quarta-feira, 6 de julho de 2011

Capítulo 8



8- MÁSCARA


            Eu fitava a foto de meus pais enquanto Alex dirigia seu Audi. Estava chovendo, então a capota do carro estava no lugar correto. A chuva era intensa, quase uma tempestade, mas sem relâmpagos e trovões.
            Alex decidiu que não precisávamos sair em carros diferentes, já que estávamos trabalhando perto um do outro.
            Olhando a foto comecei a ver o quanto eu era parecida com Bárbara. Como não havia reparado isso antes? Passei minha infância inteira vendo a foto de Carla e Bárbara juntas e nunca havia notado a semelhança entre nós.
            Alex estacionou o mais próximo do pátio possível. Desceu com o guarda-chuva na mão e deu a volta no carro para abrir a porta para mim. Dividimos o guarda-chuva até chegar no pátio. Havia poucos alunos. A maioria usara a desculpa da chuva para ficar em casa. Nanda e Nani eram um exemplo.
            A sala de aula estava aberta, então entramos e sentamos no lugar habitual. Suzana já estava lá, sentada na carteira à frente de Alex. Fingi não notar.
            - Está quieto hoje. – falei enquanto tirava o material da mochila.
            Só havíamos falado um “Oi” para o outro. Isso era estranho. Ele costumava ser tão falador.
            - Seus pais brigaram muito ontem? – tentei parecer irreverente, mas eu estava mesmo preocupada.
            - Não, é que tive um sonho estranho nesta noite. – ele respondeu num tom perturbado.
            - Quer falar dele? – encontrei seu olhar angustiado.
            - Tivemos um filho, mas não era nenhum de nós quem cuidava. Na verdade, eu nem sabia que você alguma vez ficara grávida, e você...Não sei onde estava. Parecia que não existia. O bebê estava com Gabi e Luiz, bem longe de mim.
            - É só um sonho. – falei tocando sua bochecha.
            Faltavam cinco minutos para começar a aula quando Suzana virou para Alex. Primeiro ela nos cumprimentou. Depois começou a se dirigir somente a Alex.
            - Adiantei boa parte do trabalho ontem. – ela falou entregando alguns papeis para Alex.
            - Ótimo. Tirou um grande peso das minhas costas. – ele respondeu.
            Ela somente tinha mostrado para mim que podia adiantar o trabalho. Loira petulante!
            - Que bom que fui útil. – ela abriu um sorriso que revelou todos os seus dentes.
            Nesse instante tive a sensação de um dejá vu. Tive a ligeira impressão que já vivera aquela cena: a confiança de Alex, meu ciúme e o principal, o estranho sorriso de Suzana.
            Eu já vira aquele sorriso. Mas não era no rosto dela, era em outra pessoa. Alguém muito diferente, porém, em uma situação parecida.
            Não conseguia lembrar o rosto da pessoa que tinha aquele mesmo sorriso. Era uma pessoa familiar, mas quem?
            Talvez eu estivesse ficando paranoica. Essa sensação de dejá vu é comum. Não é?
            - O que foi, Bia? – a voz de Suzana interrompeu meus devaneios.
            - O quê? – perguntei confusa.
            - Você está me encarando.
            Percebi que eu a olhava com a boca escancarada, os olhos arregalados. Estava completamente ridícula. Libertei-me do transe e voltei à realidade.
            - Desculpe. É que tive a sensação de já ter visto esta cena. – falei.
            - Normal. Acontece sempre. – ela respondeu.
            - É, acho que sim. – respondi, outra vez distraída.
            O professor iniciou a aula com um pequeno discurso sobre a idade média. Já havia visto muito sobre essa matéria, – Carla gostava de pesquisar os tempos antigos – então me desliguei completamente do mundo.

            Alex me olhava pela visão periférica, enquanto dirigia para o serviço. Eu sabia o que ele estava pensando: Por que ela está tão pensativa hoje?
