terça-feira, 5 de julho de 2011

Epílogo

EPÍLOGO: REVELAÇÃO



Estava nervosa. Meu corpo se agitava no banco do carro. Fazia tempo que eu não sentia o conforto daquele carro, ouvia o som do silencioso motor. O meu BMW ActiveHybrid7.
- Estão todos muito ansiosos para vê-la de novo.
Olhei desatenta para sua expressão. Ele ria com escárnio, mas sem tirar os olhos da estrada.
- Só está dizendo isso para me distrair. – respondi.
Ele suspirou.
- Agora vamos saber.
Olhei o estacionamento abarrotado. Vários olhos estavam no meu carro, a maioria eram de amigos, outros eram apenas curiosos.
- Alex, estou com medo. – gemi.
- Francamente, Bia! – ele riu enquanto saía do carro.
Abri a porta com calma. Todos olhavam atentos. Nisso que dava ficar longe da escola por dois meses.
Alex passou a mão em minha cintura e começou a me conduzir para o pátio principal. Lá estavam Iza, Caio, Nani e Nanda. Sentamos ao lado de Nani e Nanda, que pareciam estar em um papo animado.
- Que saudade, Bia. – Nani me abraçou.
Depois se seguiu a fila de abraços. Senti-me no meu próprio casamento, até que foi divertido, já que imaginei que o noivo era Alex.
O sinal da primeira aula tocou. Entramos rapidamente, já que eu estava ansiosa para retomar as aulas – o que era muito estranho.
Sentei na mesa de sempre, junto com Alex. A primeira aula foi de física com o professor Orlando, tentei prestar atenção, mas com Alex era mais fácil aprender. O professor não tinha a voz grave e encantadora de Alex.
Sempre que podia, alguém vinha me saudar por ter voltado. Transpareci o máximo de educação que pude. Às vezes Alex pigarreava, normalmente quando algum menino passava dos limites na hora de cumprimentar. Ninguém se atrevia a discutir com ele.
Saímos para o intervalo. Alex decidiu jogar futebol – o que era um milagre – e eu fui jogar voleibol junto com minhas amigas.
Eu não estava tão habilidosa com a bola. Meus músculos pareciam enrijeci-dos, meus reflexos lentos, mas todos na quadra tiveram paciência comigo, já que estava voltando naquele dia para a escola.
As outras aulas passaram rapidamente, mas ainda sim preferia as aulas particulares com Alex.
Segui pelo estacionamento até o meu carro, notei que Alex não entrou.
- Não quer carona? – perguntei.
- Não. Você precisa ir até a loja de Matheus, ele quer falar com você. E eu preciso ir para casa agora, depois passa lá?
- Claro. Até mais tarde.
Ele me deu um selinho e me deu as costas.
Acelerei o carro e saí em disparada. Até havia me esquecido de que aquele carro voava.
Fiz o caminho da escola até a loja em pouquíssimos minutos. O Mercedes de Matheus já estava lá, conversível e lindo.
Desci do carro e entrei na loja. Normalmente eu encontrava Denis no balcão em que eu costumava trabalhar, mas quem estava lá era Luana. Eu tinha perdido o emprego.
- Bia! – Matheus apareceu dos fundos da loja.
- Oi. – falei – Vim entregar minha carteira.
- Por quê? – ele pareceu surpreso.
- Não vai tirar a Luana para me colocar de volta, não é justo!
Ele passou os braços em meu ombro.
- Não vou te demitir. Meus pais têm uma academia no centro da cidade, é uma academia grande e famosa por lá, e eu gostaria que você fosse minha recepcionista lá. Topa?
Ele me pegou desprevenida. Uma promoção?
- Hã... Claro! – gaguejei.
- Ótimo. Vamos lá que eu te mostro o lugar.
- Tudo bem.
Andamos em direção ao Mercedes. Pensei em protestar e falar que iria na BMW, mas eu não sabia onde ficava a academia, então teria que ir com ele.
Sentei no banco do carona, e seguimos viagem para o centro de Barueri. O trânsito não estava intenso, então chegamos rápido.
