15- EU DEVERIA TER LHE DADO OUVIDOS.
Narração de Alex Bittencourt.
Voltei do jogo de futebol já era tarde. Estava indo direto para a casa da Bia. Ela deveria ter ficado cansada de fazer compras a mando de Gabi.
Encostei o Astra no jardim do casarão. Notei que a bela BMW não estava lá. Desci e andei até a porta da frente. Foi necessário tocar a campainha só uma vez para Carla atender.
Percebi que sua expressão era de decepção ao me ver.
- A Bia não está. – ela me disse.
Estranhei.
- Como é? – perguntei já entrando.
- Ela saiu às dez da manhã e até agora não voltou.
Aquilo não era normal.
- Posso ir até o quarto dela? Para ver uma coisa. – pedi.
Carla assentiu.
Corri para o segundo andar. O quarto dela estava limpo, bem arrumado. Apenas um papel estava fora do lugar. Peguei o papel do chão e percebi que era a lista que Gabrielli tinha dado a Bia.
Como ela foi ao shopping sem a lista?
Passei o olho pelo quarto e outra coisa também estava fora do lugar, um livro com uma página marcada. Abri o livro na página apontada, lá tinha um bilhete na caligrafia inconfundível de Bia:
“Esse é o último lugar em que você me procuraria se eu fugisse. Que tal experimentar o primeiro?”.
“Beatriz”.
Mas aquilo não fazia sentido. Por que ela fugiria?
Sentei em sua cama tentando reviver os fatos. Tentando encontrar um motivo para a atitude infantil de Bia.
De repente uma coisa estalou em minha cabeça.
Ontem ela havia me perguntado o que eu faria se do nada ela desaparecesse. Lembro que respondi que colocaria todas as pessoas do mundo atrás dela. Será que aquilo era um sinal? Um tipo de pista.
Reli o papel. O último lugar em que eu a procuraria era a sua própria casa. E o primeiro era uma rodoviária, ponto de táxi ou aeroporto. Tinha de ser o aeropor-to, pois era mais sensato fugir de avião do que de carro ou ônibus.
Desci apressado para o primeiro andar. Não havia ninguém na sala, então saí sem me despedir.
Cantei pneu com o carro. Tateei o banco ao meu lado em busca do celular, disquei o número de Max. Ele atendeu no segundo toque.
- Max... – falei desesperado – preciso que você venha para o aeroporto. Agora!
- Mas por quê? – ele perguntou preocupado.
- Não dá para explicar agora. Venha! Se o Luiz estiver aí traz também.
Desliguei sem ouvir sua resposta e disparei.
A casa de Max ou de Luiz – eu não sabia onde ele estava – era mais próxima ao aeroporto do que a da Bia, então eles chegariam primeiro.
Não procurei uma vaga boa estacionar, apenas parei no primeiro lugar que vi.
Corri para dentro do aeroporto, mas ele estava muito cheio. Max e Luiz me encontraram na entrada.
- O que aconteceu? – Luiz perguntou.
- A Bia desapareceu. – respondi eufórico.
- Já tentou ligar para o celular dela? – Max sugeriu.
Bem lembrado! Peguei meu celular e disquei o número que eu mais amava. Tocou várias vezes e ninguém atendeu. Tentei de novo, e desta vez uma voz masculina atendeu. De primeira achei que havia errado o número.
- Oi, quem é? – perguntei.
- Ah! Desculpe, é que achei este celular tocando aqui e atendi.
- Onde você o achou?
- No lixo do aeroporto.
- Em que parte do aeroporto? – minha voz ficou mais frenética.
- Na parte de embarque para o norte. Perto do painel.
- Espere aí, estou chegando. Não desliga.
Fiz sinal para Max e Luiz me seguirem. Corri feito louco para onde o homem havia me falado.
Embaixo do painel havia um homem falando em um celular rosado, igual ao de Bia. Resolvi conferir.
- Você que achou? – perguntei.
- Sim. Você é Alex?
- Como sabe meu nome?
- Apareceu no visor.
Ah Claro! Isso era óbvio.
Olhei para o lixo ao lado do homem. Lá estava uma câmera digital, a chave de um carro com o símbolo da marca BMW, um tocador de Mp8 e um pen drive. Tudo muito familiar para mim.
- Luiz, - pedi a meia voz – Olha se o carro da Bia ainda está lá fora.
Ele correu de volta a porta que entramos.
Andei até o balcão. Perguntei a uma moça – que trabalhava lá – se alguma Beatriz Luiza Vasconsellos havia feito checking ali. Ela revirou o computador e logo me informou:
- Sim. Houve uma Beatriz Luiza Vasconsellos que passou por aqui. Ela saiu ao meio dia no voo para Vancouver.