            Minha mente vagava pela estranha sensação de dejá vu que tive mais cedo. Muitas pessoas tinham essa sensação depois de ver algo com a qual elas sonharam. Mas eu não tinha sonhado com nada parecido com aquilo: o sorriso. Ele parecia, na verdade, ter saído de um dos meus piores pesadelos.
            Aquilo não fazia sentido. Já tinha tido aquela sensação, não deveria achar tão estranho.
            Alex me fitava pelo canto do olho. Ele estava inquieto. Andava devagar, certificando-se de que não bateria em nada ou em ninguém enquanto me observava.
            A chuva continuava intensa do lado de fora. A água fazia um barulho ensurdecedor na capota do carro.
            - Fala a verdade. – ele pediu – Por que você estava encarando a Suzana daquele jeito?
            Então ele achava que eu tinha mentido naquela hora?
            - Já falei, achei já ter presenciado aquela cena. – respondi com indiferença.
         - Estava falando sério? – ele parecia desconfiado.
            - Sim. Na hora em que ela sorriu... Parecia que eu já vira aquilo. Foi estranho.
            Ele estacionou em frente a Marshel’s academia. Peguei meu uniforme e me despedi de Alex. Cambaleei para dentro da academia, enquanto ele saía com o carro.
            Trabalhei bastante naquele dia. Matheus estava lá para ajudar.
            De tarde Alex me esperava em frente à academia. O movimento no Banco dos Valentyne estava fraco, então Alex saiu alguns minutos mais cedo para poder me pegar no serviço.
            Desta vez a chuva aumentara, agora com relâmpagos e trovões. Ele dirigia com cautela, enquanto eu chacoalhava o cabelo encharcado.
            Alex perguntou enquanto esperava em um sinal vermelho.
            - É muito cedo. – respondi.
            - Duas semanas. – ele pareceu assustado.
            - Claro que não. Falta mais que isso.
            Revirei o carro atrás de um calendário. A folhinha marcava dia trinta de novembro. A formatura era dia treze de dezembro. Há exatamente duas semanas dali.
            - Minha nossa. – arfei – Não preparei nada.
            - É da sua natureza esquecer as coisas.
            - A essa altura terei de encomendar um vestido com um estilista. – suspirei.
            Sem dúvida alguma minha mãe me obrigaria a ir até seu estilista preferido. Um adorador de moda francesa. Eu não era muito fã de moda francesa. É tão comum. Queria algo mais exclusivo. Moda inglesa, por exemplo.
            - Acha que Gabi conseguiria desenhar um vestido para mim? – perguntei.
            - Ela explodiria de emoção.
            - Mas ela já sabe, quer dizer, já aprendeu na Inglaterra, não é?
            - Já sim. E seus desenhos são ótimos.
            - Me leva para sua casa. Preciso falar com my best stylist. – declarei.
            Ele sorriu e continuou dirigindo para a sua casa.
            Corri para a varanda da casa dele, tentando fugir do temporal que caía. Gabi assistia a um filme legendado quando cheguei. Não era um filme que fazia seu gênero. Tinha muitos tiros e ações.
            - O que você está assistindo? – perguntei.
            - Inception.
            - O quê? – Alex pareceu confuso.
            - A origem. É um filme de ficção cientifica. Muito bom. – respondi.
            - Desde quando você fala inglês? – ele perguntou.
            Pela primeira vez respondi algo que Alex não sabia. Não tinha reparado que acabara de falar inglês, apenas ouvi o que Gabi falou.
            - Morei em Vancouver durante três anos. Meu pai me mandou para lá para aprender e praticar o inglês quando eu tinha doze anos e voltei quando tinha quinze.
            - Com que você morou?
            - Com uma irmã do meu pai. Ela, meu tio e meus dois primos. Arrumei duas amigas lá, mas não permanente. Meredith e Brenda.
            - Foi por isso que aquela vez Gisele fingiu que você estava em Vancouver, porque já tinha passagem por lá? – Gabi nos interrompeu.
            - É um bom motivo. – respondi.
