terça-feira, 5 de julho de 2011

Capítulo 13


13- PROPOSTA


O dia estava bonito do lado de fora da minha janela, mas eu não conseguia sair do quarto. Já eram três da tarde e eu ainda não tinha visto Alex. Por um lado era bom, pois ficar perto dele me dava uma sensação de segurança, uma falsa sensação de segurança; e por outro lado era ruim, pois a saudade dentro de mim era atormentadora.
O lado ruim venceu.
Pela primeira vez, desde a hora em que cheguei da casa de Joseph, saí do quarto. Desci como uma louca para o jardim e disparei com o carro.
A casa de Alex parecia vazia, apenas o Astra estava estacionado no gramado. Bati na porta algumas vezes, mas ninguém atendeu. Resolvi entrar. A casa estava mesmo vazia. Subi para o segundo andar e andei em direção ao quarto dele.
Ele estava lá, dormindo, parecendo um deus grego. Não roncava e nem falava enquanto dormia. Estava elegantemente dormindo. Ele era irresistível.
Levantei um de seus braços, sem querer acordá-lo, e me deitei ao seu lado. Logo ele iria acordar e me ver, mesmo se eu dormisse.
Ali, deitada nos seus braços, eu me sentia segura, como se nada fosse capaz de me ferir, como se meus medos fossem inúteis. Aquela sensação era viciadora. Isso era ruim.
Depois de alguns minutos, Alex deu o sinal de estar acordando. Seus olhos escuros se abriram a minha frente; seus braços se levantaram em um espreguiço; seus lábios abriram o sorriso torto de sempre e depois chegaram aos meus de um jeito calmo.
- Você não disse que não queria me ver hoje? – ele sussurrou em meu ouvido. O som de sua voz grave me fez arrepiar.
- Você sabe que eu sou viciada em ti.
Seus lábios chegaram ao meu rosto, foi descendo em um beijo até o meu pescoço e depois votaram a minha boca, agora mais urgentes e deliciosos.
- Te amo. – ele disse, pousando a mão em minha coxa.
- Cadê seus pais? – perguntei.
- Não estão. Saíram há algum tempo já.
Assenti.
Senti a mão de Alex subindo e descendo por minha perna. Seus lábios sempre estavam em contato com minha pele. De repente uma onde de desejo me inundou. Aproximei-me mais de seu corpo, coloquei a mão em suas costas.
E ele se afastou.
- Não. – ele disse com um sorriso malicioso nos olhos.
- Então, por favor, para de fazer isso comigo. – respondi entre dentes.
Ele se levantou em um salto e se espreguiçou de novo.
- Vamos sair um pouco? – ele sugeriu.
- Sim. Vamos à república da Nanda. – afirmei.
- Por que lá? – Alex perguntou desconfiado.
- Preciso pegar o meu salário com Matheus.
- Tudo bem. Vamos. – ele respondeu pegando minha mão.
Entramos no meu carro, mas quem iria dirigir era Alex. Ele não exagerava tanto no velocímetro.
Chegamos quase vinte minutos depois de sairmos da casa dele. Eu teria feito aquele percurso em um tempo recorde. Muito melhor do que ele.
- Vai descer? – perguntei.
- Só por educação...E também para espiar aquele atirado.
Revirei os olhos e saí do carro. Alex me seguiu como um belo cavalheiro.
Precisei tocar a campainha apenas uma vez para Luana abrir a porta.
- Veio ver o Marcos, Bia? – ela perguntou com um sorriso alegre.
Alex soltou um pigarro. Luana o avistou atrás de mim e recompôs a linha reta sobre a boca.
- Na verdade, vim pegar meu pagamento com Matheus.
- Então entre. – ela gesticulou.
Ouvi Alex a cumprimentar e aos outros.
Marcos estava abraçado com Gisele assistindo a televisão. Gisele hesitou quando viu Alex e depois me fuzilou com os olhos.
- Oi Alex. – ela arfou – Bia, quero falar com você. Pode subir no meu quarto?
Assenti, com o medo parado na garganta.
