2- OS VALENTYNE
Fiquei por um longo tempo fitando meu BMW parado no jardim de casa. Não estava nem um pouco com vontade de ficar em casa. Primeiro motivo: precisava arejar a cabeça; segundo motivo: existia uma pessoa que estava passando pela mesma situação que eu, e eu precisava vê-lo.
Entrei no carro, pensando que teria de voltar para pegar a chave, quando vi que havia deixado-a na ignição. Suspirei aliviada por aqueles vidros serem escuros e que ninguém poderia ver do lado de fora.
Liguei o carro e saí.
Atravessei toda a rua principal que cortava o bairro, principalmente a que passava em frente à casa de Alex. Continuei direto, meu destino ficava muito longe da casa dele.
Dirigi pelas largas e luxuosas ruas de Alphaville até encontrar uma entrada mais estreita, que levava para um enorme terreno privado. Vaguei por esta estrada até encontrar o grande portão de ferro que guardava a propriedade.
Entrei sem precisar tocar o interfone, já que o portão estava aberto.
Tudo ao redor era de um verde vívido e uma estrada de pedra levava até a frente da grande mansão dos Valentyne.
Eu já assistira a muitos filmes e novelas, e tinha a certeza absoluta que jamais tinha visto uma casa tão grande e tão linda quanto aquela. Tinha as paredes todas brancas, com a varanda feita de madeira de cor variada, e as portas e janelas também feitas de madeira.
Toquei a campainha duas vezes e quem atendeu foi Rodrigo. Ele só estava de bermuda, – como sempre ficava quando estava em casa – os olhos com olheiras tão profundas que parecia ter impregnado no rosto.
Seus olhos me avaliaram da cabeça aos pés.
- Entre. – ele falou dando espaço para mim.
Dei um meio sorriso e entrei.
Por um momento percebi que sentia falta daquela casa. Eu gostava de ir lá quando estávamos namorando.
- Estava precisando desabafar com alguém e você foi à única pessoa que passou pela minha cabeça. – falei reparando a imensa sala que eu adorava.
Era a maior sala que eu achava possível se fazer. Extremamente grande. Toda branca, exceto por uma parede vermelha, onde abrigava um imenso quadro de Monet.
- Então estamos pensando em sintonia. – ele respondeu com um pequeno sorriso nos olhos.
Abracei-o. Sentir aqueles braços musculosos era muito bom.
Permaneci naquele abraço até que ouvi a voz de Suélen e Roberto Valentyne chegando na sala. Eles estavam discutindo com tons assustadores. Nunca tinha visto Roberto agir daquele jeito, ele era sempre tão calmo. Suélen devia ter feito alguma coisa muito forte para alterá-lo daquele jeito.
Percebi que Roberto carregava algumas malas. Algumas não, muitas. Pelo jeito a situação era a mesma da de minha casa.
Olhei para Rodrigo e ele me indicou a escada com a cabeça. Andei até o primeiro degrau e ele parou ao meu lado para passar o braço em meu ombro. Subimos os dois lances de escadas até o terceiro andar, onde ficava o seu quarto.
Eram tantas portas que tentei me lembrar de qual era a do quarto dele. Era a última do corredor, o com espaço maior.
Ele abriu e gesticulou para que eu passasse na frente, depois fechou a porta e se sentou no imenso tapete em frente à cama. Sentei ao seu lado e encostei a cabeça em seu ombro.
Mais do que nunca eu sentia que ele era meu irmão.
- Pelo menos tudo isso serviu para alguma coisa. – ele declarou.
- Pra quê? – perguntei confusa, a cabeça ainda encostada em seu ombro.
- Para eu ver que já tenho vinte anos e preciso sair das asas dos pais. Dependo da minha mãe para tudo e ainda sou presenteado com um carro sempre que faço algo bom. Isso está errado. Eu deveria trabalhar para pagar a faculdade e não receber mesada. Não sou mais um garoto.
- Deve ser frustrante acordar um dia e se tocar que cresceu e não é mais o mesmo que pensava ser. – refleti.
- Não sabe como. Você pelo menos trabalha, tem um namorado responsável, vários amigos e uma cabeça formada. Já eu, só faço faculdade que o Roberto banca, ganhava carrões sem mais nem menos, só tinha cinco amigos que mais pareciam uma gangue. Nós resolvíamos tudo na pancadaria e não é bem assim. E tudo que eu queria era só choramingar para a minha mãe. De repente, descobrir que tudo mudou e você se toca que não é mais um adolescente, mas um adulto... Não é fácil.