            Tirei o casaco de chuva e pendurei no cabide atrás da porta da sala. Alex fez o mesmo e Gabi voltou ao filme.
            - Bi, – chamei-a – pode desenhar meu vestido de formatura?
            Ela pausou o DVD e se virou para mim, com os olhos esbugalhados.
            - Fala sério?
            - Seriíssimo. – respondi.
            - Óbvio que faço. Vamos lá em cima para tirar suas medidas. – seu entusiasmo era assustador.

            Já estava preste a ir embora. Gabrielli já tinha tirado minhas medidas e explicado de que modo pensava em fazer meu vestido. Luiz estava na sala com Alex, esperando para ver a namorada.
            Lembrei de outra coisa que precisava providenciar para a formatura. Esperei para estar sozinha com Alex.
            Estávamos em frente a minha casa, encostados em seu Audi. Ele segurava em minha cintura enquanto eu brincava com o botão de seu casaco. A chuva já tinha cessado, então o vento soprava refrescante.
            - Tenho um convite para você. – falei.
            - Para quê? – sua voz soou sedutora.
            - Para ser meu padrinho de formatura. Topa?
            - Somos da mesma sala. Não ficaria estranho?
            - Eles vão poupar uma entrada. – respondi.
            - Não precisa pedir duas vezes.
            Ele me deu um beijo doce, como sempre, depois saiu. Entrei para tomar um banho e cair em sono.

            Naquele dia já não estava chovendo, apenas um chuvisco fraco impedia o dia de ficar bonito.
            Alex estava divino. Com uma jaqueta de couro preta, uma calça jeans tradicional e um tênis Olympikus. Os cabelos estavam arrepiados sem algum vestígio de gel.
            Estávamos no meu carro, o BMW ActiveHybrid7. Alex estacionou próximo ao pátio principal. Outra vez a porta da sala de aula já estava aberta, então entramos para pegarmos nosso lugar habitual.
            Mais uma vez Suzana estava à frente de Alex. Isso já estava virando provocação.
            - Então me conta, - Alex pediu – como é morar no Canadá?
            - Muito frio. – respondi – Insisti para meu pai me deixar na Flórida ou em Phoenix, no Arizona, porque é mais quente, mas eu não tenho nenhum parente lá. Só alguns em Washington e na Califórnia. E eu não queria nenhum desses estados, então fui para Vancouver.
            - E aprendeu bastante?
            - Melhor do que qualquer um desses professores de inglês desta escola.
            - Modesta, não? – ele disse com sarcasmo.
            - Estou falando sério. Se duvidares, então desafiarei a professora Lisa para um papo em inglês comigo.
            - Duvido. – ele sorriu torto.
            A professora Denise entrou nos ordenando a sentar nas duplas do trabalho. Pude ver que Suzana deu um sorriso. Caio substituiu Alex ao meu lado.
            - Vai a minha casa hoje? – ele perguntou.
            - Vai você a minha. Quase não fico em casa, já sinto falta.
            Alex estava sentado a nossa frente. Eu sabia que ele prestava atenção em tudo. Suzana também percebeu isso e tentou chamar sua atenção. Ele nem percebeu.
            Ótimo!

            A aula de inglês foi hilária.
            Esperei a professora dar um deslize na explicação e comecei minha sessão de exibicionismo. Todos ficaram boquiabertos com minha coragem.
            - Sorry, Mrs. Lisa, but what said is wrong.
            Desculpe, senhora Lisa, mas isso que disse está errado.
            - Perdão, Bia, o que disse? – senhora Lisa perguntou em português mesmo.
            - I am speaking in English, teacher.
            Estou falando em inglês, professora.
            - Sorry, is that I'm not used to speaking in English with a student. – ela finalmente falou em inglês.
            Desculpe, é que eu não estou acostumada a falar em inglês com um aluno.
            - Sure? – Fiz cara de provocação.
            Certeza?
            - What are you insinuating, Bia?
            O que está insinuando, Bia?
            - Nothing.
