terça-feira, 5 de julho de 2011

Capítulo 1


1- MUDANÇA DE ROTINA


            Sempre fui muito mimada pelos meus pais. Tenho de tudo. Mas nunca me senti tão incompleta como me sinto hoje.
            Meu nome, Beatriz Luiza Vasconsellos, mas prefiro Bia ou Beatriz Vasconsellos – acho meu nome é muito grande -, tenho 16 anos. Meus pais, Carla e Paulo Ricardo Vasconsellos, me dão uma vida boa, sou de classe média alta. Estudo na Escola Secundária de Alphaville – bairro em que moro – e tenho um namorado “mega perfeito”.
            Minha casa fica á alguns metros da escola, mas sempre eu ia de carro.
            Sou aquele tipo de menina que tem amor às amigas, a sorte que todas desejavam e – sem me exibir – a beleza invejada, apesar de me achar horrível.
            Minha rotina é sempre repetitiva e vazia. De manhã na escola, à tarde com o namorado e à noite em casa sem nada para fazer. Um tédio total... Até o dia em que tudo mudou.
            E mudou de um jeito que jamais se concertará, porém não me arrependo, já que a partir daí minha vida criou sentido.
            Uma vida vazia! É assim que me descrevo. Sempre fui cobiçada pelos meninos da região, mas meu namorado também era. Eu não gostava muito dele, só que eu tinha de realizar o sonho do meu pai. Já nem acreditava mais em amor, pensava que as pessoas se casavam a negócios, entretanto foi isso que aprendi. Retirando a ideia de minha mãe, que acreditava que um dia eu me apaixonaria.
            Argh!
            Gostava de esportes radicais. Skate era minha paixão, minha mãe me chamava de moleca e meu pai de rebelde.

O relógio desperta às seis e meia da manhã, um dia nublado e frio. Era rotina eu olhar para janela assim que acordasse, para me certificar de que ele estava ali. Lá fora, meu namorado me esperava em um dos seus carros da coleção – um Hilux preto – saio com pressa para o colégio. Quando entro no carro, vejo aquele rosto caramelo lindo olhando para mim, Rodrigo Valentyne – meu namorado – é o menino mais popular e desejado do colégio, com seu corpo musculoso e perfeito. Cabelos pretos, cortado curto e arrepiado para todos os lados possíveis. Capitão do time de futebol da escola, líbero do time de vôlei e presidente do grêmio estudantil. O menino que todas desejavam.
            Ele sempre me buscava para a escola. Após as aulas me trazia de volta para casa ou eu ficava lá com ele, vendo-o treinar os meninos do futebol ou fazendo reuniões para o grêmio – um grande tédio – preferia ficar em casa. De tarde ele ia me visitar. Meu pai gostava dele, minha mãe não demonstrava tanto carinho quanto meu pai. De noite ele ia embora e no outro dia a rotina se repetia. Sempre foi assim:
            - Oi. – falei timidamente entrando no carro.
            - Olá! – ele disse apenas isso.
            Ele saiu com o carro vagarosamente, o que não era comum dele.
            Minhas amigas costumavam falar que quando víamos a pessoa que amáva-mos um arrepio subia pelo corpo e borboletas voavam dentro do estômago, mas era impressionante como isso nunca acontecia comigo quando eu olhava para Rodrigo. Era como olhar uma pessoa qualquer.
            Chegamos na escola com tempo de sobra. Ele me deu um selinho rápido e andou para a quadra de futebol. Pior que nem me acompanhou, sempre fazia isso.
            Grosso!
            Logo o sinal tocou. Entrei junto com Ariane – uma amiga minha – e nos sentamos juntas.
            A aula era de Língua Portuguesa. Não prestei muita atenção na aula, já que textos e escritas nunca eram meu forte. Eu já estava enjoada daquele “feijão-com-arroz”, nada acontecia. Teria de mudar aquilo.
            Quando saí da escola, Rodrigo me deixou em casa e voltou com a Hilux para a escola. Diz ele que era para uma reunião do grêmio. Entrei em casa pouco disposta. Estava cheia de dever de casa, mas não fiz nenhum, em vez disso peguei meu skate e saí.
            Na praça da cidade tinha vários lugares bons para fazer manobras radicais. Lá eu tinha vários amigos, entre eles: Joni e Olavo.
            - Bia! – Joni veio a meu encontro.
