto Alex saía com uma expressão assustada. Max e eu não conseguimos segurar uma gargalhada.
- Acho que você já pode ir embora, não é Max? – Alex falou irritado.
- É impressão minha, ou você ficou com ciúmes de eu ter passado o dia inteiro com a Bia, hein?
Alex lhe deu um soco que não pareceu incomodá-lo e fez sinal para que saísse. Ele assentiu e saiu sorrindo com malícia.
Virei-me e comecei a andar na direção de casa, ouvi Alex me seguindo com os passos tranquilos. Entrei e deparei com a mãe de Rodrigo discutindo com meu pai. Ela me olhou com uma cara de raiva e depois com uma expressão de repulsa para Alex.
- Oi Suélen. – eu a cumprimentei.
Ela assentiu para mim e se virou para meu pai.
- Depois continuamos esta conversa, Paulo Ricardo. – ela falou com uma voz autoritária.
Estranhei ela falar daquele jeito. Normalmente, Suélen era uma mulher fina e educada, bem vestida e bela, não era natural aquela atitude.
Fitei suas costas enquanto ela saía pela porta e seguia andando em direção ao Corolla que eu não havia reparado no jardim da frente.
- O que a Suélen queria? – perguntei voltando para meu pai.
- Falou que Rodrigo está em depressão e que a culpa é minha.
- Mentira, - Alex acusou – ontem não foi ele quem veio na festa e carregou a Bia até o quarto? Como já está em depressão?
- Foi o que eu disse. – respondeu meu pai, pegando um charuto e acenden-do.
Paulo saiu pela porta dos fundos – ele nunca fumava dentro de casa – e nos deixou sozinhos dentro de casa.
- O que acha de assistir a um filme? – sugeri mexendo nos DVDs.
- Qual? – ele perguntou.
- Quero um famoso, antigo e com ação. Qual é melhor?
Alex começou a me ajudar a procurar um filme legal, quando aludiu um.
- Que tal... Star Wars? É um filme super famoso, antigo e tem ação do começo ao fim.
- Pode ser. – concordei, colocando-o no aparelho.
Ficamos assistindo por um longo tempo. Estava tão absorta no filme que não percebi que dormi. Quando dei por mim, estava sonhando.
No sonho, estávamos lutando, como no filme. Eu contra Gisele e Alex contra Rodrigo. Alex e eu perdíamos, estávamos fracos. Rodrigo lutava com Alex de um jeito convencional, como uma antiga luta de espadas – no caso, arma de luz. Mas a luta entre Gisele e eu estava diferente, ela estava sombria, com um brilho diferente nos olhos. Ela pretendia me machucar. Estávamos em uma luta de laser intensa, quando ela me acertou... Acordei gritando:
- Não!!!
Alex levantou em um pulo. Sua expressão era assustada e ao mesmo tempo alertada. Ele também estava dormindo, os olhos profundos e inchados.
- O que foi Bia? – ele perguntou afagando meu cabelo.
Eu ainda tentava me lembrar o motivo de tanta inquietação, me lembrava do sonho, mas não da intensidade dele.
- Só um pesadelo. – respondi com a voz fraca.
Vi um sorriso de escárnio fluindo em seus lábios. Ele olhou para o relógio em seu pulso e depois se levantou abruptamente.
- Nossa! Já é quase dez horas, tenho que ir.
Levantei do sofá, esticando os músculos enrijecidos. Peguei em sua mão e comecei a andar com ele em direção ao jardim.
- Boa noite. – Alex sussurrou em meu ouvido.
Ele pegou em minha cintura e me puxou para perto de seu corpo. Senti seus lábios tocarem os meus. Coloquei uma mão em seu pescoço, de modo que acompa-nhassem seu desenho, e a outra em seu tórax, de maneira que sentisse seu coração.
Foi um beijo longo e compensador, mas logo acabou. Ele entrou no Astra e saiu com um sorriso malicioso.
Voltei para dentro, decidida a tomar banho e dormir, mas senti minha bar-riga reclamar. Fui para cozinha pensando no que ia comer, quando captei um cheiro apetitoso vindo da varanda dos fundos. Segui o cheiro.
A empregada havia preparado uma mesa de jantar do lado de fora da casa, ao ar livre – sem dúvidas ideia de minha mãe – resolvi comer com eles. O clima estava agradável para um jantar ao ar livre com a família.
- Cadê o Alex? – Carla perguntou.