- Canadá? – perguntei nervoso.
Duas pessoas próximas pararam para olhar meu ataque de nervos.
Meu coração deu uma palpitada imensa. Por que ela fez isso?
Peguei meu celular com as mãos trêmulas e disquei o número de Paulo Ricardo. Contei-lhe tudo. A fuga de Bia para Vancouver, os pertences jogados no lixo e o quanto eu suspeitava que aquela viagem era falsa. Paulo disse que acionaria a polícia e que mandaria guardas até o Canadá se fosse preciso.
Agradeci ao homem que atendeu o celular de Bia e me sentei no banco ao lado.
Não fazia sentido ela fazer aquilo.
Repassei toda as nossas antigas conversas e me lembrei que ela não gostava de lugar frio. Pelo menos, não para morar. Então aquilo só podia ser falso.
Luiz voltou correndo da grande porta de vidro. Ele respirava fundo. Parecia ter corrido o estacionamento inteiro.
- O carro dela é um ActiveHybrid7?
Assenti.
- Então está ali.
Coloquei a cabeça entre as mãos. O que tinha acontecido?
Outra vez comecei a repassar nossas conversas. Naquela confusão de pensa-mentos relembrei os tempos em que ela odiava Gisele, declarava ela louca e depois mudou de opinião, passou a falar que ela não era louca, mas uma...
Baque!
A resposta veio como uma pancada!
Por que eu não acreditei no que a Bia falou? Agora eu estava aqui, sofrendo por algo que poderia ter evitado.
Gisele... Minha amiga Gisele... Aquela menina dócil... Era uma psicopata.
Voltei a pegar o celular, mas agora discando o número de alguém que poderia me ajudar. A única pessoa que me reconfortaria.
- Alô? – ela atendeu.
- Gabi. – falei chorando – Por favor, volta para o Brasil, agora.
- O que aconteceu? – ela já estava eufórica.
- A Bia! – eu chorava mais – Ela foi sequestrada!
Percebi Luiz e Max se enrijecerem ao meu lado. Gabi balbuciou no telefone.
- Estou indo. Em vinte e quatro horas estou aí.
Duvidava de ela poderia voar de Londres até São Paulo em apenas vinte e quatro horas, ela tinha que arrumar suas coisa e pegar a licença da escola, mas se ela prometeu é porque iria cumprir.
Deitei no banco em que estava sentado. Max ainda me fitava incrédulo.
- Me conta essa história direito, vai. – ele falou – Ela não tinha fugido? Como foi sequestrada agora?
Respirei fundo, com as mãos nas têmporas.
- No começo achei que ela tinha fugido, mas agora entendi. Aquela menina que eu pensava ser minha amiga é na verdade uma psicopata que quer se divertir as custas da minha namorada! Ela é doente, só que isso não vai me abalar! Eu vou encontrar a Bia, nem que isso custe a minha vida.
Luiz se sentou ao meu lado e me abraçou com força. Sempre sentimental. Às vezes eu pensava que aquele moleque era gay, mas não, ele era homem de verdade, como um homem deveria ser! Verdadeiro com seus sentimentos!
Debrucei-me mais no banco e fechei os olhos.
- Não vai embora? – Luiz perguntou
- Não. – respondi – Vou esperar a Gabi.
- Mas demora a vir da Inglaterra para cá.
- Não importa! Vou esperar. Podem ir embora vocês, eu vou ficar.
Eles se entreolharam antes de continuar.
- Não! Vamos ficar com você. – Max declarou.
- Tudo bem, mas vamos ficar fazendo turnos. Quem ficar acordado terá que assistir ao noticiário e ver notícias sobre a Bia.
Eles assentiram e se espremeram nos bancos atrás do meu.
Já estava muito escuro, deveria ser mais de dez da noite. Lembrei que minha mãe deveria estar preocupada. Peguei meu celular e passei a Luiz.
- Liga pra minha mãe e conta tudo, menos à parte da Gisele ter sequestrado a Bia. Fala que ela desapareceu.
- Não vai contar a ninguém isso? – ele perguntou já pegando meu celular.
- Claro que não! Se envolvermos a polícia ela vai se apressar no plano que pretende fazer. – tremi só com a ideia que ela poderia ter.
Ele não discutiu. Apenas ligou.
Voltei aos meus devaneios.
O que levaria Bia a cometer uma loucura daquela? Ela basicamente se entregou. Deveria ter um bom motivo por trás disso.
Percebi que meus membros estavam começando a ceder. Tentei voltar à consciência, mas uma exaustão me impedia. Logo adormeci.
Senti alguém me cutucar. Não. Cutucar, não. Chacoalhar!
- Alex, acorda! – era a voz de Luiz.