            Joni era de um moreno chocolate; usava calças e camisetas largas e um boné branco com aba reta e grande, sempre virado de lado. Era bonito, para quem gostava de estilos radicais. Mas o que eu estava falando? Eu não era muito diferente do estilo dele, só não usava o boné, nem as calças muito largas.
            - Oi. – falei.
            Notei que Olavo não estava lá.
            - Todo dia você vem aqui. Não enjoa? – Joni perguntou.
            - Enjoa, mas é a melhor coisa que faço no meu dia. É um saco.
            - Você é diferente. Não curte shopping, cinema...
            - Até que curto. – interrompi – Mas sozinha é chato. Minhas amigas não têm a mesma sintonia que eu. E Rodrigo... Aphf! Nem dá graça.
            Ele riu da minha colocação.
            Começamos nossa brincadeira de subir e descer rampas, porém nada me distraía. Resolvi ir embora.
            Em casa, Rodrigo me esperava. Fiquei alguns minutinhos com ele, mas logo pedi para ele ir embora para eu dormir. Foi engraçado mandar ele embora.
            Dormi tranquilamente àquela noite.

            Acordei com o barulho do despertador. Já estava atrasada! Corri na janela e estranhei ver meu namorado com o mesmo carro de ontem – a Hilux. Tomei o café da manhã apressada e corri para o carro.
            Estava preparada para a mesma rotina de sempre...
            Mas naquele dia algo aconteceu. Minha vida mudou radicalmente.
            - Olá Bia, está atrasada hoje. - disse Rodrigo em sua voz rouca.
            - Ah! Oi me desculpe, acordei tarde.
            - Tudo bem. Chegaremos para a primeira aula. – respondeu ele rindo.
Ainda estava frio quando chegamos, o sinal já havia tocado há dois minutos. Saímos do carro apressados e nos despedimos apenas com um abraço.
            Quando entrei na sala a aula ainda não havia começado. Sentei-me ao lado de Izabela, uma amiga antiga que eu adorava. As outras amigas minha, Ariane e Fernanda, também estavam próximas e como sempre, conversando sobre os meninos do futebol.
            - Eai Bia, - falou Izabela – atrasada de novo? O que anda aprontando?
            - Oi Iza, - respondi – é que acordei atrasada e hoje o Rodrigo estava com um carro mais lento.
            - Arrã! – Ela comentou com escárnio.
            A aula começou. O professor Bruno já entrou anunciando uma prova. Todos ficaram desesperados. Uma prova surpresa não era nada agradável, muito menos quando não se sabia nada do conteúdo.
            Fiquei feliz por ver que eu não era a única que não sabia o conteúdo, pois todos estavam nervosos e preparando colas improvisadas. Esperava que a sala tivesse nenhum “nerd”, se não tivesse, talvez o professor reconsiderasse a prova, já que teríamos a desculpa de ninguém ter aprendido. Mas se tivéssemos alguém inteligente, estaríamos perdidos.
            Era impressionante como eu nunca prestava atenção nos meus próprios colegas de classe. Estávamos no meio do bimestre e eu não sabia se tínhamos um “nerd”? Claro! Eu só conversava com minhas amigas, e o único colega que eu reparava fora elas era o agitador da sala, o que sempre fazia as piadinhas.
            Quando a prova iniciou, todos ainda estavam aflitos, menos um, havia um menino super concentrado na prova como se soubesse tudo.
            Ótimo! Tínhamos um C.D.F.
            - Ei! Psiu! Sabe responder isto? – perguntou Ariane, se referindo a prova.
            Parei de me lamentar para ouvir o que ela tinha a dizer.
            - Não Nani, - respondi – não sei nada. Mas parece que o outro ali sabe tudo.
            Apontei com o polegar por sobre o ombro.
            - Quem? O Alex? – perguntou.
            - É, acho que é esse o nome dele. – respondi confusa.
            - Isso não é nada novo, ele sempre foi inteligente.
            - Hum! – Foi só o que consegui responder.
            Engraçado! Nani notava ele e eu jamais o teria visto.
            - Você nunca tinha reparado ele ali? – perguntou Nani um pouco surpresa.
            - Acho que não. Deveria?
            - Sim, deveria. Ele além de inteligente é um gato!
            Olhei por sobre o ombro. Um menino alto de cabelos claros cobertos pelo boné preto. Olhos escuros e bem desenhados.