Nossa! A situação dele realmente era pior.
- Não deve pensar assim. – falei, puxando seu rosto para ficar de frente para mim. Logo me arrependi, sua boca ficou a centímetros da minha.
- É a realidade, Bia.
- Seus pais vão se separar? – perguntei tentando mudar o assunto.
- Não. Minha mãe vai se separar de Roberto, não do meu pai.
Logo entendi, o pai dele era o meu pai.
- Engraçado. – ri – Agora somos irmãos.
Ele uniu as sobrancelhas. Seu rosto ainda estava bem próximo ao meu e esta frase o fez se afastar um pouco.
- Não de sangue. – ele tentava de algum jeito continuar no círculo que vivia.
- É.
- Falando nisso, já descobriu quem são seus pais?
Respirei fundo antes de responder.
- Eles morreram.
- Sinto muito. – desta vez ele se aproximou muito.
Consegui virar o rosto e ele beijou apenas minha bochecha. Quando virei reparei algumas malas amontoadas no canto de seu quarto. Agora todos decidiram ir embora?
- Vai embora? – perguntei.
- Preciso sair desse mundo de fantasia que eu vivo. Vou morar com o meu pai. Sempre gostei do Paulo, será bom morar com ele.
Assenti conformada.
Olhei através da janela e vi a escuridão que se arrastava do lado de fora. Parecia que havia passadas apenas algumas horas. Porém, o tempo em que Carla me contou a história e o tempo em que dirigi até a casa de Rodrigo foi o que bastou para consumir todo o dia.
- Preciso ir embora. – falei me levantando.
Rodrigo também se levantou e me abraçou com força.
- Te amo. – ele sussurrou.
- Também te amo. – respondi.
- Você sabe que meu amor é diferente.
- Sei. – falei me afastando.
Ele pegou a minha mão e me conduziu até as escadas. Descemos com um humor melhor do que antes. Não tirei minha mão da dele, pois agora éramos irmãos.
- Me dá uma carona até a sua casa? – ele perguntou quando chegamos no último lance de escada – Preciso pegar o Mercedes do Paulo.
- Tudo bem. – falei.
Ele voltou pelas escadas enquanto eu continuava descendo.
Na sala encontrei Suélen chorando no sofá enquanto Roberto levava as últimas malas para o Ford Fusion prata. A expressão de Roberto era raivosa, ele tinha certeza do que fazia. Já Suélen estava arrependida.
Agora não adiantava de nada se arrepender, o estrago já estava feito. Eu já sabia o maior segredo de todos e nossas famílias estavam destruídas.
- Sabia que você foi a pior coisa que apareceu na minha vida? – Suélen falou olhando para mim.
Eu não acreditava que ela me culpava pelas idiotices que havia feito no passado.
- Você que é uma cobra, Suélen. – respondi sem dó – E das peçonhentas. O único defeito é você ser burra, porque falou algo que pensou ser benefício para você e acabou dando tudo errado. Seu veneno saiu pela culatra.
Ela começou a chorar mais.
Rodrigo apareceu com as malas na mão e ouviu o final da conversa.
- Mãe, cala a boca e deixa de ser tonta. Você quem foi idiota.
Isso bastou para ela soluçar de tanto chorar.
Saímos carregando as malas e colocamos dentro do porta-malas de meu ActiveHybrid7. Roberto já estava saindo com o carro quando Rodrigo gritou:
- Já sabe onde vai ficar?
Ele parou o carro.
- Vou passar um tempo em algum hotel e depois me mudo para algum lugar.
- Tem uma casa vendendo ao lado da minha. – interrompi a conversa dos dois.
- Eu passo ver. – Roberto garantiu e depois saiu.
Roberto era um homem de aparência séria, alto, o rosto pálido com um nariz um tanto grande, usava óculos e tinha o corpo magro. Realmente, não parecia em nada com Rodrigo.
Rodrigo e eu entramos no carro e eu dirigi em direção a minha casa. Agora com mais pressa e satisfação, porque veria Alex. Passei em frente a sua casa e não vi o Astra sedan verde-fosco. Isso significa-va que ele já estava lá.
Pisei mais fundo no acelerador e voei com o carro. Até havia me esquecido que Rodrigo estava ali, adorando minha imprudência.