            Nada.
            - As you know so much English?
            Como sabe tanto inglês?
            - I studied in Canada.
            Estudei no Canadá.
- What you said is wrong?
E o que disse estar errado?
- The lady said that American English is identical to the British, but is not. It has words that are very different.
A senhora disse que o inglês americano é idêntico ao britânico, mas não é. Têm palavras que são muito diferentes.
- And just because you did a course on the outside you think you can ask me that? Agora ela estava arrogante.
E só porque você fez um curso no exterior você acha que pode me perguntar isso?
- I'm just trying to participate in class and tell you a common mistake that was, but if you think that just because you did a course around the corner is already certain, then go ahead.
            Eu só estou tentando participar da aula e dizer-lhe um erro comum que era, mas se você acha que só porque fez um curso na esquina já está certa, então vá em frente.
            A professora se calou por alguns segundos, depois voltou a dar aula como se nada tivesse acontecido. Ela corrigiu o erro, mas não mencionou que eu o havia descoberto.
            Escrevi minha conversa com a senhora Lisa em um papel e passei para Alex. Ele ficou pasmo com as palavras que usei no final.

            Caio foi a minha casa para fazermos o trabalho. Ficamos na copa, ao redor da imensa mesa. Minha mãe gostou de meu colega, mas deixou claro que era 100% Alex. Foi até ridículo.
            Estávamos apenas no começo de um extenso trabalho. Por minha sorte, Caio sempre adiantava boa parte.
            Tivemos que ir a uma biblioteca próxima a minha casa para procurar uma informação que não estava disponível na Internet.
            - Já se conformou por não fazer esse trabalho com o Alex? – ele perguntou olhando para frente, enquanto andávamos até a biblioteca.
            Ele não virava o rosto para falar comigo, sua toca o impedia. Aquela blusa era um exagero. Estava chuviscando, mas não tanto.
            - Não me conformei, mas tento aguentar. – respondi.
            Ele riu alto.
            - O Alex nem olha para a Suzana. Está certo que ela é bonita, mas para ele é só mais uma garota no mundo.
            - Para você é assim?
            - É sim. Não consigo olhar para ela como olho para a Izabela.
            - Isso é bom. Se magoasse minha amiga eu te matava.
            Ele riu outra vez.
            Voltamos para minha casa depois de encontrar o livro de História. Ele foi embora depois de Alex chegar. Como sempre, fomos para meu quarto, mas deixamos a porta aberta, caso minha mãe decidisse pirar igual à mãe de Alex.
            - A professora ficou sem graça pelo que você falou. – ele falou.
            Alex estava deitado em minha cama, o braço atravessado atrás da cabeça. Eu estava deitada ao seu lado, a cabeça apoiada em seu braço esquerdo. Estava brincando com sua camisa branca.
            - Ela merecia. Eu apenas comentei um erro e ela achou que eu a estava questionando.
            - Mas foi muito boa a sua conversa. Falou direitinho.
            - Percebeu que a professora hesitava bastante?
            - Todo mundo percebeu.

            A professora Lisa não olhou em minha cara durante a aula toda. Na verdade, ela prestou atenção em cada coisa que falava, certificando-se de que eu não a corrigiria outra vez.
            Meus colegas me incentivavam a interrompê-la de novo, mas ela nunca dava uma brecha.
            Apenas uma vez que ela disse uma palavra no inglês britânico e eu a corrigi. Todos deram risadas baixas.
            Óbvio que a senhora Lisa reclamou sobre meu comportamento para o diretor e eu tive de passar em sua sala após as aulas.
            - Então a senhorita está questionando as aulas de inglês? – o senhor Gerson perguntou.
            - Apenas comentei um erro. – falei de queixo duro.
            - Anda expert no inglês, senhorita Beatriz?
            - Aprendi fora do país e acho essas aulas muito fracas e monótonas. – pronto falei, com a senhora Lisa ao meu lado.
            - Let's see if it is so good at English. – Ele me desafiou.