            Ele se levantou para entregar a prova já terminada e reparei o belo corpo esbelto e ao mesmo tempo musculoso, de um jeito natural, e alto. Tive que concor-dar:
            - É, ele é lindo!
            O garoto largou a prova em cima da mesa do professor; falou algo que não consegui ler em seus lábios e depois se virou, no sentido contrário a sua mesa, na minha direção. Sobressaltei e tentei desviar os olhos a tempo, mas parece que não consegui. Um sorriso saiu do canto de seus lábios. Um sorriso que me fez arrepiar, e eu não sabia o porquê.
            - Muito lindo. – Nani acrescentou.
            Fomos interrompidas pelo professor. A aula já tinha acabado e eu estava com a prova em branco.
            - Você terminou? – perguntou Iza.
            - Não. Está tudo em branco – respondi aflita – e você?
            - Também não.
            Todos entregaram a prova incompleta, menos o menino lindo e inteligente. Fiquei encarando-o tentando entender porque eu não havia visto ele antes, quando de repente ele se virou para mim. Parecia rotina dele. Ele simplesmente virou o rosto na minha direção e vi sua expressão mudar quando me viu olhando-o. Ele ficou com uma cor rubra, seu rosto virou automaticamente, mas consegui ver outra vez um sorriso torto – incrivelmente lindo – saindo de seus lábios. Também virei o rosto decidindo não encará-lo mais.
            Nas trocas de aula sempre há um intervalo de dez minutos para todos se organizar e descansar. Aproveitei este intervalo para ver Rodrigo.
            Fiquei me divertindo com minhas amigas. Jogando vôlei – coisa que fazíamos muito bem – e logo o segundo sinal tocou.
            Continuei sentada junto com Izabela, mas percebi que não conseguia tirar os olhos do garoto lindo. Eu estava encantada pela beleza dele.
            Algumas vezes o garoto parava para me olhar também e sempre encontrava meu olhar nele. Decidi não encará-lo mais. Só que meus pensamentos continuaram nele.
            Nas outras aulas foi à mesma coisa, só consegui aliviar meus pensamentos quando vi Rodrigo. Ele me levou para a casa e ficou lá comigo.
            Almoçamos juntos. Eu sem dizer uma palavra, ele me analisando com as sobrancelhas unidas.
            - Vai andar de skate na praça hoje? – ele tentou puxar assunto.
            - Não. – respondi.
            Ele me olhou confuso.
            - Por quê?
            - Não estou afim. – respondi me levantando – Por que, sou obrigada?
            - Credo Bia! Você só tem más respostas.
            Dei as costas para ele e subi ao meu quarto. Percebi que Rodrigo saiu pela porta da frente e arrancou com o carro.
            Ótimo. Já não aguentava mais ele.
            Liguei meu computador e fiquei mexendo nos meus blogs e sites de relacio-namento. Assim fiquei, até tarde da noite.
            Dormi percebendo que um sorriso grudou em meu rosto. Mas por quê? Relaxei e fechei os olhos.

            Levantei cedo naquele dia. Pude me arrumar com calma antes de correr para a janela e ver um Honda City cinza. Tomei o café da manhã e saí para o jardim.
            Chegamos vinte minutos adiantados. Mais uma vez Rodrigo saiu me deixan-do sozinha. Segui para a sala, sei que estava cedo, mas era o melhor lugar para ficar sozinha e esperar começar a aula.
            O sinal tocou e aos poucos os alunos iam entrando.
            Meu coração deu uma falhada quando o nerd lindo entrou. Ele estava com uma camisa de botões branca, uma calça jeans que combinava com a camisa e o tradicional boné.
            Coloquei a mão no peito para ver se meu coração tinha mesmo se acelerado. Estava. Meu Deus, o que era aquilo?
            Fernanda se sentou ao meu lado. Tentei me concentrar na conversa com ela, mas o rapaz no fundo da sala me chamava atenção. Hoje, ele me encarava sem disfarçar.
            Finalmente o sinal do intervalo tocou. Saí sem olhar para trás.
            Assisti ao jogo de futebol do time de Rodrigo e logo o outro sinal tocou. Meu estômago se revirou.
            Entramos para a segunda aula, a professora Lucia já estava na sala.
            - Vou passar um trabalho para vocês, hoje. - ela anunciou.
