terça-feira, 5 de julho de 2011

Capítulo 11

11- PSICOPATA


O resto das aulas passou lentamente. Tentei ao máximo ignorá-la, mas foi impossível com ela chamando Alex o tempo inteiro. Tive que me conter para não pegá-la ali mesmo.
Quando o sinal da última aula tocou saí sem sequer olhar para trás, como havia feito com Matheus. Andei rapidamente até o carro, mas Alex me alcançou no meio do estacionamento.
- Qual é? – ele falou – Vai ficar fugindo desse jeito o tempo todo?
Eu já estava com a paciência esgotada, nem ele conseguiria me animar.
- Não estou fugindo, só não quero encará-la. – respondi.
- Por que essa frescura toda?
- Não é frescura. – respondi ainda andando.
Entrei no carro batendo a porta e ele fez o mesmo.
- Me leva pra loja do Matheus. – ordenei.
Ela assentiu e saiu com o carro em silêncio.
Mais uma vez, todos olhavam para o carro. Era impossível nos ver dentro dele, os vidros eram extremamente escuros, mas eles sabiam que tudo aquilo era meu. Para meu constrangimento, todos agora me olhavam com admiração.
Chegamos à loja mais rápido do que se fossemos com o Astra de Alex. Desci sem nenhuma palavra, apenas ele falou:
- Vou levar o carro para a sua casa e mais tarde volto com o Astra.
Assenti e entrei na loja.
Não havia nenhum cliente, apenas os funcionários que limpavam e organiza-vam o lugar. Parei em frente ao meu balcão e comecei a ver na agenda do computa-dor as coisas que eu precisava atualizar.
Fiquei entretida com o serviço que nem percebi a chegada de Denis ao meu lado.
- Sua festa aquele dia foi show, hein. – ele disse com sua voz ainda infantil.
- Ah... Obrigada. – falei.
- E, nossa! Seu presente é um luxo! – ele continuou arfando.
Dei somente um sorriso e voltei a trabalhar. Denis fez o mesmo, mas agora limpando as prateleiras ao meu lado. Senti que ele gostava de mim, que era prazeroso para ele conversar comigo.
Estava mais uma vez imersa em meu serviço, quando vi o conversível de Matheus estacionar em frente à loja, mas ele estava cheio. Logo reconheci quem estava com ele. Marcos foi o primeiro a descer, vindo rapidamente em minha direção – imaginei ele com um rabo abanando e a língua para fora. Que maldade!
- Olá Bia! – ele praticamente gritou.
- Oi. – respondi com meu humor sombrio. Ele recuou.
Matheus foi o segundo a descer, seguido por uma garota que não deu para ver direito quem era. Imaginei que fosse Luana, até que a menina entrou em meu campo de visão.
Argh! Era Gisele!
Qual é? Ela agora era amiguinha de Matheus e Marcos?
- Oi de novo, Bia. – Matheus cumprimentou.
Assenti.
- Oi Bia! – Gisele disse abraçando Marcos por trás e esticando o pescoço para me ver.
Virei meu pescoço lentamente e respondi com o maior sorriso e o mais bom humor que pude:
- Olá! – eu praticamente contemplei-a.
- Como você está? – Marcos tentou puxar algum assuntou.
Eu estava com os nervos à flor da pele, mas não deveria descontar nele.
- Estou ótima Marcos e você? – tentei ser educada.
- Muito bem. – ele respondeu radiante.
- Como está seu serviço, Bia? – Gisele perguntou ironicamente.
- Não te interessa. – respondi entre dentes.
- O que é isso, Bia? – Marcos perguntou surpreso.
Matheus não estava mais junto de nós. Ele começara a inspecionar o serviço dos outros. Então a conversa seria só entre nós três. Credo!
Ignorei a pergunta de Marcos e continuei meu serviço. Eles ficaram cochi-chando algo. Decidi olhar pelo canto do olho e vi os dois de mãos dadas. Gisele reparou em minha expressão e logo falou:
- Sabia que eu e Marcos estamos juntos?
Senti meus dedos pararem, fiquei completamente imóvel, como se eu tivesse levado um choque. A raiva começou a subir em mim. Tentei parecer normal.
- Que ótimo. – cuspi entre dentes.
Percebi a expressão de Gisele mudar para uma comemoração vitoriosa.
Ela ficou se esfregando com Marcos ao lado de minha mesa, eu teria de ser rude.
- Estou tentando trabalhar, por favor, né!
- Ah, desculpe, Bia! – foi Marcos quem falou.
Eles foram andando em direção a rua. Gisele ainda me encarava. Idiota!
Só não entendia o porque dela colocar mais gente nesta brincadeira. E por que o Marcos? Será que ela achava que eu sentiria algo? Pois acertou. Senti mesmo! Medo. Medo por ele estar se envolvendo com ela. Não sei o motivo, mas ela me assustava.
Continuei meu serviço, quando ouvi um som alto de estrondo. Olhei pelo vidro e notei que o céu estava escuro; ventava forte lá fora e o som forte era um trovão.
Estava chegando uma imensa tempestade.
- Sinistro, não é? – perguntou um outro funcionário da loja. Ele tinha cara de retardado – Os ETS odeiam chuva, por isso que ainda não chegaram a Terra.
Olhei para ele incrédula. Não bastava ter a aparência de retardado, ele era mesmo.
- Liga não. – Denis falou sentado no chão ao lado de meu balcão – O Nicolas acredita em ETS. Na verdade, ele diz se comunicar com eles e falou que estão vindo.
- Biruta. – murmurei.
- Mas é um bom funcionário. – Matheus sussurrou, aparecendo de repente ao meu lado.
Gisele e Marcos chegaram correndo na loja. Tentei ignorá-los, mas não foi tão necessário, pois Matheus os chamou logo em seguida para ir embora. Eles se despediram e saíram em direção ao conversível.
Vi – pela primeira vez – o teto do conversível se mover e fechar, revelando o belo Mercedes Classe E. Surpreendentemente lindo. Eles saíram e voltei aos meus serviços.
A chuva caiu pesada e com isso a loja ficou parada, sem nenhum cliente, então resolvi ouvir música no meu Mp5. Liguei em uma musica eletrônica e me desliguei do mundo.

