terça-feira, 5 de julho de 2011

Capítulo 8

8- A ESCOLA


Chegamos em casa e meus pais esperavam aflitos na sala de estar. Eu não tinha reparado que já estava de noite. Minha mãe riu quando nos viu entrar pingando água, e meu pai olhava preocupado.
            - Onde vocês estavam? – perguntou ele.
            Fiquei calada pensando em uma resposta, quando Alex já foi dizendo:
            - Minha irmã inventou de mudar o visual da Bia e nem vimos que escureceu, por isso que chegamos tarde.
            Minha mãe continuava rindo.
            - Queremos falar com você, pai. – falei com um menor humor, Alex olhou mais sério.
            - Pode falar. – pediu Paulo Ricardo.
            Puxei Alex para o centro da sala e meu pai me seguiu com as sobrancelhas unidas. Minha mãe já havia parado de rir e agora estava séria.
            - Tira a camiseta. – ordenei para Alex.
            - Na frente da sua mãe? – ele sussurrou.
            - Esquece isso, tira logo.
            Ele virou de costas e tirou a camiseta, revelando o grande hematoma. Meu pai analisou calado e minha mãe com uma expressão assustada.
            - O que é isso Alex? Onde você fez isso? – perguntou Carla.
            Olhei para Paulo Ricardo e respondi entre dentes:
            - Naquela escola que você enfiou ele. Você sabia que aquela era uma escola de loucos? – destaquei a palavra.
            - Como assim, loucos? – perguntou meu pai.
            - Isso ai Paulo, lá era um manicômio. – respondeu Alex – Poucos sabem, na verdade, ninguém sabe, que não seja os pais dos loucos e os funcionários.
            - E como não me falaram isso quando te matriculei lá?
            - Por que você era dinheiro fácil para eles.
            - Ta bom. – interrompeu minha mãe – Mas o que isso tem a vê com seu machucado? Algum louco te bateu?
            - Antes fosse. – respondi – Isso foi um castigo. Alex estava tentando fugir e eles o pegaram, o resultado foi uma surra.
            - Não acredito. – protestou ela.
            - Veja você mesma, mãe.
            Ela se aproximou de Alex e tocou em suas costas, ouvi outra vez um grito alto e doloroso, minha mãe deu um pulo assustado.
            - Você tem que fazer alguma coisa Paulo Ricardo. – gritou ela.
            - O quê? – perguntou Paulo, ainda analisando o hematoma.
            - Sei lá, denuncia a escola, pede reembolso, qualquer coisa, mas não deixe isso barato.
            - Vou fazer tudo isso: Pedir reembolso e denunciar, mas para isso preciso ir com Alex para o Rio de Janeiro.
            - Se o Alex for eu vou junto! – protestei.
            - Bia, por favor, lá não é lugar para você... – falou Alex.
            - Eu vou. Não quero ficar longe de você.
            Ele me abraçou e beijou o alto de minha cabeça.
            - Vamos quando? – perguntei.
            - Preciso resolver algumas coisas antes. – falou meu pai – Depois de amanhã, pode ser?
            - Está bem.
            Alex vestiu a camiseta e se sentou no sofá.
            - Dói muito, Alex? – perguntou minha mãe.
            - Demais, Carla. – ele respondeu entre dentes.
            Ela estremeceu.
            - Vou ir para casa, já está tarde. – ele continuou.
            - Está chovendo muito, é perigoso. – disse Paulo – Durma aqui, o quarto de hóspede está arrumado e limpo.
            - Não, até parece. – ele negou.
            - Por favor, Alex. Não vou deixar você dirigir nesta chuva com este estado que você se encontra, nem no banco você pode encostar.
            - Fica? – implorei.
            - Tudo bem. Só hoje.
            - Ótimo. – comemorei – Vou pedir para a empregada arrumar a cama para você.
            Corri para a cozinha e fui atrás da empregada. Ela foi rapidamente pegar as roupas de cama para Alex enquanto eu o puxava para a escada.
            - Espera, Bia. – pediu ele – Tenho que ligar para meus pais, eles devem estar preocupados.
            - Está certíssimo. – disse Carla.
            Era impressionante como minha mãe o defendia. Parecia que ele era filho dela.
            Ele pegou o celular e começou a discar o número de sua casa. Pude ouvir que Gabi atendeu:
            Alô?
            - Bi, passa para a mãe.
            Ta bom.
            Ela saiu gritando por Amanda pela casa toda. Dava para ouvir seus gritos de longe. Amanda atendeu:
            Alex, onde você está?
            - Ah, desculpe mãe. Estou na casa da Bia. O pai dela não me deixa ir embora, falou que está muito perigoso para dirigir, então vou dormir aqui.
            Está bem. Juízo OK?
            - Mãe! – ele corou.
            Beijos amor.
            - Tchau mãe.
            Ele olhou para mim tentando disfarçar o que a mãe dele dissera sobre “ter juízo”. Nós dois havíamos entendido o que ela quis dizer.
            Puxei-o escada a cima e o levei até o quarto de hóspede que já estava arrumado.
            - Esse quarto é maior do que o meu e o da Gabi juntos. – ele observou.
            - É. Já pedi para a minha mãe mudar o meu quarto para cá, mas ela fala que é mais aconchegante para os visitantes ficarem aqui.
            - Seu quarto é bem maior do que o meu e você não se contenta?
            Nós rimos.
            - Você deve estar bem cansado, não é? – deduzi – Vou te deixar em paz.
            - Não, que isso.
            Ele me puxou para perto de seu peito e me abraçou. Pude sentir que nossas roupas ainda estavam molhadas.
            - Preciso arrumar umas roupas para você. – falei.
            Ele riu.
            - Onde você vai arrumar roupas para mim? Só tem seu pai de homem aqui. Só adiantando, não vou usar camisola, hein...