O lugar era imenso, parecia ter vários funcionários. O movimento estava grande; muitas pessoas malhando e empregados com uniformes vermelhos escrito: Marshel’s academia se destacavam em meio aos clientes.
Reparei no grande balcão ao lado da praça de alimentação, parecia ter só um rapaz trabalhando. Era um homem muito forte, me fez lembrar Max, mas tinha a pele mais clara, os cabelos pretos arrepiados e com um uniforme preto também escrito Marshel’s academia.
- Venha! – Matheus me chamou.
Andamos até o grande balcão onde se encontrava o belo rapaz.
- Eai Diego! – Matheus o cumprimentou.
- Fala! – a gíria do rapaz parecia forte.
- Esta é Bia, sua nova colega.
Diego me analisou dos pés a cabeça e fez sinal positivo, como se aprovasse.
- Prazer. – falei.
- O prazer é todo meu! – ele respondeu ainda me olhando.
Fingi coçar o queixo, na intenção de mostrar a grande aliança de prata com o nome de Alex cravado nela. Ele não pareceu se incomodar.
- Aqui que vou trabalhar? – perguntei para Matheus.
- Se quiser. Aqui o salário é em dobro.
Minha liberdade chamando.
- Claro! – respondi automaticamente.
- Pode começar quarta-feira? Seus turnos continuarão os mesmo.
- Posso sim.
Começamos a andar pela academia, Matheus me mostrando cada ponto importante que uma recepcionista deveria saber. Depois voltamos para o Mercedes e partimos rumo a Alphaville.
Mais uma vez o tráfego estava leve, chegamos em alguns minutos à pequena loja. Minha BMW esperava no mesmo lugar em que havia deixado. Entrei com rapidez dentro do meu possante.
Saí acenando para Matheus. Corri, não, voei, em direção à casa de Alex. Minha necessidade em vê-lo era assustadora. Passei direto pela minha casa. Reparei o Toyota de Suélen estacionado no gramado de casa, mas não parei para ter certeza.
Cheguei na casa dele em um tempo recorde. O Astra estava estacionado no lugar de sempre. Desci e ele já me esperava na varanda, seu sorriso era a melhor coisa que eu poderia ver.
- Senti saudades. – ele falou quando passei pela porta.
- E eu então. – respondi abraçando-lhe.
Entrei na sala de estar. Era estranha aquela casa sem Gabi, era muito quieta. Ela tinha voltado para a Inglaterra no começo de julho, e já estávamos no final de agosto.
Amanda se encontrava na sala de jantar, cantarolando enquanto limpava as mesas e estantes. Renan ainda não chegara do serviço.
- Sabe, a Suélen vive lá em casa e eu não sei porque. – falei.
- A mãe do Rodrigo?
Assenti.
- Verdade, várias vezes encontramos ela lá.
- E agora passei e o Corolla estava lá de novo.
- Que estranho!
Estávamos sentados no sofá da sala de estar. Minhas coxas passavam em cima de suas pernas, ele acariciava minhas costas com uma mão e com a outra enrolava meu cabelo.
- Sei que já aconteceu há um tempo atrás, - falei – mas ainda sinto medo da Gisele. Tenho certeza que ela não desistiu e um dia vai voltar, só que desta vez, para se vingar.
- Ela que venha, você viu o quanto de gente te procurou e te salvou, e se ela voltar vai ter que encará-los de novo, porque estaremos sempre prontos para colocar a mão no fogo por você.
- Deste jeito me sinto uma boneca de porcelana.
- E você é. – ele sussurrou em meu ouvido – A minha boneca de porcelana.
Beijei seu pescoço e depois encostei meu rosto em seu ombro.
- Quero ir para casa. – eu disse – Quero muito saber o que a Suélen está fazendo lá.
- Tudo bem. Nos vemos amanhã. – ele respondeu triste.
- Quero que venha comigo. Ainda é cinco da tarde, não vai demorar muito.
Ele se levantou num átimo e agarrou minha cintura.
- No seu ou no meu carro?
- No meu. – respondi presunçosa – Assim, eu terei que trazer você e passare-mos mais alguns minutinhos juntos.