Cheguei e estacionei ao lado do Astra. Saímos juntos do carro e ele andou até a garagem. Eu estava com tanta pressa que nem o ajudei com as malas, apenas corri para a porta da frente.
Ele estava ali, batendo o pé, como sempre fazia quando estava aflito. Não consegui reprimir o sorriso que se abriu em meu rosto ao ver ele tão lindo daquele jeito.
- Oi. – falei com timidez.
- Olá. – ele respondeu olhando para mim com reprovação.
Peguei em sua mão e o arrastei pela escada até o meu quarto. Já no segundo andar ouvimos um carro saindo da garagem. Alex me olhou cauteloso.
- É o Rodrigo pegando o Mercedes do meu pai.
- Ah, ta. – ele assentiu.
Entramos em meu quarto e eu encostei a porta. Ele se sentou na minha cama e começou a avaliar minhas expressões.
- Sabe, - falei deitando atravessada na cama e encostando em sua coxa – meu nome é Beatriz Luiza Vasconsellos desde o dia em que minha mãe morreu.
- Sua mãe morreu? – ele sobressaltou.
Peguei a foto que estava dentro do meu bolso e entreguei a ele.
- Minha mãe e meu pai. Ele morreu por drogas, ela morreu por amor a mim.
Ele fitou a foto enquanto eu contava a história. Quando terminei ficamos em silêncio, até ele romper.
- Você é idêntica a sua mãe.
- Fico feliz por poder ouvir isso, finalmente.
Ele me abraçou e beijou o canto de meu pescoço.
- Fico feliz por ter resolvido sua história. – ele falou com a boca ainda encostada em meu pescoço.
Senti arrepios tomar meu corpo. Ele me deixava completamente louca. Seus olhos pareciam me chamar, seu sorriso me hipnotizavam, seu corpo me atraia, e atraia de um jeito perigoso.
Já tínhamos quase caído na tentação várias vezes e a única coisa que ele dizia era que era arriscado e qualquer erro bastava para mudarmos nossa vida radicalmente, mas nunca tínhamos conversado sobre isso de verdade.
Pensei se não era cedo demais para aquele tipo de conversa. Tive certeza que não, pois já namorávamos a mais de um ano, estava na hora.
Ele ainda beijava meu pescoço, suas mãos subiam e desciam por minha cintura provocando arrepios muito maiores.
- Alex! – protestei – Precisamos ter uma séria conversa.
Ele hesitou e desencostou de meu pescoço, sua mão ainda em minha cintura. Seus olhos me fitavam com cautela e desconfiança.
- Sobre o quê? – sua voz estava mais desconfiada ainda.
- Deixa-me corrigir a frase. – hesitei – Precisamos ter a conversa!
Ele riu, jogando o pescoço para trás.
- Minha mãe já teve esse tipo de conversa comigo. – ele respondeu com ironia.
- Não vou te explicar o que é, mas resolvermos isso entre a gente. – minha voz saiu mais séria.
- Já falei o que penso sobre isso, Bia. Se decidirmos fazer isto uma vez não conseguiremos mais parar, e qualquer deslize nossa vida muda completamente.
- A verdade é que você não me acha atraente.
Claro que era verdade. Eu nem parecia uma garota. Está certo que Gabrielli – a irmã de Alex que estudava no exterior – tinha me transformado em uma menina mais “feminina”, mas eu ainda era a velha Beatriz que andava de skate e se amarrava em roupas mais confortáveis a preferir vestidos apertados e salto alto.
E ele, não tinha nem comparação. Era um garoto irresistível que tinha um péssimo gosto para escolher namorada.
- Claro que não é isso, Bia! – sua expressão era de mágoa – Você é a única pessoa nesse mundo com quem eu teria uma relação sexual.
Hesitei ao ouvir a palavra. Não era nada fácil ter aquele tipo de conversa.
- Quantas pessoas fazem isso e ficam anos sem engravidar? – também colo-quei aquela palavra em jogo.
- Bia... – ele pegou minha mão e apertou nas suas – Só acho que devemos pensar mais nisso. Quando estivermos realmente certos da nossa decisão, faremos.
Vi que aquelas palavras eram para finalizar a conversa.
Ótimo! Continuamos na estaca zero. Pensei que finalmente colocaríamos o assunto em aberto, mas continuou do mesmo jeito que estava antes.