            Não consegui reprimir uma gargalhada.
            - Você ficaria muito lindo. – caçoei – Ou linda.
            Agora era ele que gargalhava sem parar.
            - Vou procurar alguma coisa para você. Já volto.
            Saí olhando para trás e vi que ele me reparava com um sorriso tímido. Seus olhos me analisavam da cabeça aos pés. Eu deveria ficar constrangida se seu olhar não me derretesse e me fizesse suspirar a cada canto.
            Comecei a revirar todo o closet de casa, atrás de uma roupa que caísse bem em Alex. Na verdade, qualquer roupa ficaria linda nele, pelo menos aos meus olhos, mas teria de ser uma que ele dormisse relaxado. Eu não achava nada, nenhuma roupa adequada para ele, apenas roupas femininas e roupas sociais do meu pai. Ele não usaria um vestido ou um terno para dormir.
            Havia nada naquele closet então resolvi procurar no guarda-roupa de meu pai, lá ele guardava as roupas mais velhas – de usar em casa – deveria ter alguma coisa para Alex. Revirei totalmente o guarda-roupa e tudo que vira era muito grande para o tamanho dele.
            Estava quase desistindo quando vi um conjunto de roupas masculinas para adolescentes esportistas dobrado bem no fundo de uma das gavetas. Desdobrei e analisei a roupa, ficaria um pouco grande para Alex, mas caía perfeitamente.
            Meu pai entrou no quarto e me viu analisando a roupa nova que ele tinha no fundo de sua gaveta. Fiz um sinal de pergunta para ele que deduziu na hora:
            - Hã... Essas roupas? Eram para Rodrigo, é aniversário dele daqui um mês e eu sabia que você esqueceria, então tinha comprado para você entregar a ele, mas agora não vale de nada. Empresta para o Alex dormir, deve ser confortável.
            - Ata, claro. – respondi e saí com as roupas na mão.
            Cheguei ao quarto com o conjunto emprestado, ele estava sentado na cama lendo um dos meus livros de coleção – tinha costume de colecionar sagas e best sellersHarry Potter. Coloquei as roupas em cima da cama ao seu lado e ele analisou com uma sobrancelha erguida antes de perguntar:
            - Sem querer ser indelicado, mas, onde você arrumou essas roupas? Quer dizer... Não tem ninguém dessa idade aqui.
            - Hã... – gaguejei – Eram para Rodrigo, mas eu não vou entregar para ele e foi um milagre eu ter achado. Não vai se importar, né?
            - Claro que não. – um sorriso torto saiu de seu rosto.
            - Que bom. Pode ir ao banheiro para tomar banho e se trocar.
            - Tomar banho?
            - É. Você está todo molhado. Precisa de água quente. Também vou tomar banho na minha suíte.
            - Já estou incomodando.
            - Não está não. – me estiquei para lhe dar um beijo no queixo.
            Ele foi para o banheiro no final do corredor.
            Corri para o meu quarto e comecei procurar por meu pijama. Eu tinha vários e por isso estava difícil de achar um perfeito. Não queria nenhum muito infantil e também nenhum muito extravagante. Encontrei um simples, rosa e azul. Peguei e fui para a suíte tomar banho.
            Deixei a água escorrer por meu corpo enquanto pensava: Eu queria ser como ele, ou melhor, ter sido como ele, Alex. Também queria ter ele como único na minha vida, ter me apaixonado por ele antes de qualquer um aparecer na minha vida, antes do Rodrigo. Mas eu não poderia me arrepender de ter Rodrigo em minha história, eu não me arrependia. Ele me fizera feliz nos momentos em que eu ainda era incompleta, não era justo ele sofrer daquele jeito.
            Estava completamente imersa em meus pensamentos quando meu celular tocou. Eu tinha colocado-o em cima de um armarinho próximo ao chuveiro, então foi fácil alcançá-lo.
            Atendi sem ver quem era:
            - Alô?
            - Bia! Oi. Já se esqueceu de mim?
            A voz adocicada e gentil de Marcos me surpreendeu.
            - Marcos? Claro que não esqueci. Tudo bem?
            - Mais ou menos, né. Ainda estou me conformando.
            Ele suspirou e eu não evitei fazer o mesmo. Tentei continuar a conversa:
            - Então, por que me ligou?
            - Só para ouvir a sua voz. Estou com saudade.
            - Também.
            Coloquei o celular no viva voz para desligar o chuveiro. Saí do banho e me troquei ainda conversando com ele. A conversa durou minutos.
            - Vou para o Rio de Janeiro, depois de amanhã. – falei.
            - Legal! Passar férias? – ele perguntou.
            - Hã... Não... Resolver um problema.
            - Que problema? – sua voz ficou rígida.
            - Sobre a escola em que o Alex estava.
            - Ata. – percebi seu humor mudar.
            Eu não tocara no nome de Alex desde a hora que ele ligou e deveria ter mantido assim. Ele se sentia mal ao ouvir o nome dele. Talvez ele pensasse que tudo não passou de um pesadelo e quando ouvia o nome dele, percebesse de que era real, de que ele havia voltado.
            - Tenho que desligar. – ele falou por fim.
            - Desculpa se te magoei.
            - Não. Ta tudo bem. Tenho que ir mesmo.
            - OK. Tchau.
            - Tchau.
            Ele desligou.
            Saí do meu quarto e fui correndo para ver Alex. Ele já tinha saído do banho e estava outra vez lendo Harry Potter. Lindo, perfeito deitado na cama lendo, encostando a cabeça na cabeceira. Era ótimo ver ele lindo daquele jeito.
            A roupa estava grande nele, mas ainda sim ele estava belo. Seu sorriso ao me ver me deixou tonta.