Acordei com alguns cutucões.
Eu estava debruçada sobre o balcão e Denis me acordara para ir embora. Me espreguicei e comecei a fechar o caixa. Alex já me esperava dentro do BMW. Atravessei a tempestade e fui em direção ao estacionamento.
Ele me esperava completamente lindo. Agora com uma camiseta pólo azul marinho, uma calça jeans preta e com os cabelos arrepiados.
- Não disse que viria com o seu carro? – perguntei.
- É que o seu tem os faróis mais fortes e os pneus mais seguros para uma tempestade.
- Entendi.
Ele acelerou e saiu quase voando do estacionamento.
Meu humor ainda estava negativo, mas com ele foi impossível ser hostil. Alex estava tão lindo.
Logo chegamos à minha casa. Eu já estava me preparando para descer, quando ele passou direto pela entrada. Olhei-o interrogativamente.
- A Gabi vai embora amanhã de manhã e ela gostaria de se despedir de você. – ele explicou.
- Nossa! Já? – minha voz saiu decepcionada.
- É. As férias acabaram. Na verdade, acabou há muito tempo. Ela já deveria ter voltado no começo de abril, mas estava com preguiça e agora vai ter que passar todo o verão de lá estudando.
- Até hoje eu não sei o que ela estuda lá. – admiti.
- Moda. Ela é apaixonada pela moda inglesa e foi estudá-las.
Assenti. Isso era bem a cara da Gabrielli.
Chegamos à casa de Alex mais rápido do que o normal. A chuva ainda estava intensa, mas os ventos haviam parado.
Alex me atirou um dos seus casacos e pediu para que eu colocasse antes de sair, já que eu estava de vestido e sem nenhum agasalho. Sempre tão educado!
Desci do carro e corri até a varanda, a porta estava aberta, então entrei sem hesitar. Gabi já me esperava na sala de estar. Avancei para lhe dar um abraço.
Espantei-me ao ver que ela também tinha mudado o visual. Agora estava mais clássico. Ela havia tirado a franja que caía no olho, agora estava dividida nos cantos da testa junto aos cabelos – agora castanhos claros, iguais aos do irmão –; suas roupas não eram mais estranhas. A camisa era marrom e caía leve sobre a calça jeans de cor azul escuro tradicional; o tênis era no mesmo tom marrom da camisa – não eram mais All Star e sim um Olympikus original. Ela estava divina. Agora mais parecida com Alex do que nunca.
- Que mudança, hein! – sibilei.
Ela deu uma risada alta antes de responder.
- Na Inglaterra, extravagâncias não são muito comuns. E também, já tinha enjoado deste estilo. – ela admitiu.
Fiquei mais alguns minutos lá, mas logo decidi vir embora. A fadiga me desabilitava. Alex me levou para casa, pegou o Astra e também foi embora.
Entrei em casa já decidida: tomar banho, comer e dormir. Somente.
E foi o que fiz. Ou tentei.
O som da tempestade, que ainda não cessara, me mantinha calma. Mas um terrível pesadelo não me deixava dormir.
No meu sonho, Gisele machucava Marcos. Ela o usava para me atrair e jurava que não faria mal a ele se eu terminasse com Alex. Mas, por algum motivo, eu não cedia. Eu deveria ceder. Ficaria sem o Alex, mas pelo menos ninguém se machucaria. Não! Eu não cedia... E acordei. Estava desnorteada, o som do trovão me assustavam ainda mais.
Olhei para o relógio e ainda eram duas da manhã. Com o sono pesado, voltei a dormir. Agora, sem pesadelos.