Afundei minha cabeça em seu peito e decidi não pensar mais no tema. Pelo menos só tínhamos dezoito anos, então teríamos muito tempo pela frente. Bom, só eu tinha dezoito, ele ainda faria aniversário, dali dois meses. Resolvi usar esse pensamento para voltar ao assunto, só que de um jeito mais descontraído:
- Só não quer fazer isso agora porque não está a fim de perder sua virgindade com uma garota mais velha.
Sua gargalhada foi tão intensa que me fez tremer junto com seu peito.
- Você é muito metida com relação a nossa diferença de idade. – ele disse com sarcasmo – Sou só alguns meses mais novo do que você.
- E isso é o bastante para seu ego não deixar fazer o que quer.
- O Rodrigo era assim com você?
A pergunta me sobressaltou. Como assim Rodrigo?
- Não. Nunca conversei com ele sobre isso. – respondi desconfiada.
- Por que não? Vocês nunca...
- Não! – arfei – Claro que não. Jamais!
Ele estava pensando que eu já havia feito sexo com Rodrigo? É claro que não! Nunca amei Rodrigo o suficiente para isso. Na verdade, nunca amei Rodrigo o suficiente para nada.
- Sério? – Alex perguntou e abriu um sorriso tão grande quanto eu achava ser possível. – Sempre pensei que vocês fossem do tipo mais moderno de namorados.
- Ele era, mas eu nunca permiti isso. Jamais me interessei.
Seu sorriso se alargou ainda mais. Logo ele estava me abraçando, com os lábios encostados em meu pescoço.
- Não sabe o quanto é bom ouvir isso. – ele sussurrou próximo ao meu ouvido.
Outra vez estávamos entrelaçados; ele com as mãos em minha cintura, as pernas cruzadas ao redor de meu corpo e se encontrando atrás de minhas costas, os lábios beijavam meu pescoço e meu ombro.
Resolvi abusar da sorte e ver até onde iríamos se eu ignorasse a resposta dele.
Coloquei minhas mãos em seu cabelo enquanto meus lábios tocavam sua orelha. Tentei virar seu rosto, na intenção de tocar seus lábios. Ele se virou e passou a beijar minha boca, enquanto eu, fingindo inocência, penetrava a mão em sua camisa.
Mas ele se afastou.
- Tudo bem! Vou parar com isso. – falei corando.
Alex suspirou e abriu o sorriso torto que me deixava tonta.
- É melhor eu ir embora. – ele falou ainda com o sorriso no rosto – Já passa das dez da noite e temos aula amanhã.
Já tinha até me esquecido! Aula no outro dia. Tínhamos faltado naquele dia por conta de minha crise de identidade e estávamos atrasados na matéria.
No dia anterior, havia descoberto que meus pais não eram meus pais biológicos e por conta disso dormi fora de casa, sem saber onde estávamos... A consequência foi que perdi o segundo dia de aula depois da minha recuperação de um trágico acontecimento com uma psicopata, há dois meses atrás.
- Faltei no meu segundo dia de aula. – falei rindo.
- Pior que já estamos nos últimos bimestres. Com certeza você vai ficar em recuperação. – sua voz era de preocupação.
Suspirei alto.
Férias de verão na escola.
Alex se levantou da cama abruptamente, fiz o mesmo. Acompanhei-o até a porta da frente e esperei até ver o Astra sumir na primeira esquina. Fiquei parada em frente à porta, os braços cruzados acima da barriga para conter o frio.
Estava uma noite bonita. O céu claro pelo brilho da lua, cada ponto de estre-la cintilava.
Aquele tinha sido o dia mais longo da minha vida. Resolvi o problema sobre minha identidade e descobri quem eram meus verdadeiros pais: Bárbara e Diogo. Finalmente eu podia dizer que era parecida com minha mãe, e tinha algumas semelhanças com meu pai. Diogo era tão lindo, foi uma pena ter se metido em drogas. Pelo menos eu sabia que Alex jamais se meteria em tal coisa.
Meus pais adotivos tinham se separado. Agora, esta casa imensa era só minha e de Carla. Aquela seria a primeira noite que dormiríamos sem Paulo Ricardo. Mas ele estava morando próximo dali, não o bastante para poder vê-lo todos os dias, mas o suficiente para ver às vezes.
Agora poderia viver em harmonia com Rodrigo, já que éramos irmãos. Não tecnicamente, só na consideração.