            - Você fica linda até de pijama. – ele disse.
            Corei e me sentei ao seu lado.
            - Você que ficou magnífico nessa roupa gigante. – respondi.
            Nós dois rimos.
            - É, ficou bem grande mesmo. Mas é confortável. Nem ligo que seja um presente não entregue do Rodrigo.
            - Que bom. – respondi lhe dando um beijo rápido.
            Ficamos em silêncio por alguns instantes, ele distraído com a leitura, até que ele rompeu a quietude:
            - Ei, posso te fazer uma pergunta?
            - Claro. – respondi.
            - Por que eu não estou entendendo este livro?
            Outra vez, caí em gargalhada.
            - Talvez porque você esteja lendo o terceiro livro antes do primeiro e do segundo? – a resposta saiu com um som de pergunta.
            - Mas eu já assisti aos filmes, deveria entender pelo menos um pouco.
            Saí e fui em direção à pequena escrivaninha do quarto, ele me olhava curioso. Peguei um livro e joguei em cima da cama ao lado dele, respondendo:
            - O livro é um pouco diferente do filme. Leia desde o começo que você verá.
            Minha mãe apareceu na porta com um sorriso radiante nos chamando para jantar. Alex foi super educado e aceitou. Falamos que iríamos descer em alguns minutos.
            Ele continuava lendo distraído, foi preciso arrancar o livro de sua mão para jantar. Descemos para a cozinha, meus pais já se servindo. Ele se sentou ao meu lado. O jantar foi silencioso.
            A chuva continuava forte lá fora, fazendo um som forte. Era o único barulho que se ouvia em casa, o silêncio era assustador. Meu pai estava sério fitando o vazio, minha mãe olhava para Alex e sorria sempre, Alex respondia o sorriso com o rosto corado e eu fingia não ver.
            Estava me perguntando: o que iríamos fazer quando chegássemos lá? Conversar tranquilos como amigos, pedir o reembolso sossegado e depois sermos falsos e denunciá-los? Ou chegar já acusando com a polícia atrás e pegando o dinheiro à força?
            As duas opções eram hilárias, eram para qualquer um rir. Sem perceber eu dei uma risada sozinha. Todos olharam para mim com expressões curiosas, mais uma vez, fingi não ver.
            Terminamos o jantar já tarde, eu fui imediatamente para o meu quarto, Alex foi para o dele. Ele me deu boa noite e foi dormir.
            Dormi rapidamente. O barulho da chuva me tranquilizava. Naquela noite tive um forte pesadelo: Eu estava em uma floresta escura, fria e – como lá fora – chovia, mas era uma tempestade. Minhas roupas estavam sujas e em alguns lugares rasgadas. Eu me escondia atrás de uma imensa árvore, parecia estar fugindo de alguma coisa. De repente alguém andou pela floresta e parecia se aproximar. Entrei em desespero e saí correndo de um jeito que jamais tinha feito. Corria muito e muito. Era uma pessoa atrás de mim, parecia querer me matar...Acordei desesperada, suando e muito assustada.
            Eu me sentia cansada, como se estivesse mesmo correndo. Resolvi beber um copo d’água para desacelerar o coração. Fui para a cozinha e fiquei sentada lá por um tempo tentando entender aquele sonho.
            Voltei para o quarto, mas parei na porta, eu não resistiria em ver Alex dormindo. Andei até a porta do quarto onde ele estava e abri de leve. Ele dormia sem roncar, estava lindo, perfeito, era um anjo dormindo. Meu coração acelerou muito mais do que no pesadelo.
            Continuei parada ali por um longo tempo e depois o sono me “consumiu”. Fui para o meu quarto e voltei a dormir, mas desta vez sem sonho.

            No outro dia acordei com o barulho do vento na janela, ainda estava cedo, só seis horas da manhã. Ouvi vozes vindo do primeiro andar, com certeza minha mãe e Alex. Troquei de roupa e desci para tomar café.
            Ele estava sentado ao redor da mesa da cozinha enquanto minha mãe procurava alguma coisa no armário. Seu sorriso ao me ver foi agradável, parecia que ele tinha gostado de passar a noite aqui, pelo menos parecia.
            Sentei-me ao seu lado e ele passou o braço em volta de minha cintura, senti seus lábios em minhas bochechas e ele sussurrou:
            - Preciso ir para casa.
            - Por quê? – perguntei.
            Minha mãe nem prestava atenção em nós, estava entretida com algo no armário.
            - Preciso trocar de roupas e pegar meu material escolar. – ele respondeu.
            - Eu vou com você. – falei.
            - Não precisa. Troca de roupa sossegada que depois eu venho te buscar.
            - Tudo bem.
            Ele me deu outro beijo na bochecha e se levantou.
            - Bom dia Carla. Até mais tarde.
            Ela olhou como quem tivesse sido interrompida inesperadamente.
            - Hã... Bom dia Alex. Até mais.
            Ele foi para o jardim e saiu de carro.
            Terminei o café e voltei para o meu quarto. Organizei a cama e sentei na escrivaninha ao lado, meus pensamentos fixados no pesadelo. Olhei através da janela e depois fitei o meu computador, empoeirado e esquecido. Resolvi mexer um pouco.
            Verifiquei meus e-mails e olhei a minhas redes de relacionamento.  Havia muitas coisas para mim: caixa de entrada cheia, vários recados e solicitações de amigos. Atualizei todos.
            Desliguei o computador e fui tomar banho para sair. O banho foi rápido e logo me arrumei.
            Alex já me esperava no jardim de casa, desci e corri para o carro. Entrei e vi seu belo rosto sorrindo para mim. Era encantador.