Ela se levantou do sofá e subiu as escadas. Eu a segui, olhando com súplica por sobre o ombro para Alex. Ele não pareceu perceber.
Entramos em seu quarto. Ouvi a porta atrás de mim bater e se fechar. Um calafrio me tomou.
- O que você fez com meu computador ontem? – ela começou.
- Nada. – respondi entre a respiração acelerada.
Ela andou até ficar de frente para mim.
- Você acha que pode me enganar? A mim? Uma psicopata? – ela disse a última palavra bem próxima ao meu ouvido.
- Não sei do que você está falando. – eu disse em meia voz.
- Sabe sim. Não se faça de tonta, Bia. Você já sabe quais são as minhas inten-ções.
- Tudo bem! Eu sei. – respondi aumentando duas oitavas a minha voz.
Não valeria mais de nada fingir que não a conhecia bem. Gisele já sabia, não tinha mais escapatória.
- Não posso conversar tudo o que quero com você, mas qualquer dia desse eu marco um encontro. OK?
Assenti.
- Me passa seu número. – ela exigiu passando o celular para mim.
Marquei meu número sem nenhum erro.
- Qualquer dia desse eu marco nosso encontro. E tenho certeza absoluta que você não irá recusar.
Outro arrepio subiu por minha espinha. Tentei ao máximo não transparecer o medo dentro de mim.
Voltei para o primeiro andar. Matheus já me esperava no pé da escada, com um envelope na mão. Agradeci e me despedi de todos. Alex fez o mesmo. Depois daquela conversa maluca, eu não queria abrir a boca.
Dirigi rápido pelo caminho longo entre a casa de Nanda e a minha casa. A névoa de medo me cobria por completo. Alex percebeu a nuvem fria que pairava sobre minha cabeça.
- Sobre o quê você e a Gisele conversaram? – ele perguntou desconfiado.
Hesitei um minuto antes de responder. Fingi procurar alguma música boa no som do carro só para poder ter mais tempo processando uma mentira.
- Ela aceitou minha solicitação de paz e propôs um dia junto comigo. – foi o máximo que pude inventar.
- Mais isso é maravilhoso! – ele disse com entusiasmo.
Fiquei pasma como uma mentira tão tola convenceu um menino tão inteli-gente.
Apenas assenti.
Logo estávamos no gramado de casa. Eu ainda não tinha conseguido me livrar do torpor que aquela conversa me dera. Alex me analisou apreensivo.
- Está mesmo tudo bem?
Recostei-me no estofado do carro. Eu tinha que me livrar daquela situação que me encontrava, ele jamais poderia suspeitar de nada.
- Está sim. Só estou com sono. Quer que eu te leve para casa?
- Não. Pode ir dormir. Vou a pé mesmo.
Concordei. Não poderia mais passar nem um minuto junto com ele.
Descemos do carro. Alex me deu um leve beijo na testa e seguiu seu caminho em direção à própria casa, enquanto eu entrava na minha.
Passei na cozinha e peguei uma pêra. Voltei para o meu quarto, troquei rapi-damente de roupa e logo me atirei na cama.
Naquela noite, não dormi bem.

O barulho do despertador me fez acordar de um sono extremamente leve. Levantei pouco disposta.
Alex já me esperava, então eu estava atrasada.
Foi ele quem dirigiu meu ActiveHybrid7, pois eu não estava tão a fim assim de dirigir.
Na escola sentei junto dele, mas foi impossível me livrar dos olhares hostis de Gisele. Nos intervalos ela falava comigo naturalmente, como se fosse uma velha amiga, – acredito que para impressionar Alex, – mas quando estávamos sozinhas, ela parecia querer me fuzilar.
Depois da escola Alex me levou para a loja de Matheus. Lá o clima foi mais fácil. Claro que eu estava sozinha, e isso não era bom para quem tentava se distrair, mas de algum jeito, Denis – meu colega de serviço – conseguia me ajudar.
- Ei, estou precisando de ajuda. – ele falou.
- Que tipo de ajuda? – perguntei tentando parecer interessada.
Ele pensou por uma fração de segundos antes de responder a minha pergun-ta.