            Vamos ver se é tão boa assim no inglês.
            - Ask me anything. – Falei rudemente.
            Pergunte-me qualquer coisa.
            - Your parents will like if I call them to say that their daughter is too smart for this school?
            Seus pais gostarão se eu chamá-los para dizer que a filha deles é inteligente demais para esta escola?
            - Oh! Will be surprised, but delighted.
            Oh! Irão ficar surpresos, mas adorarão.
            - Great! I see them on Monday; otherwise you will not enter this school.
            Ótimo! Quero vê-los na segunda-feira; caso contrário você não entra nesta escola.
            - Okay!
            Tudo bem.
            Retirei-me da sala sem olhar para trás. Alex se encontrava no pátio, conversando com Suzana. Os alcancei a tempo de ouvir a fonte da conversa: O trabalho de História.
            Parei ao lado de Alex e encarei Suzana.
            - Vamos? – perguntei a Alex.
            - Desculpe se estou atrasando vocês. – Suzana disse, seu rosto estava sereno, mas os olhos ardiam em chamas.
            - Não está. – Alex respondeu com educação.
            Ela me encarou por alguns segundos antes de se virar para Alex. Olhando para mim sua face mostrava o ódio que sentia, mas no momento em que se virou para meu namorado tudo mudou, seus olhos voltaram ao verde-água sereno que eram.
            Ela mudava quando olhava de mim para Alex. Como se fosse programado. Como se fosse uma máscara.
            Eu conhecia aquela máscara. Outra sensação de dejá vu. Só que foi igual à última vez. Igual àquele sorriso.
            O sorriso. A máscara. Pertenciam à mesma pessoa. A uma pessoa que me atormentava, pois aquelas sensações eram perturbadoras.
            De repente tudo se encaixou, como um quebra-cabeça que sempre esteve em minha frente e eu não via. Uma explosão de obviedade.
            Foi um flashback intenso: Uma amiga falsa; uma máscara de autoconfiança; um plano mal sucedido; uma sede de vingança; um aviso de perigo. E dois rostos que se pareciam.
            Gisele Stoff e Suzana Winter.
            Suzana Winter nunca existiu. Era a máscara de Gisele Stoff.
            Gisele Stoff estava a minha frente. A psicopata mais perigosa que eu já vira estava fazendo amizade com Alex, como da última vez.
            Arfei tão alto que ela e Alex se viraram para me olhar. Ele parecia assustado. Ela entediada.
            - O que foi, Bia? – Alex perguntou preocupado.
            Eu não conseguia falar. Apenas fiz sinal negativo com a cabeça e saí arrastando Alex, dando as costas para aquela terrível psicopata.
            Sentia que meus joelhos se batiam. Minha espinha parecia turva de tanto que tremia. Soluços sufocavam minha respiração. Eu sabia que em alguns segundos estaria chorando ferozmente.
            Bati a porta de meu carro com tanta força que poderia ter arrancado-a se não fosse tão resistente.
            - O que aconteceu? – Alex agora chacoalhava meus ombros.
            Dentro do carro minha respiração era horrivelmente audível. Eu parecia sufocada. Passei a mão nos olhos para limpar as lágrimas que embaçavam minha visão.
            - Bia! – Alex também começou a ofegar, mas mais por minha reação do que por medo.
            - Gisele... – consegui falar por fim – Gisele está aqui.
            - Como é? – ele estava chocado – Você a viu por aqui? Onde?
            Ele começou a olhar em volta do carro, em busca do rosto infantil, pálido e feroz de Gisele. O que ele não sabia era que ela estava com uma face mais evoluída, bronzeada e falsamente serena de Suzana.
            Comecei a me perguntar se desta vez Alex acreditaria em mim.
            Burra!
            Como não percebeu isso antes? Agora eles eram amigos de novo. Do jeito que ela queria. Como fazer Alex acreditar desta vez?
            Ele acharia que era outro ataque de ciúmes, mas eu estava falando sério. Era ela.