Acordei com uma luz forte atravessando a minha janela. Depois daquela violenta tempestade o sol resolvera aparecer, forte e radiante.
Tomei um banho lento e desci animada pra o primeiro andar. Nem me lem-brava mais do pesadelo.
O café foi rápido. Alex já me esperava no jardim.
Voltei para meu quarto e escolhi a melhor roupa que achei. Uma saia jeans que chegava um pouco mais acima do joelho, cor preta, com uma prega de quatro botões do lado; uma blusinha rosa bebê com a alça caída em um dos ombros. Passei um baby-liss rápido no cabelo e saí para o jardim.
Alex me esperava encostado no Astra. Seu sorriso ao me ver foi gratificante.
- Oi. – falei.
Ele não respondeu, em vez disso pegou em minha cintura e me puxou para perto de seu corpo e colocou seus lábios gentis nos meus. Tentei acompanhar o ritmo de seu beijo, porém foi quase impossível. Ele estava urgente. Como se fizesse tempo que ele não me visse. Logo, nossas bocas se separaram. Alex me olhavam com carinho. Isso fez meu coração bater mais rápido do que nunca.
- Ontem eu não fiz isso. – ele comentou.
Assenti, ainda sem fôlego.
Entramos no Astra e fomos em direção à escola.
- Que tal hoje? Seu primeiro dia na autoescola. – Alex falou
- Verdade. Mas creio que não vou precisar ficar lá por muito tempo.
- É, você já está dirigindo bem. Treinou antes?
- Na real, sim. Paulo já me ensinou a dirigir no Porsche e no Vectra. E uma vez dirigi a Hilux do Rodrigo.
- Nossa! Tirando o Vectra, todos os que você dirigiu até hoje são possantes. – ele arfou – Um Porsche Carrera GT; uma Hilux, que com certeza o Rodrigo turbi-nou e um BMW série 7. Uau!
- Bom! – especulei – Na verdade não foi o Porsche Carrera GT que eu dirigi. Foi um antigo Porsche do meu pai. Era um 911 vermelho, mas eu o bati em uma árvore e meu pai usou essa desculpa para convencer a minha mãe de que teria que comprar outro. E apareceu com esse luxo todo aí, que mais parece um carro de corrida.
Sua risada foi encantadora.
Já estávamos no estacionamento da escola.
- Ah! – Alex me parou quando eu ia descer – Antes que eu me esqueça, a Gabi te deixou uma carta.
- Onde está? – perguntei animada.
- Se eu fosse você, Não ficaria tão entusiasmada. – ele falou enquanto procurava pela carta dentro da blusa.
- Você já leu, não é? – acusei.
Ele apenas deu o sorriso torto que me enlouquecia.
Alex me entregou a carta. Era um papel rosa. Abri e me concentrei a ler. A letra da Gabi não era tão legível quanto à do irmão.