- Estou precisando de uma opinião feminina. – ele respondeu por fim, com o rosto enrubescido.
- Pois não... – estimulei a continuar.
- Estou interessado em uma garota da minha sala, mas ela não parece me notar. Eu sei tudo sobre ela, tudo mesmo, só que ela parece nem ouvir falar meu nome. Como devo fazer para me declarar para ela? Já não aguento mais.
Pensei um pouco em sua situação. Parecia muito com uma história que eu conhecia. Que conhecia muito bem, melhor do que qualquer um, então eu poderia ajudá-lo.
- Chame a atenção dela pelo seu jeito. Seja educado, se importe com ela. Faça com que ela te note pela sua personalidade, inteligência. Isso conquista qual-quer menina.
- Será? Ah meu Deus! Ela é tão linda!
Ele continuou seu falatório sobre a garota fascinante. Até nosso expediente se encerrar.
Quando cheguei em casa vi Alex na sala de estar com meus pais. Fomos todos jantar. Depois Alex se foi e eu fui dormir.
E essa rotina pavorosa pareceu se arrastar por duas semanas. Apenas medo que eu sentia.

Estávamos sentados em cima de sua cama, conversando sobre nosso passa-do. Alex me falara de sua vida morando em Guarulhos, – um bairro não muito próximo a Barueri – como foi para ele vir morar aqui e desde quando ele me reparava.
Fiquei impressionada como era realmente verdade: Ele era apaixonado por mim desde o dia em que entrou na Escola Secundária de Alphaville.
Seus braços estavam em volta de meu corpo e sempre que podiam me puxavam para mais perto de seu peito. Eu já estava ouvindo seu coração, quando senti meu celular vibrar. O número estava restrito. Atendi:
- Alô?
- Oi Bia. – a familiar voz irritante que eu tentara de várias maneiras evitar nas últimas semanas estava ali. Gisele. – Me diz aí, seu celular está no viva voz? Sim ou não.
- Não. – foi o máximo que pude responder.
- Ótimo. Alguém está perto de você?
- Sim. – respondi. Alex me olhava curioso.
- Então dê um jeito de sair de perto desta pessoa. Daqui dois minutos te ligarei de novo. – e o telefone ficou mudo.
Tentei não deixar transparecer o pânico que passava por mim. Eu tinha de bolar uma mentira rápida para sair dali. E os minutos corriam.
- Quem era? – ele perguntou.
- Nani. – respondi automaticamente.
Ele assentiu.
- Posso usar o banheiro? – pedi.
- Claro. Já sabe onde fica. – ele me indicou com a mão.
Peguei o celular e o coloquei no bolso. Andei hesitando até o banheiro. Lá, tranquei a porta.
Dezoito segundos depois meu celular tocou.
- Está sozinha agora? – a mesma voz medíocre perguntou.
- Agora estou. O que você quer?
- Quero encontrar com você amanhã. Domingo é um ótimo dia para nos encontrarmos, o aeroporto estará cheio e difícil de nos achar e também será fácil para você inventar uma mentira e sair.
- Aeroporto? – o lugar não me caiu bem.
- Sim. É um ótimo lugar para uma adolescente rebelde fugir. Mas já vou avisando! Se alguém for com você... Ah! Não queira saber o que vai acontecer.
- E se eu não for?
- Então lamente por Marcos e principalmente por Alex.
Essa foi à frase que finalizou minha decisão.
- A que horas te encontro?
- Ótimo! – ela comemorou – No máximo até meio dia. E lembre-se, sozinha!
- Tudo bem.
- Até amanhã, Bia.
- Tchau.
Desliguei com os dedos trêmulos.
Ela disse que o aeroporto seria um bom lugar para uma adolescente rebelde fugir. Isso significava que eu não voltaria tão cedo. Talvez, não voltaria.
Tomei coragem e saí do banheiro. Ele me esperava elegantemente em cima da cama. Voltei para a mesma posição que estava, sentada a sua frente. Essa seria nossa despedida.
- Alex, - comecei – se um dia eu fugisse, qual o primeiro lugar em que me procuraria?
Ele estreitou os olhos.