            Os alunos reclamaram e a professora rebateu:
            - Vocês estão com notas muito baixas, terão que recompensar isso. Será em duplas, mas eu irei escolher. Quero ter a certeza que farão o trabalho e não ficarão de brincadeira com seus amigos.
            Todos ficaram decepcionados com o anúncio. Ninguém queria trabalho, muito menos em dupla escolhida.
            - Vou começar a escolher. – avisou a professora – Juliana você irá com Marcos, Izabela você com Lucas, Ariane você com Aline, Beatriz...
            Eu não estava prestando muita atenção, quando ela falou meu nome. Eu ainda olhava o belo garoto no fundo da sala. Ele parecia não se incomodar com o trabalho, na verdade, ele parecia ser aquele tipo de despreocupado. Percebi que muitas garotas se interessaram em fazer o trabalho com ele, mas o menino nem se incomodou, apenas me encarou.
            Um frio me arrepiou quando percebi que a professora falara comigo. Com quem será que eu iria fazer dupla? As minhas amigas já haviam sido selecionadas, quem será?
            -...Você irá com Alex.
            Fiquei confusa. Faria trabalho com o menino que eu acabara de reparar? Como será que ele é? Chato? Malicioso? Mas o pior não foi às perguntas que surgiram na minha cabeça, a coisa mais estranha foi eu me sentir arrepiada e com um frio forasteiro na barriga. O que era isso?
            Interrompi meus pensamentos quando vi que o garoto misterioso já estava ao meu lado. Comecei a suar frio.
            - Olá! Sou Alex, seu nome é Bia não é?
            Fiquei paralisada ao ouvir sua voz linda e grave. Normalmente eu respon-deria a esta pergunta com grosseria. Eu diria: “Não ouviu a professora pronunciar meu nome, não?” Mas não consegui depois de ouvir um som tão lindo saindo de seus lábios. E antes que desmaiasse sem fôlego respondi:
            - Sim. – ouve um breve silêncio, e depois continuei – Então, como iremos fazer esse trabalho?
            Percebi que eu gaguejava.
            - Acho que podemos ir um na casa do outro. O que acha?
            - É, parece bom!
            Foi o máximo que consegui responder depois de ouvir uma voz tão linda de um jeito tão educado.
Depois de um tempo o sinal tocou e nos retiramos da sala. Fui caminhando em direção a minhas amigas, quando Alex se aproximou de mim.
Olhei para ele pelo canto do olho.
            - Você concorda em sairmos amanhã às sete horas ou você tem algum com-promisso?
Esta pergunta me alegrou. Levantei a cabeça na esperança de encontrar profundamente seus olhos pretos. Um grande desejo me gritava para dizer sim, mas a razão dizia não, respondi:
- É melhor você ir até minha casa, assim o Rodrigo não implica.
- Quem é Rodrigo? – ele perguntou unindo as sobrancelhas.
- Meu namorado.
- Claro! Você é a namorada do bonzão lá, né?
Sua voz saiu arrogante. Não entendi aquela antipatia que ele tinha com Rodrigo.
- Tem alguma encrenca com ele? – perguntei com uma voz mais alterada.
- Não exatamente. – disse ele com indiferença – Na verdade, todos os me-ninos daqui tem, né, ele é metido.
- Hum! – foi o máximo que pude responder.
- Então na sua casa que horas? – perguntou ele mudando de assunto.
- Pode ser às sete mesmo.
- Ta bom, até às sete!
Ele saiu depois de me dar um beijo no rosto, um beijo que me fez arrepiar.
Aproximei-me de Iza, Nani e Fernanda, elas me olharam sério e saímos andando juntas.
- O que foi aquilo? - perguntou Fernanda.
- O que? – rebati confusa
- “Até às sete!” – disse ela imitando a voz de Alex – E depois um beijo no rosto?
- Ata! Estávamos marcando o trabalho. – respondi naturalmente
- Sortuda! – cochichou Iza.
Olhei com indiferença para elas.
- Maliciosas! – respondi com um sorriso torto e fui de encontro com Rodrigo.

Depois de passar todas as outras aulas, fui para casa sozinha. Rodrigo tinha ficado para treinar os outros meninos para um campeonato na escola, então resolvi ir andando embora. Durante o caminho, fui refletindo sobre o trabalho que faria e a pessoa que foi escolhida para fazer dupla comigo. Alex, o menino lindo. Chacoalhei a cabeça tentando esquecer o rosto maravilhoso.