            Ficamos em silêncio durante todo o caminho, ele olhando atento na estrada molhada enquanto eu procurava algum CD para colocar no rádio. Não havia nenhuma música legal, pelo menos não para mim, apenas música erudita. Olhei incrédula para ele e perguntei:
            - Gosta de música erudita?
            Ele soltou uma leve risada antes de responder:
            - É bom. Você deveria ouvir às vezes.
            Fiz um careta de reprovação.
            - Essas músicas me dão sono.
            - Você alguma vez ouviu ou só está julgando isso porque dizem que música erudita é coisa de velho?
            Olhei para ele e fiquei em silêncio.
            - Foi o que pensei. – ele sussurrou.
            - O quê? Eu não disse nada.
            - Por isso mesmo. Você nunca ouviu de verdade e está julgando pelo o que os outros falam, não é?
            Reprimi um sorriso.
            - Exatamente. – ele mesmo respondeu.
            - Prometo um dia ouvir. – falei.
            Ele ergueu uma sobrancelha e olhou para mim.
            - Não quero que faça isso só porque eu gosto.
            - Não é por isso. Quero mesmo ouvir.
            Ele riu.
            Chegamos na escola e colocamos nossos casacos para atravessar a chuva. Andamos de mãos dadas no estacionamento até chegar no pátio. Todos estavam lá se abrigando da chuva.
Iza estava sentada em um banco com Caio, enquanto Nanda e Nani conver-savam em um banco ao lado, elas falavam sobre um novo aluno da escola então Alex e eu resolvemos não entrar no meio e fomos conversar com Caio e Iza. Eles ficaram felizes em nos ver – pelo menos era o que parecia.
- Oi pessoal. – Alex os cumprimentou.
- Olá. – Iza e Caio disseram ao mesmo tempo.
- Vocês estão em salas juntas? – perguntou Iza.
- Sim. – respondi.
- Como você conseguiu vaga? – ela perguntou para Alex – Me disseram que estava lotada.
- Eu tenho meus jeitos. – ele disse com uma piscadela para ela.
Reprimi um sorriso.
Com toda aquela gentileza e beldade qualquer um abriria uma vaga.
- Isso é injusto. – ela resmungou.
- Vamos lá na secretaria? – Alex sussurrou em meu ouvido – Precisamos pedir a licença para viajar.
- Vamos sim. – respondi – A gente já volta. – falei para Iza e Caio.
Andamos outra vez de mãos dadas pelo pátio. Todos nos olhavam, mas desta vez mais naturalmente. Rodrigo sempre estava próximo à secretaria e nos ignorou quando nos viu passar.
Alex conversou gentilmente com a secretária até o sinal tocar, ela lhe deu um papel e ele saiu me levando junto.
Entramos na sala de aula e penduramos o casaco em um dos cabides que havia lá, ele ainda com o papel na mão. Sentamos juntos. O professor entrou e começou a passar a matéria no quadro. Eu copiava sem a mínima atenção enquanto Alex olhava prestativo para a explicação.
Passei todo o período de aula reparando na chuva, às vezes, Alex me cutucava para prestar atenção na aula. Eu até conseguia, em tese, mas logo me distraía.
Estávamos sentados no fundo da sala, com a carteira próxima à janela e isso ajudava na minha distração, a chuva e o vento batiam com força sem nunca parar.
O sinal tocou para sairmos. Alex voltou à secretaria para continuar a conversa com a secretária, enquanto eu ficava com minhas amigas, agora reunida na arquibancada da quadra de futebol.
A conversa de Nanda e Nani era – como sempre – sobre os meninos do time que agora havia integrantes diferentes. Rodrigo continuava treinando-os, já que com ele o time nunca havia perdido, ele estava sentado na primeira fileira das arquibancadas analisando os jogadores. Andei por todas as arquibancadas até sentar ao seu lado. Ele me fitou com a sobrancelha erguida até que perguntei tentando puxar um assunto:
- Como você está?
- Como acha que eu estou? – ele respondeu com um tom sombrio.
Não consegui responder.
- Desculpa! – ele murmurou – Não queria que fosse assim.
- Também não.
Ele deu um sorriso irônico.
- Só digo uma única coisa para você.
- Qual? – insisti.
- Eu ainda não desisti. – ele disse entre dentes.
- Rodrigo! – minha voz saiu com um tom de súplica.
- Você não sabe o quanto eu te amo.
Suspirei.
- Desculpa ta? – pedi e me levantei.
Saí da quadra sem olhar para trás, eu me sentia péssima. Odiava a mim mesma, deveriam me prender e colocar em uma cadeira elétrica. Eu era a pior pessoa do mundo, conseguira destruir dois corações só para fazer o meu se sentir bem, eu era uma pessoa muito egoísta, nojenta.
Andei pelos corredores resmungando palavrões para mim mesma, quando fui interrompida pela voz grave e deliciosa de Alex:
- Onde você estava?
Olhando seu belo rosto, ouvindo sua graciosa voz, o sentimento de angústia e ódio a mim mesma desapareceu.
- Estava na quadra. – respondi abraçando-o.
Ele respondeu ao meu abraço mesmo sem entender.
- Me leva para o serviço?
Ele abriu um sorriso e assentiu. Fomos até o carro, ele ainda sorrindo. Alex colocou o CD de música erudita e ficou analisando minha expressão, tentei manter a aparência de quem gostava, mas a minha verdadeira vontade era de sair correndo daquele carro.
Chegamos rápido. Matheus já havia chegado, então eu deveria estar um pouco atrasada. Despedi de Alex e entrei na loja.
O Movimento era grande, mas nada cansativo. Quando a loja estava vazia Matheus veio falar comigo:
- O Marcos sente a sua falta.
- Como ele está? – perguntei.
- Muito mal. Ele não come direito, sempre de mau humor. Ele está mudado, muito diferente.
- Eu não queria fazer isso com ele, mas não posso escolher. – meus olhos se enchiam.