Hesitei antes de responder. Ele estava perdendo aquele banquete maravilho-so.
- Foi embora, ele achou que estava muito tarde.
- Que pena. – minha mãe concluiu dando uma garfada no prato.
Juntei-me a eles com uma vontade visível.
Depois do jantar fui tomar banho em uma água morna, quase fria, com a intenção de refrescar e endurecer os músculos ainda rígidos. Saí do chuveiro e coloquei o pijama que Alex adorara. Deitei com urgência e dormi segundos depois.
Acordei bruscamente com o barulho do despertador. Olhei, por reflexo, pela janela. Estava ventando, um ar frio e arrepiante. Finalmente parecia outono.
Desci para o primeiro andar, ainda cansada, mas alegre pela rotina voltar ao normal. Pelo menos, era o que parecia.
Aquele era a única rotina que eu adorava seguir.
O café da manhã foi silencioso, somente com minha mãe – Paulo já havia saído para o serviço – até que ouvi a buzina do Astra na frente de casa. Saí em dis-parada para abrir a porta. Pensei ter visto minha mãe sorrir.
Abri a porta com a maior das expectativas, imaginando ver seu rosto lindo e divino, mas não consegui conter a surpresa.
- Nossa! O que aconteceu? – perguntei maravilhada.
- Obra da Gabi. – ele respondeu dando de ombros.
Carla apareceu atrás de nós e pude ver ela arfar. Mas não era para menos, ele estava divino. Gabi havia feito um ótimo trabalho, deixando ele mais perfeito do que já era.
Ela havia substituído o boné de sempre por um cabelo arrepiado e com luzes. A camiseta simples por uma camisa branca de botões, que revelava seus músculos e as calças variáveis por uma calça jeans escura, larga, sustentada por um cinto. Ele estava completamente primoroso.
- Uau! – minha mãe suspirou.
Alex corou.
- E... Entra, - gaguejei – só vou trocar de roupa e já desço.
Ele assentiu e entrou, enquanto eu corria para o meu quarto.
Desorganizei meu guarda-roupa por completo, procurando algo bom para vestir, algo que poderia se igualar ou chegar perto da beldade que estava Alex. Eu não poderia andar com ele parecendo uma moleca do jeito que eu estava.
Achei um vestidinho que eu adorava, xadrezado, com uma cor fosca bege, tomara que caia e que chegava até um pouco acima dos joelhos. Vesti e comecei a escovar os cabelos, tentando deixá-los liso, mas com ondas destacadas. Passei uma maquiagem leve. Peguei a bolsa e saí, tentando não parecer uma “perua”.
Desci para o primeiro andar e captei os olhos de Alex me avaliando com um certo anseio. Isso significava que eu estava adequada, eu acho.
Ele pegou em minha mão e começamos a andar até o Astra.
- Não! – questionei quando ele entrava no carro.
Ele me fitou sem entender.
- Vamos no meu carro. – respondi pegando a chave.
- Mas você não pode dirigir. – ele me alertou.
- Quem disse que vou dirigir... É você quem vai. – lhe joguei a chave.
Ele sorriu com agrado e começo a andar até a BMW.
Ela estava lá, coberta, linda e reluzente. Foi muito prazeroso entrar nela sem os tremores na perna.
Entramos no carro sem hesitar e logo Alex ligou se surpreendendo com o som baixo que o BMW fazia. Ele não correu muito, manteve o velocímetro sempre nos 60 quilômetros por hora, mas mesmo assim chegamos na escola adiantados.
Chegamos no estacionamento procurando uma vaga, não foi muito difícil, já que a maioria dos alunos ainda não havia chegado. Mas aqueles que já estavam não deixavam de reparar o carro, havia olhos curiosos por todos os lados.
- Ô carrinho chamativo, hein. – Alex resmungou.
- Só está com inveja. – falei com escárnio enquanto saía do carro.
Todos por perto nos olhavam boquiabertos. Eu tentava ao máximo não ligar e Alex fazia o possível para se esconder.
Andamos pelo estacionamento até o pátio principal de mãos dadas. Alguns olhavam para nós, enquanto outros continuavam a admirar o carro.
- Você não acha que estão nos olhando somente por causa do carro, não é? – perguntei.
- Qual outro motivo teria?
- Não sei... Talvez... Por que você está em um visual diferente e inacreditavel-mente e impossivelmente mais bonito?
Ele corou e me olhou pelo canto do olho.
- Se acha que eu estou lindo é porque não se olhou muito bem hoje.