Depois de alguns minutos andando, cheguei em casa cansada. A empregada já havia feito meu almoço, comi junto com minha mãe e fui dormir. Passei o resto da tarde dormindo.

Após algumas horas, acordei com um ventinho na orelha.
- Oi dorminhoca! Vamos levantar? – disse Rodrigo depois de me acordar assoprando a minha orelha.
- Que horas são? – perguntei assustada.
- São cinco e meia da tarde. Por que, algum compromisso?
- Sim, tenho um trabalho com um colega hoje às sete.
- Ata. – disse ele, de cara fechada.
Descemos para a sala de minha casa e ficamos conversando lá por um longo tempo. Eu o ouvia falando como se estivesse prestando atenção, mas meus pensamentos estavam longes, rodando em volta do garoto belo. Foi assim por mais algumas horas, até que ficou tarde e ele teve que ir embora. Deu-me um beijo rápido e saiu.
- Boa noite, Bia, durma bem! – disse ele antes de sair
- Claro! Você também.
Quando ele abriu a porta deu de cara com Alex, já pronto para tocar a campainha. Ficaram se encarando por alguns instantes, até que rompi o silêncio.
- Alex!!! – falei animada.
Ele me respondeu com um lindo sorriso torto que me deixou tonta. Rodrigo me olhou feio depois saiu esbarrando em Alex.
- Entre, – disse entusiasmada, sem ligar para a situação que acabara de acontecer – temos muito a fazer.
- Claro! Licença! – disse ele educadamente
Minha mãe estava parada atrás de mim esperando para conhecer meu novo visitante.
- Alex, esta é minha mãe Carla, mãe este é meu amigo Alex. – eu os apresen-tei
- Olá senhora Vasconsellos é um prazer conhecê-la. – respondeu Alex mais educadamente do que sempre
- Oi Alex, por favor, somente Carla – disse ela rindo.
- Como quiser. – ele respondeu.
- Bom! Vamos ao trabalho. – eu interrompi.
- Vamos. – respondeu Alex – Boa noite Senh... Carla!
- Boa noite Alex. – disse minha mãe com uma piscadela maliciosa para mim.
            Subimos para o meu quarto. Espalhamos os papéis sobre a escrivaninha que havia lá, mexemos no computador e reviramos totalmente o meu quarto, tudo sempre com diversão. Era muito bom estar com ele.
Depois de pesquisarmos as coisas que precisávamos começamos a escrita, o trabalho era sobre “atos reflexos” na matéria de biologia. Fiquei impressionada com a caligrafia perfeita que ele tinha, era simplesmente linda:

Quando a luz solar atinge nossos olhos logo o fechamos pelo reflexo obtido na pupila, isto é caracterizado pelo ato reflexo. Quando fechamos nossos olhos rapidamente ou algum objeto está próximo a nossas pálpebras, o reflexo obtido é o de fechá-los, ocorrendo os atos reflexos, que se caracteriza pelo simples pestanejar”.

            Eu estava realmente encantada por aquela letra magnífica, quando fui interrompida dos meus pensamentos por sua bela voz:
            - Acho que já está muito tarde, devo ir antes que caio de sono.
            - Não, não vai – disse eufórica – temos quartos de hóspede aqui, você pode ficar!
            - Não, acabei de conhecer sua casa e vou me instalar aqui? De jeito nenhum, amanhã nos vemos na escola e eu volto de tarde ou...
            - Ou...? – insisti que ele completasse
            - Você vai lá em casa. Eu irei adorar.
            - Claro, vou sim, quero conhecer sua família.
            - Ótimo!!! – comemorou ele – Agora vamos arrumar esta bagunça.
            - Claro que não deixa aí! – mas ele já estava arrumando.
            Ajudei-o a terminar com a bagunça – coisa que Rodrigo jamais faria – e descemos para a sala em direção à porta.
            Quando chegamos à sala encontramos o meu pai, e Alex fez questão de se apresentar.
            - Senhor Vasconellos, prazer, sou Alex, um colega de sua filha.
            - Prazer Alex. – disse meu pai analisando-o – Estão estudando?
            - Sim. Acabamos de fazer um trabalho em dupla
            - Ata.
            - Bom, desculpe, mas, tenho que ir, já está tarde. – disse Alex como sempre, educado.
            - Claro Alex, boa noite! – respondeu minha mãe com delicadeza – Adorei você, volte sempre que quiser.
