9- COMO SE FOSSE PRECISO PERGUNTAR!
Eles voltaram para o carro e meu pai saiu com um sorriso irônico. Alex também respondia a esse sorriso.
Não havia percebido que já era de noite, a escuridão era grande do lado de fora do carro.
- Já vamos voltar para São Paulo? – perguntei
Alex bocejou mostrando cansaço, meu pai também estava com uma aparência exausta.
- Vamos dormir em algum lugar e iremos amanhã de manhã. – respondeu Paulo.
- Dormir aonde? – insisti.
- Em um hotel cinco estrelas. Aposto. – respondeu Alex.
Meu pai sorriu e assentiu.
Ficamos em silêncio até chegar. Não havia percebido que havia adormecido no carro, apenas senti os leves cutucões de Alex me acordando.
- Chegamos Bia. Vamos?
Fiz que sim com a cabeça lutando para me mexer.
Ainda não havia me adaptado à luz quando andava pela recepção do hotel. Alex me levou sem mesmo marcar um quarto com a recepcionista. Meu pai deveria já ter feito.
Cambaleei até chegar no quarto, mas enfim atravessei a porta e debrucei no sofá. Adormeci uma fração de segundos depois.
Senti os braços deliciosos de Alex me carregando. Eu deveria ter ficado constrangida se não fosse o sono. Ele me colocou em uma cama macia e grande. Era de casal. Lutei para abrir os olhos.
- Cadê meu pai?
- Já está dormindo. Está muito exausto.
Esforcei-me para manter acordada.
- Aonde?
- No quarto ao lado. Ele dormiu com a roupa do corpo.
- E você vai dormir aqui?
Vi sua testa franzir.
- Claro que não. No quarto onde seu pai está tem duas camas de solteiro, vou dormir lá.
Queria insistir para ele ficar, mas senti a fadiga me vencer, em meio segundo a escuridão me cegou. Senti meus membros desabarem e meus olhos cederem. Estava tão cansada que nem mesmo sonhei.
No outro dia acordei com o forte sol atravessando a janela. Abri os olhos tentando reconhecer o quarto e encontrei Alex parado na porta me olhando.
- Feliz aniversário. – ele falou.
Sentei na cama estranhando o que ele acabara de falar.
- Hoje é dia 14 de maio, Bia. É seu aniversário. Não me diga que esqueceu!
Ele tirou uma das mãos que estava atrás das costas e mostrou um belo embrulho rosa, esticando em minha direção.
- Presente? – perguntei com irreverência.
- Você vai gostar.
Peguei o embrulho e abri com ferocidade. Era um livro, exatamente o que faltava para a minha coleção: A Breve Segunda Vida de Bree Tanner: Uma Novela de Eclipse – de Stephenie Meyer. Olhei para o livro e fiquei maravilhada.
- Obrigada. – sussurrei.
Ele assentiu, sentando ao meu lado.
- Meu pai ainda não acordou?
- Não. Dorme igual pedra.
Ele brincava com meu cabelo jogando por sobre o ombro. Senti um leve arrepio descer por meu corpo e o desejo outra vez me afrontava. Beijei seus lábios com força indo a sua direção, até que ele me limitou. Senti suas mãos me afastarem e olhei injuriada.
- Não, Bia, por favor.
- Por quê? Meu pai está dormindo então...
- Ganhei a confiança de seu pai com muito esforço e não vou perdê-la assim de uma hora para outra e também, temos sonhos, não estamos preparados, qualquer deslize e nossa vida muda completamente.
Respirei fundo e me levantei.
- Vou tomar banho.
Olhei para seu belo rosto. Sua expressão era de desculpa, voltei e sentei em seu colo dando-lhe um beijo na bochecha.
- Muito obrigada, pelo livro, viu, adorei mesmo.
- Que bom. – seu sorriso foi satisfatório.
Levantei e procurei o banheiro.
A água era quente e confortante. Estava relaxada com o banho quando meu celular tocou. Não queria ter que sair, mas já estava ali a mais de vinte minutos. Saí e atendi.
Era minha mãe.
- Mãe?
- Parabéns Bia! – ela gritou e parecia chorar. – Nem acredito, minha menina já tem 18 anos.
De repente um choque de realidade.
Dezoito anos? Eu já era maior de idade. Nossa. Quanto tempo mesmo.
- Hã... Obrigada mãe.
- Vocês voltam hoje, não é?
- Sim. Mãe você nem disfarça que está fazendo uma festa, não é?
Minha mãe era péssima em mentiras.
- Que isso, Bia. Vai sonhando.
- Prometo fingir que estarei surpresa quando chegar, viu.
Ela riu.
- Se houvesse alguma coisa.
- Aé. Mãe. Tenho que desligar.
Eu já havia me trocado, estava já saindo do banheiro.
- Tudo bem. Tchau.
- Tchau.
Desliguei.
Andei até a sala. Alex estava sentado em frente a grande televisão comendo alguma coisa que não vi o que era. Parecia que ele tinha pedido o serviço de quarto completo. Ele olhou para mim e sorriu.