- Faz uma visita para ele.
- Claro. Hoje mesmo.
Ele assentiu e olhou para o relógio.
- Seu horário de serviço acabou.
Como costume também olhei para o relógio, já eram cinco horas. Retirei o uniforme e já estava quase saindo quando me lembrei de falar para ele:
- Vou viajar amanhã, será que vai atrapalhar o andamento da loja?
- Não. Eu cubro. Mas posso saber para onde?
- Rio de Janeiro.
- Hum...Que luxo. – ele deu uma piscadela.
- Antes fosse. É para resolver um problema.
- Então, boa sorte.
- Obrigada. – respondi saindo.
Alex me esperava dentro do carro, ainda chovia bastante. Entrei e ele me cumprimentou com um beijo. Antes que ele virasse o carro para sair, pedi:
- Me leva para a casa da Fernanda?
Ele me fitou dos pés a cabeça e perguntou:
- Por quê?
- Preciso falar com o Marcos.
Ele bufou e me levou.
Percebi que seu humor havia alterado, agora ele estava mais carrancudo. Com certeza por causa da minha mudança repentina de direção, ele não mostrava isso em voz, mas estava estampado em sua expressão. Não gostava de Marcos muito mais do quanto não gostava de Rodrigo, talvez porque com Rodrigo ele tinha a certeza de que a chance de voltarmos a ficar junto não existisse, mas com Marcos, a insegurança dele o cegava, o deixava atordoado.
Queria dizer para ele parar, queria lhe assegurar de que eu era apenas dele, só que as palavras não saíram. Eu não conseguia pronunciar uma só frase, não com ele sombrio daquele jeito.
Seu olhar estava fixo na estrada molhada, ainda calado e de mau humor. Tentei não olhar para seu rosto, mas era quase impossível. Fiquei olhando através do vidro a minha direita ou para frente, a única coisa que evitava era olhar para a minha esquerda, onde eu encontraria sua péssima aparência.
Chegamos a grande casa de Nanda, já havia parado de chover. Abri a porta para descer enquanto Alex ficava imóvel ao meu lado.
- Não vai descer? – perguntei.
- Não. – sua voz era fria.
- Por quê?
- Por favor, né Bia, você veio ver ele, – a palavra saiu cuspida – então não vou atrapalhar o delírio dele, e também não quero vê-lo, então não vou.
Bati a porta com força e fui em direção à porta de entrada da casa. A situação havia me deixado nervosa, eu nunca havia visto ele frio daquele jeito.
Tentei mudar o humor e toquei a campainha. Luana atendeu e me fitou por um longo instante, até que falei:
- Oi... O Marcos... Está?
- Sim! Entre. – ela fez um gesto com a mão indicando a sala.
Olhei por sobre o ombro e vi Alex me fitando ainda carrancudo e entrei. Fernanda estava andando pelo corredor com um saco de salgadinhos na mão, ela ficou feliz por me ver entrar.
- Bia! Que milagre.
- Oi Nanda. Eu vim ver o Marcos.
- Ele está lá em cima. – ela disse enchendo a boca de salgadinhos.
- Credo Nanda, você está parecendo o Leandro. – Luana a advertiu.
Ela riu.
- Pode subir. – continuou Luana.
- Ta.
Subi as escadas pensando em como conversaria com ele. Minha mente estava vaga, escura. Minhas pernas tremiam e meu coração estava acelerado.
Tudo bem, pensei, Conte até dez e abra a porta... Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Seis. Sete. Oito. Nove... Respirei fundo e coloquei a mão na maçaneta, Dez... E abri.
Ele estava deitado com os braços atrás da cabeça, fitando o teto, nem viu que eu havia entrado.
- Marcos? – falei tentando chamar sua atenção para mim.
Ele olhou subitamente e sorriu ao me ver.
- Bia!
Sua expressão era de satisfação. Ele se levantou da cama e correu me abraçar.
- Nem acredito que você está aqui. Como está?
- Estou bem. – respondi abraçando-o.
Seu abraço me sufocava, empurrei-o antes de morrer asfixiada.
- Você vai mesmo viajar?
- Vou. Tenho que resolver os problemas lá.
Ele ficou com a cara mais fechada e olhou pela janela.
- Seu namorado te trouxe? – perguntou incrédulo depois de ver o carro.
- Trouxe. – respondi fitando o chão – Ele ficou bravo, mas concordou.
- Por que bravo? – ele se sentou na beira da cama e me puxou para sentar ao seu lado.
- Não sei bem, talvez ciúmes.
Ele abriu um sorriso irônico.
- Isso significa que... Eu o irrito?
Olhei para ele com a cara fechada e vi que sua expressão era de diversão.
- Para com isso, Marcos. – sussurrei.
- Parar com o quê? – ele fingiu de desentendido.
Não respondi, apenas fitei o vazio até ele perceber que a diversão dele me machucava.
- Desculpa. – ele sussurrou.
- Tudo bem. Passei aqui para te ver e matar a saudade.
- Estava com saudades de mim?
- Claro. – respondi lhe dando outro abraço.
- Volta para cá.
Recostei-me ao seu peito e olhei para cima tentando encontrar seu rosto.
- Marcos...
Ele suspirou.
- Preciso ir, tenho que arrumar minhas malas.
Mais uma vez ele suspirou.
- Tudo bem. – respondeu – Tchau.
- Liga sempre, ta?
- Você também volte, hein...
- Claro. Tchau.
Ele assentiu e voltou à cama enquanto eu saía do quarto.
Desci e Laura me esperava ansiosa no pé da escada.
- Oi Bia! Que saudades!
- Laura! Também estava.
Dei-lhe um abraço.
- Como estão as coisas? – ela perguntou.