Andamos até o ActiveHybrid7, ele indo até a porta do carona. Estranhei, mas não protestei.
Dirigi mais devagar do que sempre, não havia algo tão grande que me atraía como Alex, então a minha pressa era menor.
Cheguei e o Corolla continuava estacionado lá, mas agora com um Fusion preto ao lado. Era o mesmo Fusion de Rodrigo.
- Ótimo, a família inteira está aqui. – Alex murmurou.
Senti algo ruim aspirando no ar. Apertei forte a mão de Alex e respirei fundo duas vezes antes de entrar.
Carla se encontrava na sala conversando com Rodrigo. Não estavam exata-mente conversando, apenas sentados ao lado um do outro, assistindo ao noticiário.
- Oi, Rodrigo. – falei calorosamente.
Ele olhou para mim com uma expressão suplicante. De começo não entendi, mas logo percebi que ele estava sofrendo.
Suélen surgiu no corredor ao lado de meu pai. Os dois discutiam, mas pararam no instante em que me viram.
Tomei fôlego antes de desabafar tudo.
- Suélen, quero saber que diabos você faz tanto aqui? – não fiz questão de nenhuma educação.
- Quer mesmo saber? – ela perguntou olhando para mim, e depois fuzilou Alex com os olhos.
- Se estou perguntando. – eu parecia à mesma Beatriz de dois anos atrás, birrenta.
- Também quero saber. – minha mãe falou se levantando.
Meu pai fuzilou Suélen com os olhos.
- Tudo bem. Vim aqui porque não aguento mais ver Rodrigo suspirando pelos cantos. Desde quando você terminou com ele para ficar com este suburbano minha vida virou um inferno.
- E o que posso fazer? Por que vem atrás de meu pai? Ele não tem nada a vê com isso.
- Ah! Tem sim.
Paulo pigarreou.
- Fizemos um acordo. – Suélen continuou, ignorando o pigarro de meu pai – Quando você entrou para a família concordamos que você e Rodrigo se casariam.
- Aphf! Isso é coisa de antigos.
- É um acordo que Paulo Ricardo propôs para ficar mais perto de Rodrigo.
- Chega, Suélen! – meu pai falou puxando seu braço.
- Deixa-a terminar, Paulo. – minha mãe ordenou.
Rodrigo se levantou para se juntar à conversa. Alex soltou a minha mão e se sentou na poltrona mais distante da discussão.
Suélen continuou:
- Vou falar tudo, Paulo Ricardo. Combinamos de que eu não iria embora com Rodrigo se Paulo ficasse mais perto dele. E o único jeito era perto de Beatriz, assim o acordo de se casarem surgiu.
- Mas por que Paulo precisava tanto ficar perto de Rodrigo? – Carla roubou as palavras de minha boca.
- Porque Rodrigo é filho dele.
A boca de minha mãe escancarou, e eu demorei a processar o que acabara de ouvir.
- Espere aí. – Carla falou – Quantos anos Rodrigo tem?
- Vinte. – foi o próprio quem respondeu.
- Estamos casados a vinte e três. Paulo Ricardo, você me traiu?
- Foi só uma aventura. – ele tentou se desculpar.
Enquanto eles discutiam, eu sentei na poltrona mais próxima a mim. Aquilo não fazia sentido para mim. Rodrigo filho de meu pai?
- Ei! – gritei.
Todos se viraram para mim.
A expressão de Rodrigo era confusa; de Carla era magoada; Suélen era despreocupada e Paulo estava desesperado.
- Vocês dois queriam que eu me casasse com meu irmão?
De repente minha mãe ficou pálida; meu pai igualmente, e o sorriso da mãe de Rodrigo era triunfante.
Ninguém falou nada, então insisti:
- Alguém me explica isso!
Suélen foi quem falou:
- Bia, já reparou que sua mãe é loira, seu pai tem cabelos pretos e você tem cabelos caramelos? Seus pais têm a pele branca e a sua é mesclada? Você é mais alta do que Paulo e Carla? Que seus olhos são castanho médio, enquanto os de sua mãe são azuis e os de Paulo são pretos?
Já! Eu já tinha reparado isso, mas nunca me importei.