            - Tudo bem. – disse ele já corando. – Boa noite!
            - Boa noite! – responderam meus pais.
            Saí junto com ele, ficamos um tempo no jardim conversando, quando passou um táxi e ele o chamou. Nos despedimos e ele me deu outro beijo no rosto que me fez tremer.
            - Até amanhã Bia!
            - Arrã! – foi o que consegui dizer ainda tremendo.
            E ele se foi.
            Entrei em casa e minha mãe ainda estava na sala me esperando, com um olhar malicioso.
            - O que foi? – perguntei
            - Nada! – ela respondeu – Por que, deveria haver alguma coisa?
            - Não sei, você está me olhando estranho.
            - É que...
            - Ih, sabia, tem alguma coisa. – interrompi.
            - É que... Eu gostei do garoto. Ele é educado, bonito, simpático e parece inteligente...Melhor do que o...
            - Mãe! Não viaja ta bom? – interrompi outra vez – É apenas um colega.
            - Não falei nada. Você me interrompeu. Mas ele é melhor do que o Rodrigo. Pronto, falei!
            - Boa noite mãe. – ignorei.
            Deitei-me rapidamente e dormi logo em seguida. Tive um sonho estranho àquela noite. “Era em um lugar claro e bonito, eu estava correndo por sobre o jardim aberto, florido e cheio de árvores, mas percebi que não estava sozinha. Alex também estava lá. Ficamos conversando e rindo, como se fossemos velhos amigos. Mas de repente ficamos nos olhando em silêncio esquecendo de todo o resto, quando ele veio em minha direção e ficou a alguns centímetros do meu rosto. Seu hálito era doce e me fazia delirar. Ele se aproximou mais e me deu um beijo devagar e delicioso. Ficamos mais próximos um do outro...” E fui interrompida pelo barulho do meu despertador.
            Continuei deitada mesmo depois do despertador tocar, fiquei pensando por um tempo naquele sonho. Não fazia sentido. Eu acabara de conhecer o garoto e já estava fantasiando com ele? O que estava acontecendo comigo? O que significou aquele sonho? Levantei antes de me afundar mais nas perguntas.
            A manhã estava agradável – nem quente nem frio – corri para a janela e vi que Rodrigo não estava lá me esperando. Pensei que o motivo era o horário, pois, estava cedo. Então fui me arrumar com calma. Os minutos passaram e nada dele aparecer. Estranhei.
            - Mãe, o Rodrigo não está ai embaixo? – perguntei já nervosa.
            - Não Bia. Acho que ele não vem hoje. Ele não te avisou de nada?
            - Não! – saí correndo esperando não chegar atrasada.
            Peguei o skate, na intenção de andar um pouco mais depressa.
            Quando cheguei, à aula já havia começado há vinte minutos, então não pude entrar. Fiquei esperando até que tocasse o sinal para o intervalo da primeira para a segunda aula.
            Enquanto o sinal não tocava fiquei lendo um romance para me distrair – Crepúsculo. Estava muito concentrada na leitura quando fui interrompida, levando um grande susto.
            - Resolveu matar aula agora?
            A voz era tão grave que me fez perder a respiração por alguns segundos, e respondi antes que fizesse papel de surda.
            - Ah, não, cheguei atrasada.
            - Ata. Te assustei? – perguntou Alex educadamente
            - Não exatamente! – respondi rindo – Já deu o sinal?
            - Sim, daqui a pouco é a segunda aula.
            - Nossa! Me distraí mesmo.
            - É!
            Ele se sentou ao meu lado e começamos a conversar. Seu jeito gentil me fazia pensar: Será que todos os meninos eram iguais a Alex e só Rodrigo que era metido e grosso, ou todos eram iguais a Rodrigo e só Alex que era modesto e educado?
O sinal tocou e nós entramos. Passou todas as aulas e eu ainda não tinha visto Rodrigo. Comecei a ficar preocupada.
A aula foi tranquila, sentei com Fernanda, bem distante possível de Alex. Aquele sonho tinha me assustado, eu ainda não entendera, por isso preferi distância.
            Passou às horas e começou a ficar tarde. Passei na casa de todos os amigos de Rodrigo depois das aulas, andei de skate por vários bairros para procurá-lo, mas não o encontrei. Até que deram sete horas e fui fazer o trabalho na casa de Alex.