Abri os olhos para a luz forte do aeroporto. Agora estava menos movimenta-do. Então aquilo não foi um pesadelo?
- Não aguento mais ficar acordado. – ele continuou.
- Que horas são? – perguntei ainda tonto.
- Uma da manhã.
Bom! Então só faltavam vinte e uma horas.
- Tudo bem, Luiz. Pode dormir.
Me espreguicei e levantei do banco. Luiz correu para deitar.
Cambaleei até o painel. O voo de Londres se aproximava. Minha impaciência estava irreprimível. Tomei um pouco de café para acordar, porém isso não parecia funcionar.
Na televisão só passava um jogo de basquete idiota. Eu nem sabia de quem era, pois o campeonato já havia acabado.
Andei até o banheiro masculino. Olhei no espelho e me surpreendi. Estava assustador, com umas olheiras tão fundas que nem se dormisse por doze horas conseguiria tirar. Mas não me importei. Voltei aos bancos e me sentei no chão, ao lado da cabeça de Luiz. Meus olhos fixos na TV.
Estava distraído quando um noticiário começou. Uma das manchetes me chamou atenção. Esperei até que passasse a nota sobre ela.
“Uma adolescente, moradora do bairro de Alphaville, Barueri, está desapa-recida. Há relatos de sua última aparição no aeroporto mais próximo a cidade. Policias de toda capital estão a procura da garota, estão procurando até mesmo em Vancouver, Canadá”.
“Se alguém souber sobre o paradeiro de Beatriz Luiza Vasconsellos basta ir a uma delegacia. A recompensa é altíssima”.
Mostraram uma foto dela e foi só.
Mais uma vez coloquei a cabeça sobre as mãos. Senti que tinha um choro sufocado em minha garganta. Não o reprimi.
Mais uma vez dormi e fui acordado por Luiz.
- Você precisa ir para a escola. – ele falou.
- Não vou! – respondi.
- Se você não for a Gisele vai suspeitar.
Ele tinha razão. Levantei do banco e voltei para casa. Luiz e Max também voltaram para suas casas.
Fui para escola sem muito ânimo. Fiquei a uma distância imensa de Gisele. Ela chegou perto de mim uma vez, para perguntar sobre a Bia. Aquela cínica. Depois voltei ao aeroporto. Max e Luiz já me esperavam.
Era uma hora da tarde, mas eu estava exausto, não havia dormido à noite. Encostei a cabeça em um banco próximo ao portão de desembarque da Europa. Luiz estava deitado no banco em que me encostei e Max no conjunto de bancos atrás. Eles eram superamigos, sempre poderia contar com eles.
Não percebi que havia dormido – e dormido por nove horas, deveriam ter nos achado uns mendigos. Só senti que outros empurrões me acordaram. Mas desta vez a voz era agradável. A que eu queria ouvir.
- Gabi! – voei em seu pescoço.
- Me conte esta história direito. – ela pediu, sua voz não muito diferente a do telefone.
Contei-lhe tudo, com uma dor imensa no peito. Ela estremecia toda vez que eu falava em Gisele.
Luiz levantou em um pulo quando viu Gabrielli. Mas o rosto dela não se alterou quando o viu. Ainda estava extremamente pálida.
- Precisamos de um plano. – ela falou – Vamos ao lugar onde ela mora.
Todos se levantaram no mesmo instante, menos Max, – ele roncava feito porco – Luiz o acordou e saímos em direção ao meu carro.
Max e Luiz seguiram no Corsa para a casa de algum deles, enquanto eu e Gabi íamos a república de Nanda com o Astra.
Cheguei lá em um tempo recorde. Toquei a campainha várias vezes, até que Marcos atendeu – claro que seria ele, o fortão da casa, quem mais atenderia a porta no meio da madrugada?
- Desculpe incomodar, mas precisamos falar com a Gisele.
- No quarto dela. – ele respondeu ainda tonto.
Gabi e eu atravessamos a casa em alguns segundos. Marcos parecia tão zonzo de sono que nem se importou.
A porta estava trancada, então fiz questão de arrombar. O barulho fez todos acordarem. Para minha surpresa, a cama estava vazia.
- Sabe onde ela está? – perguntei tentando manter a calma.
- Não. Pensamos que ela estava dormindo. – Fernanda respondeu.
- Ela saiu ontem às dez da manhã? – Gabi perguntou por mim, vendo que minha situação não era boa.
- Às onze horas. – Marcos respondeu já alerta.
- A hora que estava marcada o voo para Vancouver. – sibilei.
- Que palhaçada é essa? – Marcos se estressou.
- A Gisele sequestrou a Bia. – respondi entre dentes.
Todos se calaram.
Minha vontade era de explodir. Eu mataria aquela louca!