Bia,
Estava indo embora e já ia me esquecendo. Prometi que levaria você ao shopping, não é? Mas não vai dar. Só que VOCÊ pode ir sozinha ou com outra amiga. Só precisa desta lista:
Novos pares de tênis:
Olympikus
Rebook
Nike
E um novo All Star.
Novas calças:
A maioria Jeans
Uma Saruê
Umas saias Balonê
Uma legue
Uma fusô
E um mini short Jeans xadrezado.
Novas camisetas, camisas e blusinhas:
Camisetas Pólo feminina sempre combinam, então é bom.
Camisas com botões – de cores claras
Blusinha com decotes não muito exagerados
NADA DE CAMISETAS LARGAS COM MENINOS DE SKATE ESTAMPA-DOS NA FRENTE!!!
Novos vestidinhos:
Balonê preto
De alças finas e leve cor rosa chiclete
Aqueles que marcam a cintura – esqueci o nome – e solta em uma saia nas coxas
E outro de sua preferência.
POR FAVOR! Nada de bonés, camisetas largas, calças jeans soltas e All Star nada a vê com as cores.
Sei que você vai se sair bem. Também não se esqueça dos cabelos, eles precisam ficar curtos, pois nesse estilo eles ficam estranhos quando passam do meio do braço.

                                                       Beijos!!
                                                       Gabi.

PS: Já interpretei você com todas as roupas que falei e ficou perfeito. Seu corpo e sua cor se encaixaram bem.

                                                       Mais beijos.
                                                       Gabi.

Realmente eu não deveria ter ficado tão entusiasmada com uma carta da Gabi. Foi assustadora.
Dobrei e guardei dentro da mochila. Era exagerada, mas de muito bom gos-to.
Alex desceu do carro e deu a volta em frente dele, parou ao lado de minha porta para abri-la. Saí e peguei em sua mão. Como ele era educado. Meu Deus! Que sonho.
Andamos até o pátio principal. Onde se encontrava Nani, sozinha.
- Oi Nani. – eu a cumprimentei.
- Olá Ariane. – Alex falou mais formalmente
- O... Oi! – ela gaguejou olhando para Alex.
Logo Iza chegou seguida por Caio e depois Nanda, que veio acompanhada de Gisele. Ficamos conversando até o sinal tocar. Ignorei ao máximo a Gisele.
As aulas passaram rapidamente e foram prazerosas, já que fiz Alex sentar longe dela.
Depois da aula senti meu coração acelerar. Ia para meu primeiro dia numa autoescola. Alex me levou e ficou lá esperando até eu sair.
A escola ficava próxima a minha casa. As primeiras aulas seriam teóricas e depois na prática.

Assim foi por um mês. Em dez aulas eu já havia tirado a carteira.


JUNHO


20 de junho!
Já poderia dirigir a minha BMW.
Eram quinze aulas, mas eu já estava preparada então só fiz dez. Não fiz nenhum erro na aula prática.
Óbvio que suspeitei de meu pai ter subornado o instrutor.