- Muito bem. – respondi – Desculpa Laura, mas já estou de saída.
- Ta OK. Tchau.
Me despedi com outro abraço e saí.
Alex continuava de cara amarrada dentro do carro e me fitou quando entrei.
- Como foi lá? – ele perguntou com uma voz mais tranquila do que sua expressão.
- Sossegado. – respondi – Não está bravo?
- Não. Confio em você.
Sorri.
Agora ele dirigia mais tranquilamente, mas não por total. Continuei olhando pela janela do meu lado direito pensando em como conversar com ele.
- Você vai dormir em casa hoje de novo?
Ele abriu um sorriso torto.
- Por que razão?
- Para você viajar com a gente amanhã.
- Não se preocupe, eu consigo acordar cedo.
Dei uma risada alta.
- Foi bom ontem, dormir sabendo que você estava ali do lado. – admiti.
Ele tirou uma das mãos do volante e colocou por cima da minha que estava sobre minhas pernas.
- Foi bom dormir e acordar sabendo que você estava logo ali, linda, e saber que a partir de agora estaremos sempre juntos é melhor ainda.
Senti meu rosto corar.
- Te amo. – sussurrei.
- Te amo mais. – ele falou quase em meu ouvido, desviando os olhos da estrada.
O clima de tensão já havia passado e agora conversávamos fluentemente de assuntos diversos. Ver seus lábios repuxados sobre os dentes outra vez formando um belo sorriso me deixava muito mais tranquila.
Ele me deixou na porta de casa e foi embora sem mesmo entrar.
Meu pai ainda não havia chegado, então minha mãe aprontava as malas para ele. Corri para arrumar as minhas também e me preparar para dormir.
Outra vez tive um pesadelo, idêntico ao passado, mas desta vez eu podia ver que quem me perseguia na floresta: era uma menina branca de cabelos pretos. Ela corria atrás de mim com uma sede de vingança, parecia obcecada por algum motivo e eu não sabia qual. E como no sonho anterior, acordei cansada e assustada. Tentei voltar a dormir e quando estava quase amanhecendo eu consegui.

Acordei com os cutucões de minha mãe, já era tarde e eu ainda não tinha levantado. Pude ouvir a voz de meu pai e Alex na sala, então levantei apressada para tomar banho.
Tentei relaxar no banho, mas foi quase impossível pensando naquele sonho assustador. Desliguei o chuveiro e me arrumei, já estava com tudo pronto para viajar, então já podia ir.
Paulo e Alex já estavam com as malas no carro – um Porsche Carrera GT prata – do meu pai. Alex me ajudou a levar as minhas até lá enquanto Paulo despedia de minha mãe.
Entramos no carro e fomos em direção ao aeroporto.
- Pai, você não acha esse carro muito chamativo? – perguntei.
Era estranho, meu pai tinha três carros: Um Vectra, um Mercedes e aquele Porsche. O Porsche era o mais luxuoso de todos, não era um carro de se andar a passeio, para viajar era melhor o Vectra.
- Fala sério! Esse é o meu melhor carro e não posso exibi-lo no Rio de Janeiro?
Eu ri.
- Mas você vai pagar a passagem de um carro também?
Era o que eu esperava. Não estava a fim de viajar cinco horas dentro de um carro só para exibi-lo.
- Claro que vou. Avião particular é bom para isso.
- Particular? – perguntou Alex.
- Isso aí. – meu pai respondeu com diversão.
Mas se era particular, por que estávamos indo para o aeroporto? Paulo respondeu a essa pergunta antes mesmo de alguém perguntar.
- Estamos indo ao aeroporto porque não temos permissão para levantar voo assim do nada e voar no céu como se fossemos os únicos. Temos que pedir permissão e saber em que altitude o avião pode estar, caso contrário pode ocorrer um acidente.
A é, claro, permissão, se não todos levantariam voo direto da garagem de casa e aí teria de colocar fiscalização no céu. Bizarro. Era mesmo uma história de rir. Pelo menos viajaríamos com conforto e não teríamos que dividir as poltronas ao lado. Ufa!
Chegamos ao aeroporto quarenta minutos depois de sairmos, meu pai foi direto conversar com a recepcionista enquanto Alex e eu pegávamos as malas. Não passamos pelo lugar onde todos os outros passageiros passavam, fomos diretamente para onde ficavam os aviões.
Era um pequeno Boeing. Fui a primeira a entrar, era espaçoso e ajeitado. Havia cinco poltronas à frente e ao fundo algumas coisas para comer e se divertir. Era maior que um jato comum, mas menor que um Boeing normal.
Sentei em uma das confortáveis poltronas perto da janela e Alex se sentou ao meu lado. Era a primeira viagem que faríamos juntos, pena que não era a passeio, mas mesmo assim seria maravilhoso.
- Promete que vamos andar na praia de Copacabana? – perguntei.
Ele abriu o sorriso torto que me deixava sem fôlego.
- Prometo.
Meu pai entrou no avião e pude sentir que começávamos a decolar. Sempre viajava de avião, mas aquela era a primeira vez que iria por um particular, só com três pessoas.
- Boa viagem. – falou Paulo virando-se para nos ver.
Alex assentiu.
Logo estávamos no ar. Eu olhava pela janelinha as pessoas e os edifícios ficarem pequenos até sumirem, enquanto Alex me abraçava e ouvia músicas no aparelho de MP3. Tirei um dos fones de sua orelha e comecei ouvir a música também, era um a musica clássica – para variar – mas reconheci, era uma música de piano que tocava muito no filme Crepúsculo – a famosa canção de ninar de Bella. Concentrei-me nela até adormecer.

Acordei com a pressão do avião pousando. Havia dormido por alguns minutos. Alex me acordou assoprando minha orelha de leve, eu ainda estava com o fone no ouvido escutando a bela música.