- Já avisaram a polícia? – Luana perguntou.
- Não! – gritei – Se metermos a polícia ela a mata!
- Ela não é capaz disso. – Marcos falou.
- Escutem! – Gabi interrompeu – Aquela garota é uma psicopata. A Bia sempre tentou nos avisar, mas nunca acreditamos. Descobrimos da pior maneira.
- Temos que fazer alguma coisa! – foi a vez de Matheus.
- Vamos atrás dela. – Marcos gritou.
- Não! – Gabi falou desesperada – Vamos conversar com calma.
Todos assentiram e começaram a descer para a sala. Sentamos prontos para ouvir o que Gabrielli ia falar.
- Não podemos demonstrar a ela o que sabemos. – minha irmã começou – Vamos esperar ela chegar, sem demonstrar nada. Depois temos que segui-la. Uma hora ou outra ela vai até onde a Bia está.
- Mas ela vai suspeitar se a seguirmos. – Laura falou inteligentemente.
- Tem razão. – finalmente falei, com uma voz mais calma e grossa – Vamos usar pessoas que ela não conheça.
- Mas quem? – Marcos perguntou.
Revirei meu cérebro atrás de alguém. Só havia uma pessoa em quem eu nunca falara para Gisele e que Bia jamais permitira que ela conhecesse. Rodrigo!
- Rodrigo! – falei – É o ex-namorado da Bia. Gisele nunca o conheceu. E ele tem carros extremamente velozes. Pode nos ajudar.
O dia já começara a amanhecer. Pedimos que todos voltassem a dormir, enquanto Gabi e eu iríamos preparar tudo para o nosso plano.
Voei com o Astra até minha casa. Eram quatro e meia da manhã quando chegamos. Minha mãe pareceu aliviada ao me ver e surpresa ao ver Gabrielli. Corremos ao meu quarto.
- Então... – Gabi falou – Qual é o plano?
Demorei alguns segundos na resposta.
- Precisamos saber qual direção ela costuma ir. Norte, sul, leste ou oeste. Se Rodrigo concordar, pegaremos todos os carros dele e seguiremos Gisele até onde está a Bia. Mas para isso teremos que nos revisar, cada um terá que ficar com um carro a cada esquina, e quando ela passar, o que estava seguindo-a vai entrar em alguma rua qualquer, e outro carro assumi a perseguição.
- Mas não pode ser alguém que ela conheça. – Bi me lembrou.
- Tem razão. Talvez os amigos “capangas” de Rodrigo poderiam ajudar. – respirei um pouco – Eu não poderei participar desta perseguição, então irei estudar todas as rotas da cidade.
Continuei:
-Você terá que ir comprar alguns rádios de alto alcance. Assim será melhor avisar as rotas que ela está fazendo e quais os carros que terão que participar.
Neste momento, meu celular tocou:
Era Carla com notícias sobre a Bia.
- Alex, - ela falou – um rapaz esteve aqui e disse que conversou com Bia no aeroporto, antes de um homem chamado Rone aparecer. Ele falou que ela parecia assustada e saiu com este Rone e outra garota magra e de cabelos pretos e lisos. – Gisele – Parece que eles saíram em um Mercedes classe C, preto, em direção ao sul.
A informação foi de ótima utilidade.
- Obrigado Carla. – falei e desliguei.
Contei a Gabi. Ela também pareceu satisfeita com a informação.
- Mas e se Rodrigo não aceitar? – ela perguntou.
- Estaremos perdidos. Porém, eu creio nele. Vamos nos preparar para ir a casa dele. Você precisa procurar os rádios.
Corri para o banheiro. Tomei um banho extremamente quente, porém não relaxante. Meus pensamentos estavam todos em Beatriz, eu tinha medo de como e onde ela poderia estar.
Voltei ao meu quarto e vi que Gabi já não estava mais lá. Andei apenas de toalha pela casa a procura dela, mas não a encontrei.
- Procurando a Gabi, filho? – minha mãe perguntou amorosamente.
Assenti.
- Ela trocou de roupa e saiu. Disse que ia comprar algumas coisas que você pediu.
Assenti de novo e voltei ao quarto. Coloquei qualquer roupa; peguei meu notebook e todos as outras tecnologias que me ajudariam a rastrear as vias sul de Barueri. Desci para a garagem e saí com o Astra.
Dirigi até a loja onde Bia deveria trabalhar. Lá estavam Matheus e Marcos, já preparados para sair. Esperamos até Gabi chegar.
- Vamos todos no Celta. – ela entrou falando – Se formos no carro de algum de vocês ela poderá suspeitar.
- Vocês têm uma mente diabólica! – Matheus caçoou.
Nos limitamos a rir.
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