Acordei com o vento batendo na janela, estava frio, mas mesmo assim meu entusiasmo me fez levantar cedo e disposta. Pela primeira vez iria para a escola dirigindo.
Arrumei-me apressada. Coloquei uma calça jeans tradicional, um sobretudo bege e um par de botas de couro. Gabi adoraria me ver assim. Corri para o primeiro andar e tomei o café mais apressada ainda.
Alex ainda não havia chegado, então resolvi buscá-lo. Entrei no carro já hesitando. Iria dirigir sozinha!
Comecei devagar, lembrando das instruções do professor e logo estava voando com aquele possante.
Cheguei na casa de Alex. Ele já estava pronto para sair com o Astra quando me viu parada no seu jardim. Mesmo ele de lado conseguiu reparar no carro. Nisso que dava ter um BMW serie 7 ActiveHybrid.
- O que está fazendo aqui? – ele perguntou encostando-se na porta ao meu lado e com um sorriso reluzente.
- Vim buscar meu namorado. Sou uma nova motorista. – falei cheia de orgulho.
- Está certo. – ele respondeu dando a volta no carro e entrando no outro lado – Vamos embora!
Dei uma risada e saí sem hesitar.
Chegamos na escola em pouquíssimos minutos. Eu exagerava no velocíme-tro. Fomos uns dos primeiros a chegar, pelo tanto que corri. Alex estava praticamente grudado no banco, tão assustado. Sem querer eu ri.
- Não ri. Você é um monstro no volante. Como te deixaram passar?
- O carro da autoescola não chegava a essa velocidade. – eu respondi rindo.
Descemos do carro e andamos até a quadra de futebol. Onde um novo treinador apresentava o time. Senti um vazio ali, sem o Rodrigo.
Reparei Gisele conversando com Marcos, há algumas distâncias de nós. Quando ela nos viu, fez questão de beijar Marcos. Será que estava tentando fazer ciúmes para Alex? Se fosse, não conseguiu, pois ele nem viu ela. Ou não era. Talvez era para mim.
Claro! Tudo fez sentido agora! Ela estava me provocando. Tentando me deixar com medo de perder o amor do Marcos.
Ela estava usando as pessoas que me importavam, que faziam parte da minha vida, para me atingir. Só poderia ser. Ela estava me manipulando.
O sinal tocou me fazendo pular. Logo percebi que a escola já estava lotada.
Alex pegou em minha cintura e me levou até a sala junto aos seus braços fortes.
Desta vez foi impossível sentar longe dela. E mais impossível foi suportá-la.
As aulas se arrastaram lentamente, mas logo acabaram.
Era quinta feira, então eu não trabalharia. Poderia fazer algo que estava planejando há muito tempo.
Alex e eu entramos no carro e eu saí, levando ele para casa.
- Mor, - comecei – só você não era louco naquela escola?
- Não. Era eu e a Gisele. Os outros eram loucos.
- Sei não se a Gisele também não é. – comentei.
- Bia! – ele me advertiu.
Agora estávamos parados em frente a sua casa. Ele me deu um beijo calmo e rápido, em seguida desceu do carro.
Dei meia volta e fui em direção a minha casa. Esperando encontrar meu pai lá.
Estacionei e corri para dentro de casa. Para meu alívio, Paulo estava.
Ele estava sentado em sua tradicional poltrona na sala de estar lendo o jornal e nem reparou na hora em que entrei.
Larguei a mochila em cima do sofá e fui diretamente a ele.
- Pai, o Joseph, diretor daquela escola no Rio de Janeiro, mora lá mesmo no Rio?
Paulo continuou a fitar o jornal quando me respondeu:
- Não. Ele não era tão idiota assim para morar perto de sua escola clandes-tina.
- Então? Onde ele mora? – insisti.
- Na cidade de Cruzeiro. Divisa entre São Paulo e Rio de Janeiro.
- Mas ele está preso, não é?
- Mais ou menos. Está em prisão domiciliar. Ele cometeu um crime, cons-truindo uma clínica clandestina, mas também ajudou de verdade a muitos loucos.
- Em que bairro ele mora?
Paulo abaixou o jornal e me fitou com indiscrição.
- Posso saber o porque destas perguntas?
Tentei disfarçar a minha pressa.
- Preciso matar uma curiosidade.
Ele assentiu.
- É em um sítio, creio que tenho o nome dele, na cidade de Cruzeiro, mas o bairro, não sei.
- Está bem.
Peguei minha mochila em cima do sofá e corri para o segundo andar. Tranquei-me no quarto e peguei meu Notebook. Digitei Cruzeiro no guia de busca de mapas. Puxei a imagem da cidade por satélite. Não parecia ter muitos sítios, então seria fácil. Digitei Sítio Joseph Waller Silva e o satélite mandou o endereço exato do local. Imprimi as fotos e o endereço, decidida a encontrá-lo.
Voltei para o jardim, onde tinha deixado meu carro. Meu pai não percebeu quando passei correndo por ele.
Entrei no carro e saí. Seria uma longa viagem, mas eu correria ao máximo. E teria que prestar atenção aos radares.