- Chegamos? – perguntei ainda me adaptando a luz.
- Sim. Vamos?
Ele já estava com as minhas malas na mão, pronto para sair do avião. Levantei e desci. O clima estava quente e abafado, precisei tirar todas as blusas que estava.
Alex me ajudava com as malas enquanto meu pai pegava o carro no interior do avião.
Saímos do aeroporto com o Porsche do mesmo jeito que andava em São Paulo, meu pai corria feito vento e sorria quando as pessoas na rua ficavam boquiabertas por verem o carro.
- Fica muito longe? – perguntei.
- Um pouco. – Paulo respondeu.
Bufei.
Ficamos em silêncio durante todo o caminho até a escola. Demoramos cerca de cinquenta minutos para chegar.
A escola, de fora era linda, parecia realmente uma escola para pessoas sem distúrbios psicológicos. Era colorida, tinha um grande espaço para esportes e conversas, salas espaçosas e organizadas, mas dava para ver uma grande diferença. O uniforme era todo branco e não parecia ter um emblema.
Um rapaz alto e com um crachá indicando: Monitor, nos recebeu, ou melhor, recebeu Alex.
- Alex! Meu jovem, como está? Voltou a nossa escola?
Alex o fuzilou com os olhos e respondeu entre dentes:
- Nunca! Marcelo!
O rapaz também o encarou e depois olhou para meu pai com outro sorriso cínico.
- Senhor Paulo Ricardo, o que o trás aqui?
- Quero falar com o diretor desta escola. – respondeu meu pai com uma voz rude.
- Me acompanhe.
Marcelo olhou outra vez para Alex, mas agora como se estivesse ameaçando-o. Andamos pelos corredores da escola, todos coloridos e bem decorados. Marcelo, de mau humor, andava na frente mostrando o caminho.
- Aguarde um momento! – falou Marcelo - Vou informar ao diretor que estão aqui!
- Está bem. – respondeu Paulo.
Ficamos sentados próximos à diretoria no que parecia uma sala de espera. Não demorou muito e o monitor voltou nos dizendo para entrar. A sala era espaçosa e condecorada. O diretor nos olhava como quem esperava algo ruim, e teria mesmo algo ruim nas costas, mas olhava principalmente para Alex, ou melhor, encarava.
Meu pai se sentou de frente para o diretor enquanto eu e Alex ficávamos de pé.
- Então, meu amigo Paulo Ricardo, como está? – perguntou o diretor, estendendo a mão.
- Estou ótimo, Joseph. Já conhece minha filha?
- Bia? Você é a famosa Bia?
- Sim. – respondi.
- Prazer. Conhecemos-te bem aqui, já pegamos muitas cartas endereçadas a você. – ele sorriu para Alex.
Meu pai pigarreou.
- Então, o que os traz aqui? – ele olhou outra vez para Alex.
- Um problema. – Paulo respondeu.
- Qual?
- Você me disse que essa era uma escola de qualidade e que eu não me arrependeria de colocar o namorado de minha filha aqui.
- E não estava enganado, estava? – Joseph perguntou fuzilando Alex com os olhos.
- Na qualidade não, mas no arrependimento sim! – meu pai se levantou – Olhe para seus alunos, Joseph, são loucos, aqui é um manicômio! Mas o pior não é isto! – agora ele gritava – Vocês punem os seus alunos com violência física!
- O único louco aqui é você, Paulo Ricardo! – ele também levantara – E como é essa de violência física? Você tem provas?
- Tenho! Alex venha aqui.
Alex se aproximou de meu pai, Joseph revirou os olhos. Paulo arrancou a camisa de Alex e revelou o hematoma gigante em suas costas, ainda vivo e assustador. O diretor olhou incrédulo.
- Como saber se isso não é um truque?
Meu pai o fitou enquanto Alex respondia entre dentes:
- Quer fazer teste de digitais e tornar isso público ou manter por aqui mesmo e nos ouvir?
Joseph o encarou muito mais.
- É melhor vocês ficarem lá fora. – meu pai pronunciou.
- Está bem. – respondeu Alex – Vamos Bia?
Ele me pegou pela cintura e puxou para fora. Eu não queria sair, queria ficar ali e mostrar para aquele diretor como é bater em alguém. Minha raiva por ele era imensa, mas consegui reprimir.
Saímos da sala e fomos andar no jardim da escola, – que daria um bom espaço para esportes – ele segurando minha mão.
- Cadê os seus amigos daqui? – perguntei.
Ele abriu um sorriso torto.
- Você sabe que não faço muitos amigos, não sou de conversar.
- Nenhum?
- Só uma. A Gisele.
Olhei para ele com ironia.
- Quem é Gisele?
Nem precisou ele responder. Ela correu e o abraçou como um vento. Ela parecia bonita, tinha os cabelos pretos, com um franja reta na testa e curto até um pouco acima dos ombros, o corpo magro, porém escultural. Alex retribuiu seu abraço.
- Que saudade, Alex! Onde estava? – ela perguntou com uma voz fina e um pouco infantil.
- Estou morando em São Paulo agora.
- Mas você voltou. – ela soltou seus braços e olhou para o rosto de Alex.
- Só para resolver um problema.
- Ah! – sua voz ficou mais fria.
Ela o abraçou de novo e ele se afastou.
- Gisele, essa é a Bia! – ele nos apresentou.
Vi sua expressão ficar vazia. O choque estava impresso em seus olhos, como se eu fosse uma pessoa importante ou jamais esperada. Considerei a segunda opção.
- Olá Gisele! – falei por fim.
Ela me fitou.
- Oi. – sua voz saiu áspera.
- Hã... Obrigada por ser amiga do meu namorado quando eu não estava com ele.
- Claro. Não precisa agradecer por eu ter apoiado o seu namorado quando você o chutou.