Alex decidiu continuar no zero a zero que estávamos, isso era horrível, mas eu iria suportar.
Um vento forte soprou na varanda, cruzei mais os braços no corpo, porém não continha mais o frio. Decidi entrar e tomar um banho.
Fiquei por um longo tempo debaixo da água quente, até que meus dedos começaram a enrugar. Desliguei o chuveiro e vesti o primeiro pijama que achei, depois desabei na cama, mesmo sem sono.
Peguei meu aparelho de MP8 e liguei baixo em meu ouvido, só para tentar dormir. Eu não conseguia me concentrar na música o suficiente para relaxar, então desliguei o aparelho e recorri ao Micro-System. Coloquei o CD de música erudita de Alex e comecei a ouvir baixo.
Enquanto ouvia o som relaxante dos violinos e violoncelos a imagem de minha conversa com Rodrigo surgiu. Ele falara sobre crescer, se tornar adulto de uma hora para outra. Era muito frustrante pensar que um dia você vive com os pais, tem tudo de mãos beijadas e ainda podia brincar como um adolescente; e no outro perceber que já está velho, já devia ter estudado, ter um emprego e ainda não tem nada.
Meus problemas eram minúsculos perto dos que Rodrigo iria enfrentar.
A família Valentyne estava destruída, muito mais destruída do que a minha. Cada membro daquela respeitada, rica e poderosa família tinha se separado. O filho pródigo fora morar com o pai que há pouco tempo não sabia que era seu pai; a mulher, esposa mais invejada e copiada havia sido infiel e abandonada; e o marido lindo e desejado tinha sido traído e saíra de casa sem rumo. Nada havia restado da família de banqueiros.
A família Vasconsellos também tinha sido destruída, mas de um jeito mais natural, a única mudança era que o marido rico, empresário e atencioso tinha ido morar em sua casa na outra cidade.
Eu sabia que de manhã, quando abrisse o jornal da cidade, veria a notícia de que as duas famílias mais poderosas de Barueri tinham se desfeito. Seríamos motivo de fofocas por muito tempo. Um escândalo! Mas um dia iria acabar.
Conseguiria me adaptar com a vida de separação entre Carla e Paulo, entre-tanto, Rodrigo conseguiria? Ele que sempre foi acostumado com a vida boa. Não seria nada fácil, ele iria precisar de alguém apoiando-o, uma irmã.
Finalmente, o som da música clássica começou a se tornar um ruído de fundo, sereno e relaxante. Até o minuto em que ela sumiu e a exaustão me empurrou para o fundo da inconsciência.
A luz do sol forte me fez acordar de um longo sono. Dormir, sem sentir pontas de grama pinicando e água nos seus pés, era bom.
Olhei o relógio na cabeceira, eram apenas seis da manhã. Levantei disposta. Tomei um banho rápido e escolhi minha roupa – estava extremamente quente, então resolvi vestir um vestidinho básico, cor de caramelo. Penteei o cabelo de modo que caísse em ondas até um pouco abaixo do ombro. Calcei uma sapatilha e desci para a cozinha.
Minha mãe estava sentada sozinha ao redor da imensa mesa. Sentei onde havia um copo de leite com chocolate – que sem duvidas era para mim – de frente para ela. Ela me deu um sorrisinho, retribuí sem muito entusiasmo, depois tomei um gole do leite.
Carla girava uma omelete intocada no prato, parecia infeliz.
- A casa sem ele é vazia. – ela começou.
Apenas assenti. Não tinha nada a ser dito.
- Mãe?! – hesitei – Ontem, você falou que teve inveja da Bárbara estar grávida porque você jamais poderia ter um bebê. O que você quis dizer com isso?
Ela hesitou e largou o garfo no prato. Parecia ser um assunto delicado.
- Fiquei sabendo isso quando era adolescente. – ela falou – Eu crescia e desenvolvia como as minhas amigas, mas nunca recebi a menstruação. Quando fui ao médico ele me disse que não tinha desenvolvido internamente e que isso jamais aconteceria, assim, eu nunca poderia ter filhos. Foi a pior notícia da minha vida. Sempre sonhei em ter uma menininha, e você foi o meu melhor presente.
Fiquei pasma com a história. Eu nunca teria um irmãozinho... Que bom!
Continuei o café em silêncio. Carla largou em cima da mesa a omelete intocada e se encostou à bancada ao lado da mesa.