            Ele me esperava em frente à minha casa, sentado na varanda conversando com minha mãe. Ela realmente gostava dele, cheguei e o cumprimentei. Fomos juntos para lá.
Não ficava muito longe. Apenas alguns quarteirões. Chegamos em uma casa bonita, mas não maior do que a minha. Fomos recebidos por uma menina alta de cabelos pretos bem repicados. Vestia roupas muito refinadas e tinha um estilo muito diferente, acho que era estilo estrangeiro. Ela era bonita e muito educada também, parecia irmã dele.
            - Oi! – me disse ela – Prazer em te conhecer Bia, sou Gabrielli, mas me chame de Gabi.
            - Oi, prazer Gabi. – respondi um pouco tímida.
            - O Alex sempre fala de você.
            - Gabrielli!!! – manifestou Alex depois de corar.
            - Ta bom. Não é sempre, porque ele te conheceu ontem, mas é desde ontem. – acrescentou ela ainda rindo
            Comecei a corar também.
            - Bom, vamos ao trabalho. – disse Alex rompendo o clima de timidez entre nós.
            - Vamos. – respondi.
            - Bom trabalho para vocês! – falou Gabi educadamente
            - Obrigada. – respondi
            Fomos ao quarto dele que ficava no segundo andar. Nos divertimos e estudamos. E fiquei impressionada de como me sentia bem quando estava com ele, até mesmo com um namorado desaparecido. Com ele eu me sentia completa, embora conhecesse ele há pouco tempo.
            Depois de algumas horas Gabi apareceu no quarto e nos deu alguns lanches.
            - Eba! Valeu Gabi, te amo viu irmã. – disse Alex.
            - Ah, sei. Quer um pouco Bia? – respondeu Gabi
            - Sim, quero.
            Ficamos conversando por várias horas até que ficou tarde. Já passava das dez da noite e eu tinha que ir para a casa.
            - Nossa! – agitei – Esqueci da hora, tenho que ir.
            - Não! – exasperou Alex – Quero dizer... Fica mais um pouco?
            - Não dá, meus pais ficarão preocupados.
            - Então Tchau! – disse ele com a expressão triste.
            - Tchau Bia! – falou Gabi.
            - Tchau. – respondi sorrindo.
            Eles me levaram até a porta e como aconteceu na minha casa, encontrei os pais deles sentados na sala.
            - Mãe, pai, essa é Bia, minha amiga da escola. – ele nos apresentou.
            - Prazer Bia. – disse a mãe dele – Sou Amanda e este é Renan
            - Prazer. - respondi delicadamente.
            O pai dele não era muito bonito. Um pouco gordinho e alto demais. Mas a mãe dele era linda. Cabelos claros iguais aos de Alex. Um sorriso e olhos também parecidos. E claro, os dois muito educados.
            Despedi-me deles e saí. Alex me acompanhou e me levou até perto de minha casa. Depois nos despedimos com um abraço e ele me deu um beijo no canto do rosto, quase perto da boca. Aquele beijo me fez lembrar o sonho, e estremeci.
            - Sabe, – ele se virou e começou a falar – fiquei muito feliz por estar fazendo este trabalho com você.
            Senti minhas bochechas ficarem quentes, com certeza eu estava corando.
            - Também estou gostando de fazer trabalho com você. – pior que era verda-de, eu estava adorando aquilo.
            - Só espero que nossa amizade continue depois disso. – sua voz era melancólica.
            Abaixei a cabeça. Também queria que nossa amizade durasse. Ele me completava.
            Alex se aproximou de mim e me deu outro beijo no rosto. Depois se foi.
            Entrei em casa e Rodrigo estava sentado na sala conversando com meu pai. Ele me olhou frio e fez um gesto com a cabeça me indicando a escada. Subi e ele foi logo atrás, entramos no meu quarto e ele o trancou. Fiquei assustada e o encarei.
            - Então, como foi o dia com seu amiguinho? – perguntou ele com indiferen-ça.
            - Que conversa louca é essa agora, Rodrigo? E você me deve explicações. Onde esteve o tempo todo?
            - Você quer que eu dê explicações? Eu? – falou ele de repente gritando.
            - Baixa a voz comigo. – falei com raiva.
            Ele me olhou com os olhos vermelhos e com estupidez me jogou em cima da minha cama.
            - Me fala! O que você ficou fazendo ontem e hoje com aquele esquisito? – ele ainda gritava, apontando o dedo perto de meu rosto.