- Gisele... – Alex a advertiu.
- Só estou falando o que penso. – ela ainda me fitava.
- Não, ta tudo bem. – falei olhando para Alex – Não ligo para o que falam.
- Pois devia, - ela insinuou – Você deveria ter visto como ele ficou.
- Basta, Gisele! – a voz de Alex saiu grossa e áspera – Venha, Bia.
Ele me puxou para próximo de seu corpo e me levou para dentro do pátio. Gisele nos olhava com a testa franzida.
- Espera, Alex! – ela gritou – Quero falar com você.
Ele respirou fundo e olhou para mim. Eu assenti e o deixei ir, não queria dar uma de namorada chata e ciumenta, mas fiquei observando de longe.
Eles sentaram em um banco próximo ao pátio, ela olhava para ele com um brilho diferente nos olhos, enquanto Alex a olhava com as sobrancelhas erguidas. Parecia que nesse tempo de convivência com outros amigos, ele andou abalando outro coração.
Que ótimo. Concorrência.
Pior! Ela era linda. Agora eu e Alex estávamos empatados no quesito, admi-radores.
Ficaram por um longo minuto conversando, o estresse já estava me atingin-do. Ou era ciúmes? Eu não sabia, era a primeira vez que sentia aquilo. Rodrigo não era uma grande paixão para se sentir ciúmes, mas Alex era, esse sim era um de dar muito ciúmes. Completamente perfeito. E pela primeira vez vi que não era só para mim.
Comecei a bater o pé para chamar sua atenção e também para espantar o estresse. Gisele fingia não me ver.
Estavam conversando, quando ela pegou em sua mão. O sangue subiu para a cabeça, eu tinha vontade de arrancar ele de lá, mas não precisou. Ele se levantou e soltou a mão dela, vindo em minha direção. Não consegui reprimir um sorriso.
Ele andou até chegar próximo a mim, eu ainda estava com um sorriso irônico quando vi em sua testa enrugada – ruga que só aparecia quando ele estava bravo.
- O que foi? – perguntei, agora séria.
- Nada não. Vem? – ele fez um gesto com a cabeça indicando a sala de espera próxima à diretoria.
Assenti.
Andamos abraçados até chegar à sala. Pude sentir Gisele me fuzilando com os olhos.
- O que ela te falou?
Ele respirou fundo e pude ouvir seus pulmões se enchendo.
- Que sentia saudades de mim.
- Não foi só isso. – acusei.
Seus pulmões se encheram de novo.
- Tem razão, não é só isso. – ele se virou para mim e abriu um belo sorriso torto – Ela disse que foi burrice voltar com você e que eu mereço coisa melhor. E coisa melhor na opinião dela seria...
- Ela. – completei.
- É. – respondeu rindo.
- E o que você respondeu?
Seu sorriso se fechou e virou apenas uma linha reta no rosto. Senti sua mão afagando minha perna.
- Que você é a pessoa mais importante para mim e que jamais te deixaria. Não é por causa de uma admiradora que vou deixar de te amar. – agora ele respondia todas as outras interrogações que havia em minha cabeça – Bia, por favor, me promete que vocês duas não vão se implicar. Ela me prometeu.
- Claro. Não tenho motivos para isso, aliás, eu tenho mais admiradores do que você, então não vai se achando não, viu.
Uma alta gargalhada saiu por entre seus dentes e não pude deixar de rir também.
Meu pai e o senhor Joseph saíram da sala. Estavam conversando como velhos amigos, meu pai com o dinheiro na mão. Pelo jeito, ele tinha conseguido o reembolso. Ótimo, só faltava a denúncia.
Alex se levantou e despediu do diretor, fiz o mesmo tentando imitar sua educação. Estávamos indo para o carro quando Alex pediu para esperar. Eu e meu pai ficamos esperando por um momento, enquanto ele entrava outra vez na escola.
Uma pontada de ciúmes me atingiu mais uma vez, uma parte do meu inconsciente me fala que ele estava indo falar com ela e que era para ir lá e arrancá-lo, mas a outra parte, a consciente, me falava para esperar e que ele só estava conversando com ela. Do mesmo jeito que sempre converso com Marcos e Rodrigo.
Agora eu podia entender a reação de Alex dentro do carro no dia que fui à casa de Marcos. A sensação de que pode perder a pessoa que ama para outra pessoa, na sua frente, era horrível.
Finalmente ele voltou, agora com o rosto mais sereno.
- Aonde você foi? – perguntei de imediato.
Percebi que minha voz saiu urgente e ameaçadora. Alex me olhou pelo canto do olho.
- Fui me despedir da Gisele e pedir para ela não falar mais aquelas coisas para você.
Bufei, sem mesmo querer.
Paulo ligou o carro e saiu. Ficamos em silêncio por um longo instante. Meu pai com os olhos fixos na estrada, Alex olhando, através do retrovisor, a minha expressão e eu rebatia seu olhar também pelo retrovisor.
- Vai mesmo denunciá-los? – Alex perguntou se dirigindo a meu pai.
- Vou sim. Prometi que não ia, mas ele também me prometeu que cuidariam bem de você.
Reparei no jeito em que Paulo conversava com Alex agora. Parecia que era seu filho, ele tratava Alex muito bem. Isso era bom, em certos pontos. Era ruim em outros, porque eu sentia ciúmes. Dos dois lados.
Andamos por alguns quilômetros até Paulo parar em frente a uma delegacia. Fiquei dentro do carro, enquanto Paulo e Alex entravam na delegacia.
Vi meu pai conversando com o delegado e depois levantar a camisa de Alex, revelando seu enorme hematoma. A expressão do delegado foi de choque que segundos depois mandou duas viaturas para a estrada que ia em direção a escola.

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