            - Onde você a viu, Bia?
            Olhei para fora da janela e encontrei o olhar de Suzana em mim. Ela me encarava com ódio.
            Trinquei os dentes.
            - Liga o carro e saí daqui. – falei entre dentes.
            Alex obedeceu e cantou pneus pelo estacionamento. Só relaxei quando estávamos na via principal, a caminho de Barueri.
            - Vai me contar o que aconteceu, Bia? – ele agora estava exasperado.
            - Gisele está estudando lá na escola.
            - Como você sabe?
            - Não sei como eu sei. Descobri. Promete-me que vai se afastar da Suzana? – agora eu encarava seu rosto assustado.
            - Por quê? Acha que ela é a Gisele? – ele começou a rir.
            - Tenho certeza. – minha voz trovejou.
            Ele parou de rir quando viu que eu estava brava com sua atitude.
            - Tenho que fazer meu trabalho com ela.
            - Só vai fazer quando eu estiver junto.
            - Bia, isso é...
            - Me promete!
            - Tudo bem. Eu prometo. Se isso a faz feliz.
            Relaxei no banco do carro e desabei em choro.
            Estava tudo perdido. Ela estava atrás de mim outra vez. Meu medo voltara. Pelo menos desta vez eu tinha Alex e todos os velhos amigos que me ajudaram.
            Desci na Marshel’s academia, decidida a me distrair com o trabalho.
            - Tem certeza que quer trabalhar? Você está em estado de choque. – Alex parecia realmente preocupado.
            Sério? Eu parecia em estado de choque? Na verdade, eu me sentia em estado de choque. Minhas mãos suavam, embora pareciam estar geladas. Sentia que meu rosto não tinha sangue. E minhas pernas se batiam.
            - Estou bem. – menti.
            Trabalhei péssimo naquele dia. Marquei presença para as pessoas erradas, esqueci as anotações que tinha feito e, pior, derrubei um peso de 10Kg em meu próprio pé.
            Claro que Diego correu para me ajudar. Tive de colocar gelo e andar descalço para o tênis não apertar o local inchado.
            Alex encheu minha paciência para me levar a um ortopedista. Mas como uma fiel teimosa, não aceitei.
            Em casa tive de enfaixar e andar em um pé só. Tudo isso por causa daquela psicopata. Nem havia pensado em me atacar e eu já estava machucada.

            Óbvio que no outro dia – sábado – fiquei na casa de Alex, olhando-o fazer o trabalho com Suzana.
            Caio não poderia ir a minha casa naquele dia, então eu teria o tempo inteiro para incomodar a loura psicopata. Ela estava sentada com Alex na mesa de jantar. Fiquei com os dois por alguns minutos, depois me entediei.
            Andei mancando até a cozinha, onde se encontrava Amanda, a mãe de Alex. Meu pé ainda estava enfaixado.
            - O que aconteceu com seu pé, Bia? – Amanda perguntou.
            - Ah! Derrubei um peso de academia.
            Ela deu uma leve risada.
            Olhei por sobre o ombro, Suzana conversando com Alex. Garota cínica. Sorte dela que estava na casa do meu namorado. Não iria fazer nada com ela ali.
            - Está aqui só para vigiá-lo? – Amanda interrompeu meus devaneios.
            - Estou aqui para vigiá-la.
            - Não confia no Alex?
            Amanda estava lavando as louças do almoço, resolvi ajudá-la enquanto conversávamos. Peguei o pano de prato e comecei a enxugar as louças.
            - Confio. Mas é que ela é muito linda. – respondi.
            - Acredite, para o Alex não existe garota mais linda do que você. – ela me olhou com um ligeiro sorriso. – Para você não é assim? Quero dizer, na acha ele a pessoa mais linda do mundo?
            - E ele não é? – perguntei inocentemente.
            - Sou suspeita em falar. Para mim, Gabrielli e Alex são as pessoas mais lindas que já vi. Mais até do que Renan.
            - Será que vou achar meus filhos mais lindos do que Alex? – duvidei.