- Vamos nos acostumar. – estimulei, referindo-me a vida sem Paulo.
Era difícil ver minha mãe daquele jeito, infeliz e perturbada.
Ouvi o som de um carro encostando no jardim. Meu coração fez loops dentro do peito, me fazendo esquecer de todo o resto. Pela visão periférica pude ver Carla sorrindo satisfeita com minha reação.
A campainha tocou e a empregada, que estava na sala, atendeu. Virei o rosto, cheia de expectativas. Alex estava divino: uma bermuda jeans claro-desbotada; a camisa branca caindo por cima da bermuda do lado direito e presa do lado esquerdo, deixando-o mais lindo por estar bagunçado; os cabelos arrepiados, sem nenhum vestígio de gel; e pela primeira vez, o vi com um tênis All Star, preto. Ele andou até onde eu estava, com o sorriso torto que me deixava tonta.
- Bom dia, Carla. Vamos, Bia? – ele falou me abraçando por trás da cadeira.
Assenti e me levantei, decidida a pegar meus materiais no segundo andar. Peguei, depois saímos para o jardim.
- Vamos com o meu carro. – falei cheia de decisão.
- Tudo bem. – ele respondeu andando até a garagem.
Entramos no ActiveHybrid7, eu hesitante. Fazia tempo que dirigi pela última vez. Fazia dois meses, desde quando dirigi até o aeroporto na intenção de me encontrar com uma psicopata.
Liguei o carro, vendo se me lembrava de tudo, logo estava dirigindo como uma louca.
- Devagar, Bia! – Alex arfou ao meu lado.
Percebi que o velocímetro estava chegando aos 140 Km/h, então reduzi, sabendo que com aquela velocidade já estávamos bem perto da escola.
O estacionamento estava vazio, assim pude estacionar em um bom lugar, perto do pátio. Alex foi o primeiro a descer, imitei-o. Andamos até um grupo de mesas de madeira, que pareciam de piqueniques e nos sentamos de frente um para o outro, apenas nossas mãos se tocavam sobre a mesa.
Aquela mesa nos separando me fez lembrar dos tempos em que ele fora embora. Eu sabia que ele estava perto de mim, mas que algo nos separava. Pensando assim, recordei de quando ele voltou, sabendo de tudo que eu tinha vivido sem ele.
- Alex? – comecei – Lembra do dia em que nos reencontramos... – ele assentiu me incentivando a continuar – e você sabia de tudo sobre mim?
- Lembro sim... Por quê?
- Quem te contava sobre meu emprego, sobre o Marcos, tudo?
Ele hesitou e ficou pensativo antes de responder.
- A Fernanda.
Sobressaltei com a resposta. A Nanda? Ela parecia tão natural, como conseguia?
- Antes de ir embora, pedi para ela se aproximar ao máximo de você e me contar tudo. – ele continuou – Eu necessitava saber.
- E como foi para você quando ela contou sobre o Marcos?
Ele começou a fitar nossas mãos entrelaçadas sobre a mesa, seus olhos estavam angustiados.
- Fiquei feliz por você parecer estar se adaptando a vida sem mim, mas nunca consegui conter a dor que aquilo foi. Por muito tempo acreditei que tinha me esquecido, isso me destruiu muito, muito mais que o dia em que te deixei. Foi como se eu não conseguisse respirar por séculos.
Naquela hora tive vontade de bater em mim mesma. Como pude ter ficado com Marcos? Eu tinha traído Alex, a pessoa mais importante no mundo.
- Não queria ter me envolvido com ele, mas você me pediu na carta. – tentei amainar a culpa de minhas costas.
- Eu sei. Nunca disse que a culpa era sua. – o sorriso voltou a brotar em seu rosto.
Também sorri, decidida a não tocar mais no assunto.
O sinal tocou e logo vi que a escola já estava lotada. Andamos até a sala de aula de mãos dadas e nos sentamos juntos. A professora entrou distribuindo umas provas que ela tinha anunciado na aula passada – aula em que faltamos. Fiquei aliviada por estar sentada ao lado do “nerd”.
Lembrei da última vez que tinha chamado Alex de nerd: a primeira vez que o vi, tive raiva, o nerd que atrapalhava a sala de mentir que não tínhamos estudado a matéria da prova, e hoje ele era meu namorado. Que irônico!
Comentem o capítulo ali embaixo!
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