Senti meu ego subir completamente e meu rosto enrubescer.
Agora estávamos sob o pátio principal. Izabela e Caio se encontravam em uma das mesas de madeira perto do refeitório, começamos a andar em direção a eles.
Os dois se acariciavam e brincavam, quando nos viram chegar.
- Bia! Alex! – Iza nos cumprimentou de longe.
Eles namoravam as escondidas na escola. O pai de Izabela era nervoso e ela tinha medo de apresentar Caio a ele. Então eles só tinham a escola para ficarem juntos.
- Olá Iza. Oi Caio. – cumprimentei-os.
- Oi Izabela, oi Caio – Alex os cumprimentou mais educadamente.
Sentamos de frente para eles. Iza olhavam Alex com uma expressão pasma-da.
- Puxa Alex. Você está diferente. Muito diferente.
- Confessa, ele está lindíssimo. – acrescentei.
Ela assentiu e Alex corou.
Ficamos conversando por alguns minutos, quando vimos um Mercedes conversível entrar no estacionamento. Parecia o Mercedes de Matheus.
- Hoje é o dia dos carrões aqui. – Caio sibilou.
Eu não havia me enganado. Era o carro de Matheus.
Ele desceu e veio andando em minha direção. Não percebi que logo depois Marcos desceu, acompanhado por Gisele. Ele andava ao lado dela quando chega-ram no pátio.
- Olá pessoal. – Matheus falou – Só vim perguntar para você, Bia, se vai hoje trabalhar?
- Vou sim. – respondi.
Vi que Gisele andava em direção a secretaria e Marcos a seguia.
- O que os dois estão fazendo aqui? – perguntei.
- Marcos veio te ver, - Matheus falou e Alex pigarreou – e Gisele veio pegar a matrícula...
- Como é? Matrícula? – eu o interrompi.
- É, ela vai estudar aqui.
- Era só o que me faltava. – respondi e saí andando em direção à sala de aula.
A porta da sala ainda estava fechada, então resolvi me acomodar em uma mesa próxima a sala de aula. Peguei um dos meus livros e comecei a ler, na inten-ção de esquecer o que eu acabara de ouvir.
Estava imersa em minha imaginação, quando Rodrigo se sentou ao meu lado.
- Eai, como foi andar em seu presentinho? – ele perguntou.
Olhei para ele sobressaltada, não esperava ouvir uma voz tão rouca perto de mim desta maneira.
- Hã... Foi bom. – gaguejei.
- Não parece de muito bom humor. – ele comentou debruçando-se sobre a mesa.
- É, não estou. – respondi fechando o livro com força.
- O que aconteceu?
- Nada não. Você não entenderia.
- Obrigado por acreditar em minha inteligência. – ele respondeu com ironia.
Fiz uma careta forçada.
- Sabia que não vou mais trabalhar aqui na escola? – ele continuou.
- Por quê? – sem querer fiquei decepcionada.
- Minha mãe quer que eu faça o vestibular para o segundo semestre da facul-dade daqui e não dá para mim trabalhar e estudar ao mesmo tempo. Além do mais, quero fazer o curso de educação física, por isso tenho que estar bem descansado para as aulas.
- Isso é bom. – oscilei.
- Mas também, estou sofrendo muito aqui. – ele continuou virando-se para mim.
- Sofrendo?
- Sim. Acha que é fácil ver você feliz com o Alex por aí, sabendo que poderia ser eu no lugar dele?
Abaixei a cabeça, tentando fitar o chão. Eu podia sentir a dor dele.
O sinal tocou me assustando.
Entrei para a sala em silêncio. Fui à primeira. Sentei no lugar onde Alex costumava guardar para mim e fiquei esperando os outros chegarem.
Alex entrou alguns segundos depois e se sentou ao meu lado sem falar nada. Tentei fingir não ter percebido sua presença, quando ele rompeu o silêncio entre nós.
- Foi muita criancice sua fazer aquilo.
- Estou nem aí. – respondi com indiferença.
A primeira aula foi de física, então eu teria que fazer muito esforço para conseguir entender algo.
Estava entretida na aula, quando ela entrou. A professora a apresentou para a sala, ouvi murmúrios das meninas e assovios vindo dos meninos do fundo. O rosto de Gisele corou, o que me deu vontade de voar em seu pescoço. Como podia uma garota ser tão cínica?
Ela se sentou ao lado de mim e Alex, o que me fez ficar mais irritada.
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