- E daí? – provoquei.
- Normalmente os filhos se parecem com os pais.
Não poderia ser! Aquela mulher estava ficando louca. Não fazia sentido.
Vi quando minha mãe grudou no pescoço de Suélen, mas Rodrigo separou.
Minha cabeça ainda girava.
- Especifica! – eu exigi entre os dentes.
Suélen arrumou os cabelos que minha mãe desordenou.
- Eu respondo! – minha mãe falou.
Virei o rosto para ela.
- Você é adotada, Bia. Eu ia te falar, mas me apeguei tanto...
Não consegui ouvir mais.
Senti que meu chão desabou. Como assim, eu era adotada? Carla e Paulo Ricardo Vasconsellos não eram meus pais? Meu nome não era Beatriz Luiz Vasconsellos? Meu sangue não era Vasconsellos?
Olhei para Alex na poltrona mais distante. A expressão dele também era de choque. O que não me ajudou.
Os outros continuavam discutindo. Carla chorava sem parar, Paulo não estava muito diferente.
Varri a sala com os olhos e encontrei meu skate encostado na parede. Ele parecia me chamar. Era o único jeito de esquecer meus problemas.
Andei lentamente até o skate e o peguei. Saí pela porta da frente, sem nenhum rumo. Ignorei minha BMW ao passar por ela, apenas deslizei com o skate pela estrada desconhecida.
Não sabia que horas eram, só notei que o sol se colocava no horizonte, formando um belo crepúsculo. Seria um dia bonito, se eu não fosse tão enxerida.
Por que eu estava me chamando de enxerida? Aquela era a história da minha vida, eu apenas quis saber da verdade.
Percebi que um carro me seguia. Não parei para olhar, só continuei deslizando pela estrada deserta.
Meu corpo estava desligado da mente. Não poderia ser verdade o que eu acabara de ouvir. Era só uma pegadinha, as câmeras deviam estar escondidas. Mas a minha mãe, quer dizer, Carla, não parecia brincar. Seu desespero estava explicito.
Já não sabia quem eu era. Qual era a minha história. Quem eram meus pais de verdade. Eu era uma desconhecida.
Avistei um belo lugar. Parecia uma represa rodeada por grama. Decidi parar, já estava andando há algum tempo e o cansaço me tomava.
Larguei o skate no meio da estrada e sentei na beirada da grama que chegava na represa. Lá, o crepúsculo era mais lindo. Um vento soprou arrepiando meus braços expostos e minhas pernas descobertas por conta do short pequeno. Passei os braços pelas pernas, tentando me esquentar.
Alguém apareceu atrás de mim. Meu extinto mandava olhar, mas meus membros estavam tão lentos que não se moveram. A pessoa me atirou uma blusa rosa que eu conhecia. Passei a blusa nas pernas.
Ele se sentou ao meu lado e passou os braços em minhas costas.
- Você vai superar isso. – Alex falou.
- Como? – notei que eu chorava.
Abracei-o tentando cobrir a dor em meu peito.
- Superaremos tudo isso. – ele reformulou a frase.
- Como? – insisti – Não sei mais quem eu sou. Não conheço ninguém. Só você que eu tenho certeza que é meu... Pelo menos por agora.
- Sempre serei seu. E como enfrentaremos não sei, mas se estivermos juntos tudo será banal.
- Minha vida desabou, Alex! – eu chorava cada vez mais.
- Tudo tem seus obstáculos, Bia. E iremos enfrentar... Juntos!
Levantei o rosto para encontrar seus olhos.
- Juntos? – meu choro se atenuava.
- Para sempre.
Ele levantou meu queixo e tocou meus lábios freneticamente. Naquele instante nada mais me importava. Como ele disse, se estivermos juntos os proble-mas seriam banais.
- Te amo. – ele sussurrou em meu ouvido.
Eu sabia que aquilo ainda não tinha acabado. Uma hora teria de voltar para casa e entender tudo aquilo. A psicopata voltaria para se vingar de mim, de Alex e de todos que atrapalharam seus planos. Mas eu estaria pronta. Desde de que ele estivesse comigo.
- Te amo. – repeti.

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