Cheguei logo na rodovia Gov. Carvalho Pinto. Tive que pagar alguns pedá-gios. Segui na rodovia Pres. Dutra, mais alguns pedágios. Entrei na avenida Francisco Novais e já estava em Cruzeiro.
Tive que pegar o mapa e seguir cada ponto que ele me mostrava. Parei algumas vezes para perguntar, mas agora já estava no sítio Joseph Waller Silva. Fiz em uma hora e meia uma viagem que faria em três horas.
Era imenso, entretanto dava para ver o casarão já do portão.
Havia dois policias na entrada, mas não me barrarão. Deveriam ser os que estavam garantindo a prisão de Joseph.
Continuei com o carro até o jardim da mansão. Lá, parei, desci e toquei a campainha. Uma moça que atendeu.
- Pois não? – ela perguntou educadamente.
- Quero falar com o senhor Joseph. – anunciei.
- Entre. – ela me convidou.
Joseph estava parado próximo a uma grande escadaria que levava para o outro andar. Vi sua expressão parecer surpresa ao me ver.
- Beatriz! Ao que devo a honra?
- Preciso lhe fazer umas perguntas... A sós.
Ele olhou para outro policial ao seu lado e voltou a me olhar.
- Isso seria impossível. – ele falou apontando para o policial.
- Ele não abrirá a boca. – falei, praticamente ordenando.
O guarda me fitou.
Joseph me indicou que lhe seguisse. Logo, estávamos em um grande escritó-rio.
- Pode falar. – Joseph disse.
Sentei em uma cadeira livre, de uma mesa gigante, fiquei de frente para ele.
- Quero saber sobre seus ex-alunos. – comecei – Todos eram loucos?
Ele se inclinou para frente, de modo que ficasse cara a cara comigo.
- Todos... Exceto Alex, mas acho que você sabe disso.
- Quero saber sobre uma.
Joseph ergueu uma sobrancelha.
- Quem?
- Gisele Stoff.
Sua expressão ficou chocada e ao mesmo tempo revoltada.
- Especifique. – ele pediu sem olhar para mim.
- Gisele Stoff, é louca?
Ele voltou a olhar para mim, mas agora encostado à poltrona.
- Não! Ela não é louca.
- Então como falou que somente o Alex não era?
- Já estudou sobre psicopatas? – ele ignorou minha pergunta.
- Um pouco. Pelo que sei, são uns tipos de loucos.
- Não! Psicopatas não são loucos...São piores.
Senti algo abafar minha voz. Medo!
- Vou te explicar: Loucos, são aqueles que não tem consciência do que está fazendo; vivem aprontando e fazendo coisas idiotas por aí; têm um grau de inteligência baixo; tem regulares sentimentos e jamais machucaria alguém se estivesse em sua sã consciência.
Ele continuou:
- Psicopatas não... Eles têm total consciência do que fazem; não aprontam, planejam golpes; têm um grau de inteligência absurdo; poderiam passar por um detector de mentiras facilmente, pois seus batimentos cardíacos e suas atividades cerebrais não se alteram; não têm sentimentos, não amam, não sentem pena, não se magoam, sentem somente inveja, ódio e desejo de vingança; não podem ver alguém feliz que logo querem destruir essa felicidade e machucaria uma pessoa se fosse possível. Até mataria se fosse necessário... E tudo isso sem sentir nada. Eles matam, sem sentir pena, arrependimento ou dor, somente satisfação.
Senti uma corrente elétrica subir por meu corpo, alertando para ter medo, mas eu só consegui olhá-lo. Ele se levantou e andou até a janela mais próxima. Pensei ter acabado, quando ele voltou a falar fitando o lado de fora da janela:
- As mulheres são piores, pois elas são irreconhecíveis. Homens psicopatas são violentos e machistas, por isso são fáceis de identificar. Mas as mulheres... – ele fez uma voz de derrota – Elas têm um poder de camuflagem impressionante. A beleza atraí, a doçura encanta, a falsa história hipnotiza.
“As mulheres são mais discretas, quase não conseguimos perceber um problema psicológico nelas. Por isso, elas têm mais chance de conseguirem o que querem”.
“Só vemos o perigo que uma psicopata pode ser quando ela está pronta para conquistar seus objetivos. Aí já é tarde demais”.
“Psicopatia não tem cura. A pessoa já nasce com ela. Não conseguimos ver quando criança, mas já está átona em sua cabeça. Pode ser a criança que não divide o brinquedo, que tem inveja da boneca da outra, ou a que inventa pra sua mãe que você estava aprontando. Isso pode ser um exemplo de criança psicopata”.
“É impossível vencer um psicopata. A menos que ele morra!”.
Ele parou e continuou a fitar a janela.
- Tudo isso por quê? – perguntei – Essa aula?
- Ainda não entendeu? – ele se virou para mim e olhou com incredulidade.
- Ela é psicopata. – arfei em meia voz.
- Uma das piores que já vi.