- Talvez em um ponto de táxi, uma rodoviária, um aeroporto. Não sei. Por quê?
Ótimo, ele já tinha uma noção de onde me procurar.
- E o último lugar? – perguntei ignorando sua pergunta.
- Acho que na sua casa, não é?
Ele riu.
- Se eu desaparecesse, o que faria?
- Colocaria todas as pessoas do mundo atrás de você. Mas vamos parar com esta conversa.
Assenti.
Aproximei-me mais de seu corpo e lhe dei um beijo que jamais imaginaria que seria capaz de dar. Meus lábios foram frenéticos nos seus, nossos corpos estavam mais juntos do que nunca. O beijo durou vários minutos, mas logo acabou.
Eu não queria deixá-lo, mas seria necessário. Para protegê-lo. Agora eu entendia os motivos dele por ter me deixado no ano passado. Pela pessoa que ama, seriamos capazes de sacrificar tudo.
- Amanhã você vai fazer o quê? – perguntei.
- Pretendo jogar futebol com meus amigos. Importa-se?
- Não. Estava mesmo planejando passar o dia no shopping. Preciso cumprir a lista de Gabi.
Ele riu alto e voltou a me beijar.
Voltei para casa já imaginando como seria meu dia seguinte. Que bom que Alex estaria longe, sem imaginar para onde eu iria.
Quando cheguei fui direto para meu quarto. Comecei a preparar as pistas que eu tinha certeza que Alex acharia.
Primeiro fiz questão de pegar um dos meus livros que eu sempre lia, – Crepúsculo – coloquei um marca página em uma folha qualquer, e no meio enfiei um papel com minha péssima caligrafia:

Esse é o último lugar em que você me procuraria se eu fugisse. Que tal experimentar o primeiro?”.

                                                       “Beatriz”.

No chão, larguei a lista que Gabi havia deixado para mim. Eu sabia que quando ele visse aquela lista no tapete, esquecida, iria suspeitar de algo.
Dobrei um pouco a capa do livro, para ele parecer que foi usado recentemen-te. E depois fui dormir.
Na verdade não dormi. Um jorro de lágrimas caiu por meus olhos durante a noite toda. Eu não conseguia pensar que não veria mais Alex. Mas pelo menos tinha certeza que depois desta perigosa aventura, ele estaria seguro. Poderia seguir a vida sem nenhuma psicopata. Ou assim eu esperava.

Levantei cedo naquele domingo. Limpei todo o meu quarto e fiz com que minhas pistas se destacassem em meio ao rosa das paredes.
Tomei um café relaxante com meus pais. Depois corri para meu banheiro.
Relaxei em um delicioso banho de sais e coloquei minha roupa preferida. Uma camiseta pólo com uma calça jeans escura e um tênis Olímpicos.
Eram dez horas quando saí de casa. Não podia mais adiar aquilo.
O carro já não parecia mais tão rápido. A paisagem parecia se arrastar e não voar ao lado do ActiveHybrid7.
Então esse seria meu fim? Talvez eu pudesse sair viva, inteira, de um encon-tro com uma psicopata. Talvez eu só estivesse delirando, o medo me cegava tanto que eu já imaginava um trágico fim naquilo. Mas eu não conseguia me convencer daquilo. Era impossível se amigar com uma louca, que há poucas horas atrás te odiava.
O pior de tudo era que eu não veria mais Alex. Isso me perturbava. Era tão doloroso saber que eu o estava deixando. Parecia que eu tinha deixado uma parte de mim para trás. Mais uma vez, senti que algo faltava em mim. Eu estava incompleta de novo.
Fiz o possível para não chorar. Não poderia deixar que outras pessoas vis-sem o medo que passava por mim.
A estrada parecia ter ganhado mais dez quilômetros, pois dava a impressão de estar maior, mas logo eu estava no estacionamento do aeroporto.
Procurei uma boa vaga para estacionar. Teria de ser uma bem notada, que se quando eu sumisse, eles percebessem que tinha uma BMW largada no estaciona-mento do aeroporto, então seria mais fácil para eles começarem a me procurar.