            - Sem sombras de dúvida.
            Olhei por sobre o ombro para Alex. Parecia ser impossível achar alguém mais belo do que aquela beldade.
            - Sabe... – Amanda recomeçou – Antes do meu filho te conhecer, eu pensava que tinha estragado-o.
            Olhei interrogativamente.
            - É que sempre criei meu filho para ser um ótimo cavalheiro. Cresci nesse tipo de educação e achei correto passá-la para Alex.
            “Com Gabi foi mais fácil. Eu sabia como criar uma menina. Mas um menino foi difícil. Só que consegui”.
            “Porém, eu o vi sofrer com as piadinhas sobre ser gay. Sabia que meu filho não era gay. Ele não mostrava muito interesse pelas garotas, mas pelos garotos muito menos. Por muito tempo acreditei que o havia criado para uma menina que não existia”.
            “Na minha época as garotas gostavam de cavalheiros, mas agora elas parecem preferir qualquer um”.
            Ela deu uma pequena pausa, e logo recomeçou:
            - Lembro até hoje o dia em que nos mudamos para cá. No primeiro dia Alex e Gabi já fizeram amizade com Max e Luiz. Eram tão tímidos. – ela riu. Eles saíram para conhecer o bairro e quando voltaram, Alex parecia estar nas nuvens.
            “‘Tinha uma garota tão linda no parque’ Amanda tentou imitar a voz de Alex”.
            “Me interessei em saber quem era a garota. E descobri que era uma skatista. Gabi não gostou, mas pensava que era só uma fixação dele”.
            “O primeiro dia de aula aqui em Alphaville foi impressionante: ele chegou comemorando quando soube que a skatista era da turma dele. Ele falava dela todos os dias: como você quase sempre chegava atrasada; como você era distraída; como suas roupas eram bizarras e a deixava linda”.
            “Pior foi o dia em que ele chegou chutando tudo, a maior cara de choro. Perguntei o que era e ele me respondeu assim: ‘Ela não é feita para mim.’ Perguntei o porquê e ele me respondeu: ‘Ela se chama Beatriz Luiza Vasconsellos, alguém dessa família não quer alguém como eu. Sem falar que ela namora Rodrigo Valentyne.’”.
            “Ele ficou arrasado por dias. Jurou não se aproximar de você, já que não queria uma briga com os Valentyne. Mas não deixou de pensar e falar em você. A cada dia ele chegava com uma curiosidade diferente de você. Uma delas penetrou na cabeça dele de um jeito que até me assustava: ele sempre dizia que você não era apaixonada por Rodrigo. Fiquei com medo de ser apenas uma fixação dele”.
            - Ele estava certo. – falei – Sempre esteve.
            - Lembro do dia e que ele se arrumou todo e saiu dizendo que estava indo a mansão Vasconsellos. Entrei em desespero tentando imaginar o que ele faria.
            - Engraçado foi quando ele falou que você viria aqui. – Gabi apareceu na cozinha falando. – Ele me implorou para não comentar sobre suas roupas.
            - E você não comentou. – falei rindo.
            - Mas quase enfartei.
            Todos nós rimos.
            - É um alívio vê-lo tão feliz. – Amanda comentou, olhando o filho por sobre o ombro. – Então não duvide dele, Bia. Se alguém além de você fosse capaz de tocar seu coração, já teria feito há muito tempo.
            Foi o melhor conselho que eu poderia ouvir.
            Alex e Suzana se levantaram da mesa e Suzana se despediu de nós na cozinha. Terminei de secar as louças e corri para o lado de Alex.
            - Terminaram o trabalho? – perguntei.
            - Sim. Vamos lá em cima?
            Ele pegou em minha cintura e me conduziu até seu quarto.
            - Quer dizer que você achava que não servia para mim só porque meu nome é Vasconsellos? – perguntei enquanto subíamos as escadas.
            - Quem te contou isso?
            Dei uma risada.


Comentem o capítulo ali embaixo!

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