            - O Alex? Estamos fazendo um trabalho escolar... Que idiotice é essa agora? Porque não veio me buscar hoje de manhã?
            - Não me interessa o nome dele. Idiotice nada. Não vim te buscar porque achei que seu amiguinho viria.
            - Ele só tem 16 anos, não pode dirigir...
            - Se não fosse isso ele viria, né? – ele me interrompeu ainda gritando.
            - Para de gritar Rodrigo, nunca te vi assim. O que está acontecendo?
            - Está acontecendo que aquele esquisitinho está me deixando louco. Você o conheceu ontem e já o vi aqui, e agora você foi a casa dele? Acha isto normal?
            - Para quem está fazendo um trabalho sim. – respondi indiferente
            - Para quem está namorando não! Não quero ver você saindo com ele, não quero fama de chifrudo. – disse ele, agora apertando meus pulsos.
            Minha mãe interrompeu nos chamando para ir jantar e vê a situação com os olhos arregalados.
            Fomos para a cozinha, ele ainda com raiva. O clima na mesa foi pesado. Minha mãe encarando Rodrigo, ele me observando, eu o ignorando e meu pai nos olhando com cara curiosa.
            Depois do jantar todos nos levantamos e saímos da mesa, ele foi se direcionando a porta de saída só se despedindo dos meus pais. Fui atrás e antes que eu falasse alguma coisa ele se virou:
            - Não se preocupe, venho te buscar amanhã. – disse ele olhando para o chão.
            - Ta bom. – respondi indiferente.
            - Desculpa ta? – disse ele me puxando para perto. – Não sei o que foi aquilo, me exaltei demais.
            - Ta. – respondi com frieza.
            Ele desistiu e saiu só me dando um selinho rápido.
            Corri para o telefone, eu queria conversar com Nani, ou melhor, desabafar. Ela atendeu feliz:
            - Bia! Que milagre, você me ligou!
            Minha vontade era de responder: “Isso não se chama milagre, se chama telefone”.
            - Oi Nani. – respondi menos animada.
            - O que foi? Aconteceu alguma coisa? – eu só ligava para ela quando alguma coisa diferente acontecia?
            - Sim, o Rodrigo teve um surto. Quase me bateu, só por ciúmes.
            - Ciúmes de quem?
            - Do Alex.
            - Ah, fala sério Bia. Até eu ficaria com ciúmes. Vocês se conheceram há pouco tempo e já estão muito grudados.
            - Até você Nani? Argh. – Desliguei o telefone em sua cara.
            Peguei o skate e saí andando pela rua até chegar em uma pracinha. Encontrei algumas rampas e obstáculos perfeitos para manobras, fui para lá. Caí várias vezes, já que minha atenção não estava no que eu fazia e sim no que ouvira de Nani.
            Aquilo não fazia sentido, estávamos grudados daquele jeito por causa do nosso trabalho, precisávamos estar sempre juntos. Será que eles não entendiam?
            Olavo chegou na praça com o skate prata na mão. Ele tinha os cabelos castanhos raspados, o corpo esbelto e algumas tatuagens pelo corpo. Quem o visse jamais diria que era gay, mas era, tinha um namorado chamado João.
            Eu gostava dele, era muito bom ter um amigo gay. Ele sempre me entendia.
            - Olá Bia. – sua voz era um tanto grave.
            - Oi. – falei desanimada.
            Olavo parou ao meu lado e nós nos sentamos em um banco logo atrás.
            - Aconteceu alguma coisa?
            Não estava muito a fim de falar daquilo.
            - Posso te fazer uma pergunta?
            Ele assentiu.
            Respirei fundo antes de começar:
            - Se você conhecesse um rapaz, achasse ele a pessoa mais linda do mundo. Um dia vocês se aproximam por causa de um trabalho escolar. Tudo que ele faz te deixa abismada e todos começam a dizer que tudo parece mais que amizade. O que você me diz de tudo isso?
            - Se a pessoa sentir um frio a cada vez que ele toca, um delírio a cada sorriso e um desejo de vê-lo, imenso, diria que tem um amor muito grande aí.
            Ri comigo mesma
            Fiquei algumas horas lá com Olavo. Não toquei mais no assunto, até que ficou tarde e voltei para casa. Entrei sem falar com ninguém e fui me deitar.
            Naquela noite, não consegui dormir.

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