Peguei minha bolsa e desci do carro, fazendo questão de deixá-lo bem trancado. Entrei no local marcado. Estava cheio – como ela tinha dito.
Andei mais para dentro da arquitetura confusa e me sentei em um dos estofados de espera. Agora era só esperar que o meu destino estava vindo.
Enquanto esperava, peguei minha câmera digital de dentro da minha bolsa. Lá estavam todas as fotos que eu havia tirado com minha família, meus amigos e principalmente com Alex.
Comecei a sentir um vazio dentro de mim. Uma dor muito forte me impedia de continuar vendo as fotos. Era a mesma dor de quando Alex foi embora, me deixando sem mais nem menos.
Estava imersa em meus pensamentos, quando alguém me cutucou. Era um homem que estava sentado ao meu lado há alguns minutos. Pelo visto eu já estava ali há muito tempo, pois era a terceira pessoa diferente que se sentava ao meu lado. Olhei para ele com curiosidade.
- Está perdida, moça? – ele perguntou educadamente.
- Não. Estou esperando alguém. – respondi. Percebi que minha voz estava sem vida, torci pelo rapaz não notar.
- Ah! É que eu te notei desde a hora que chegou e percebi que não se levan-tou daqui por nada.
Notou?
- Notou? – fiz eco dos meus pensamentos.
- Sim. Já estou a algumas horas aqui e vi você chegando. Não dei importân-cia, mas depois a vi no mesmo lugar, então pensei que estava perdida.
- Ah! Obrigada pela preocupação, mas não estou perdida.
Ele assentiu e começou a olhar o painel de embarque.
Voltei a minha nuvem de torpor. Agora já não era mais medo e nem dor que me cercavam, mas impaciência. Eu já estava ali há uma hora e ela ainda não aparecera.
Não percebi que alguém tinha parado na minha frente, apenas ouvi uma voz extremamente grave falar meu nome:
- Bia?
Olhei para cima. Era um homem alto, com músculos expostos; loiro e se não fosse pelas olheiras roxas seria bonito.
Percebi que o homem ao meu lado hesitou e começou encarar o que estava a minha frente, aparentemente ele percebera em minha expressão que eu não conhe-cia o brutamontes.
Antes que eu desse algum blefe, o rapaz a minha frente atravessou o braço no peito – fingindo coçar o queixo – e expôs a grande tatuagem no braço, escrito: Rone.
De repente me lembrei: o garoto que conversava com Gisele no Messenger tinha o pseudônimo de Rone_psy.
- Oi Rone. – respondi involuntariamente.
O homem ao meu lado voltou a olhar o painel, enquanto Rone sorria com satisfação.
Levantei para ficar cara a cara com ele, mas era impossível. Ele deveria ter uns dois metros.
- Onde ela está? – perguntei em meia voz.
Pude perceber que meu medo agora voltava.
- Está vindo. Ela pediu para eu vir na frente e me livrar de qualquer coisa que possa nos expor.
De repente ele pegou minha bolsa.
- O que está fazendo? – perguntei sussurrando.
- Vou me livrar do seu celular, GPS, chave do carro. Qualquer coisa que possa nos comprometer. – Rone respondeu também sussurrando.
Ele disfarçou e jogou todas as minhas coisas no lixo. Aquilo não foi muito inteligente. Se Alex passasse ali, iria ver aquelas coisas e com certeza chamaria a polícia para me procurar.
Rone devolveu a minha bolsa e passou o braço em volta de minha cintura. De começo não entendi, mas depois vi que ele estava me guiando para onde Gisele estava.
Ela veio andando em nossa direção com um sorriso radiante. Pude sentir que aquele seria meu fim.
- Bia! – Gisele comemorou me abraçando – Que bom que veio!
- Vim para conversar, então pode falar. – respondi asperamente.
- Tenho uma proposta para lhe fazer.
Esperei que ela continuasse.
- Você não quer que eu toque em seus preciosos amores, não é? – ela perguntou sarcástica.
Assenti.
- Bom, se você fizer o meu jogo, se brincar da minha maneira, eu deixarei o Marcos e o Alex em paz. Mas se você fizer de menina birrenta...Eles pagarão muito alto.