Senti minhas pernas balançarem como nunca. A empregada entrou trazendo um copo d’água. Acho que Joseph deve ter pedido, pois eu não conseguia ouvir mais nada, só pensava nela. Tomei a água com a mão ainda tremendo.
Respirei fundo. Ele começou:
- Agora é minha vez. Por que quer saber sobre a senhorita Stoff?
- Ela está infernizando a minha vida. Ela quer o Alex.
Joseph voltou a sentar de frente para mim.
- Eu temia isso. Ela estava apegada demais ao Alex.
- Pior que ela está usando pessoas que eu amo para se aproximar de nós. Não sei como fazer.
- Você é uma menina inteligente, Bia. Conseguiu perceber uma psicopata só em olhar para ela. Não é qualquer um que consegue.
Senti lágrimas rolarem por meu rosto.
- Como devo fazer? – perguntei em uma voz entrecortada.
- Ela não sabe que você sabe do problema dela. Se aproveite disso. Jogue o mesmo jogo que ela.
- Está me dizendo para mexer com as pessoas que ela ama?
- Ela não ama ninguém. Estou dizendo para você tentar afastar as pessoas que ela diz amar.
- O Marcos. – oscilei – Tenho que tirá-lo dela.
- Isso mesmo. – ele assentiu.
Senti a adrenalina pulsar em mim. Eu estava mexendo com o perigo pelas pessoas que amo.
- Muito obrigada, Joseph. – eu disse me levantando – Agora, vou enfrentar uma psicopata.
- Boa sorte, minha cara. – ele me abraçou.
Peguei minha bolsa em cima da mesa. Já estava pronta para encará-la
- Posso falar uma coisa? – o guarda que eu esquecera falou.
- Sim. – Joseph concordou.
- Estou chocado.
Não conseguimos reprimir uma gargalhada, mas o clima de medo ainda estava no ar.
Dirigi-me a porta. Joseph me seguiu e a abriu para mim. Já estava de noite quando saí, deveriam ser sete horas da noite.
- Boa noite, Joseph. – despedi-me.
- Boa noite, Bia. E lembre-se, volte sempre que quiser.
Assenti. Entrei no carro e saí.
Meu coração ainda estava frenético. Tinha que andar mais devagar, pois minhas atenções não estavam totalmente na estrada.
Até que em fim descobri o que Gisele Stoff era. Mais isso era bom? Saber? Agora eu tinha medo. Ela era uma psicopata.
Não precisei do mapa para voltar. Apenas ativei meu GPS para levar para casa. Com aquele GPS eu jamais me perderia.
Cheguei em casa duas horas depois. O Astra de Alex estava encostado próximo ao meio fio, pelo jeito ele havia me procurado. Preparei-me para ser recebida com suspiros de alívios e algumas broncas.
Desci do carro e abri a porta, pronta para qualquer comentário.
- Bia! – minha mãe disse com voz de alívio.
- Onde você esteve? – Alex perguntou me abraçando.
- Também quero saber. – meu pai falou com reprovação.
Tentei parecer sincera na resposta.
- Fui passear um pouco, refrescar a cabeça e esqueci da hora.
- Mas aonde você foi? – Alex insistiu.
Respirei fundo. Eu teria de ser grossa com ele, iria doer, mas era necessário.
- Não sei. O que te interessa? Vocês também não me deixam em paz. – falei e corri para o meu quarto, batendo a porta ao passar por ela.
Alguns segundos depois ouvi uma batidinha familiar na porta, a batida que só Alex fazia. Não conseguiria ignorá-lo de novo.
- Entre. – falei com uma voz entrecortada.
Ele colocou o belo rosto no canto da porta antes de passar por completo por ela. Sentou-se ao meu lado na cama e pegou minhas mãos que estavam enroladas nas pernas.
- O que aconteceu, Bia? Para onde você foi?
Suspirei. Tentaria ignorar esta pergunta.
- Sabe... – comecei – Agora acredito em você. A Gisele não é louca.
- E o que te fez mudar?
Tive de olhar para seu rosto. Sua voz estava diferente, havia mudado. Estava mais grave, mais bela. Mas o assunto não era aquele, teria que continuar:
- Não importa. O que importa é que eu descobri. Ela não é louca, é psicopata. – destaquei cada letra.
- Isso é ridículo, Beatriz.
Levantei da cama largando suas mãos bruscamente. Ridículo era ele, que não acreditava em mim e estava sobre o poder daquela maníaca.
- Ta bom! Não acredita em mim! – falei gritando – Mas quando aquela PSICOPATA acabar comigo você vai se lembrar que eu tentei te avisar. Aí vai ser tarde demais.
- Calma! Só acho que você está exausta e delirando.
Foi o cúmulo. Agora nem ele conseguiria me persuadir.
- Sai daqui, Alex. – falei apontando a porta.
- Como é? – ele perguntou incrédulo.
- Me deixa em paz. Sai daqui. – falei gritando ainda mais e empurrando-lhe do quarto.
Bati a porta e me joguei na cama. Meus olhos estavam encharcados, aos poucos os senti cedendo e se fecharem para um sono profundo.

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