Ótimo. Essa era a minha ideia. Se eu me entregasse ela os deixava em paz.
- Feito. – falei.
Ela abriu um sorriso reluzente, enquanto Rone me levava para fora do aeroporto.
Saímos em outro estacionamento. Gisele nos seguia ainda comemorando vitória.
Estávamos andando, quando Rone parou ao lado de um Mercedes Classe C – não pude reconhecer o nome – preto. Era um carro tão filmado quanto o meu. Ele abriu a porta traseira para mim. Deslizei para dentro do carro e Gisele fez o mesmo. Percebi que havia outro sentado na frente, ao lado do motorista – que seria Rone.
- Bia, este é Gilson, outro amiguinho meu. – Gisele me falou.
Ele também era extremamente forte; a pele com um tom amadeirado; e tinha uma cicatriz enorme no rosto, que começava no seu olho esquerdo, atravessava o nariz e terminava no meio da bochecha. Era assustador.
- Coloca o pano nos olhos dela. – Gilson falou com uma voz de trovão.
- Bem lembrado. – Gisele elogiou.
Ela pegou uma renda no banco e começou a colocar em meus olhos. Logo eu não enxergava nada.
- Pra que isso? – perguntei exasperada.
- Para você não ver o caminho. – Gisele respondeu em meu ouvido.
Continuamos o percurso em silêncio. Apenas o zumbido baixo do motor cortava a quietude dentro do automóvel.
Imediatamente percebi o carro estacionar.
- Já chegamos? – perguntei eufórica.
- Não. – mais uma vez foi Gisele quem respondeu – Preciso ir para a repúbli-ca, senão vão perceber que nós duas desaparecemos e isso pode nos comprometer.
- Não vai me deixar sozinha aqui com esses brutamontes, não é?
Ela riu.
- Não se preocupe. Eu sou a psicopata da história. Eles não farão nada... – ouvi a porta se abrir – A menos que eu mande.
Ouvi a porta bater e o carro arrancar.
Fiquei quieta, tentando lutar contra a névoa de medo que insistia em me dominar. Esse não era o fim que eu sempre imaginei. Meu sonho de fazer faculdade, casar e principalmente ser mãe, havia terminado. Senti lágrimas rolarem por meu rosto.
Percebi que os dois homens a minha frente começavam a conversar. Esforcei-me ao máximo para ouvi-los.
- Fala sério, - parecia à voz de Gilson – essa garota é uma princesa!
Senti meus lábios se retorcerem em um bico.
- Eu que o diga. – Rone respondeu – Mas já sabe né, nada de fazer alguma coisa sem a permissão da Gi.
Essa frase me estremeceu.
- Aquela garota é uma mimada que não tem nada para fazer e fica mandando e desmandando na gente. – Gilson rebateu.
- Não! Ela é uma garota insistente, só isso.
- Espera aí! Você está apaixonado pela pivete, Rone?
De repente senti uma onda de compaixão me atingir. Ele fazia aquilo, não por amizade, mas porque era apaixonado pela Gisele. Coitado. Ele foi outra vítima do poder de sedução de uma psicopata.
- Não estou não. – Rone quase gritou.
Senti que os pneus entraram em uma estrada de terra. Provavelmente era bem longe de Barueri.
Depois do surto de gritos de Rone todos ficaram calados. Ouvi o carro se arrastar nas pedras e parar atravessado. Duas portas se abriram e bateram em coro, depois a do meu lado se abriu. Senti duas enormes mãos me puxarem e me condu-zirem para algum lugar.
Ouvi uma porta de madeira se abrir enquanto passávamos por ela. Depois outra porta se abriu e alguém desamarrou a renda de meus olhos.
No começo tudo estava embaçado, mas logo pude enxergar um minúsculo quarto. Havia uma pequena cama velha, um criado-mudo com um simples abajur, uma estante – que para meu alívio – cheia de livros. Mas nenhuma janela. Somente a porta pela qual entramos e uma outra que eu julgava ser um banheiro.
- Vou deixar você se acostumar com o lugar. – Rone falou ao meu lado.

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