- Seu pai falou que eu podia pedir o que quisesse.
Soltei uma risada alta e me sentei ao seu lado.
- O que tem aí? – perguntei olhando por sobres as bandejas.
- Muita coisa gostosa, escolhe.
Peguei uma fruta e me encostei ao seu ombro para assistir a televisão também.
Estava passando um filme chato, de ação. Levantei e saí para a varanda. A vista era linda, dava exatamente para a praia de Copacabana. De repente lembrei:
- Você prometeu que andaríamos pela praia.
Seu sorriso torto se abriu.
- Quer ir agora?
- Só vou trocar de roupa.
Corri para o quarto pegar a mala. Havia tantas roupas que mais parecia uma viagem de um mês até o Havaí. Tentei pegar algo bonito e confortável, achei uma blusinha e um mini short perfeito para passear, vesti e saí.
Alex analisou meu short com uma sobrancelha erguida, mas não falou nada. Saímos do prédio e fomos andar no calçadão de Copacabana.
Estava uma manhã ensolarada e agradável. A praia não estava muito cheia, então deu para mergulhar no mar. Depois de passarmos um tempo na água começamos a andar pela praia de mãos dadas.
- A Gisele foi sua única amiga daquela escola? – perguntei.
Ele hesitou antes de responder.
- Sim. Ela que veio conversar comigo alguns dias depois que cheguei. Falou que eu era o único normal de lá então queria ser minha amiga e como eu concordava, deixei.
- Será que ela é equilibrada mesmo?
Ele se virou e me fitou.
- Por que, está sabendo de alguma coisa?
- Não. Só a achei “esquentada” demais.
Uma gargalhada saiu de sua boca.
- Isso ela é mesmo.
Aproximei-me mais de seu corpo e lhe dei uma espécie de abraço, quando senti alguma coisa em suas costas.
- O que é isso? – perguntei apertando suas costas.
- Enquanto você dormia ontem no carro seu pai me levou a um hospital e eles colocaram um curativo aí.
Dei sinal de que entendi.
Andamos mais um pouco pela praia e voltamos para o hotel. Meu pai já acordara e estava tomando o café da manhã.
- Onde estavam? – ele perguntou.
- Andando pela praia. – respondi.
Ele assentiu.
- Vão trocar de roupa porque daqui a pouco iremos embora.
Assentimos e fomos nos trocar.
Não queria ir embora, estava bom ficar naquele paraíso tropical, mas tínhamos que ir para minha mãe fazer minha festa. Minha festa. Revirei os olhos pensando na festa.
Quem tanto estaria? Será que Gabi poderia ir? E Max e Luiz? Estava com saudades deles.
Alex me ajudou com as malas, outra vez, levando-as para o porta-malas do Porsche enquanto eu ajudava Paulo a pagar o hotel.
O caminho até o aeroporto foi tranquilo e quieto. Eu analisava a paisagem enquanto passava por elas, ou podia. Paulo corria feito vento, então as coisas pareciam apenas borrões, mais ainda sim eu podia ver as pessoas olhando pasmadas para o Porsche Carrera GT prata. Era mesmo lindo e veloz.
Alex se divertia com a velocidade do carro enquanto eu me encolhia de medo por bater em alguém ou em outro carro.
Chegamos ao aeroporto e – como na vinda – fomos direto para o portão de embarque e entramos no avião particular. Que parecia o mesmo de ontem.
Passei a viagem inteira abraçada com Alex. Depois de 30 minutos já estávamos em São Paulo. O clima mais frio e poluído já estava no ar, era ruim e ao mesmo tempo reconfortante, porque finalmente estava em casa.
Voltamos ao Porsche e continuamos o caminho até em casa.
Comecei a refletir sobre a suposta festa que minha mãe estava fazendo. Ela sempre extravasava na hora de convidar as pessoas, esperava que ela tivesse convidado poucos dessa vez. Não estava a fim de ser a atenção de vários olhares, mas por outro lado, eu ganharia vários presentes.
Meu pai estacionou em frente à porta da frente, pude ver que a casa estava muito silenciosa, então todos já estavam me esperando. Que ótimo. Faz cara de paisagem e fingi surpresa – precisei lembrar a mim mesma.
- Fica perto de mim. – sussurrei para Alex.
Ele me fitou pelo canto do olho.
- Tenho certeza que minha mãe fez uma festa para mim. – tentei explicar.
Ele bufou.
Coloquei a mão na fechadura e abri devagar. Os gritos já prontos para ecoar em meus ouvidos: Surpresa!!! E eu tendo que responder: Gente! Não precisava. Estou tão surpresa! Abri a porta e não estava errada. Um coro de voz ecoou ao mesmo tempo:
- Surpresa!!!
Pude ver que mais uma vez minha mãe tinha extravasado nos convidados, mas pelo menos eram todos amigos. Nani, Nanda, Iza e Caio estavam na beira da escada. Nanda, Leandro e Max próximos à sala de jantar. Matheus, Laura, Amanda e até mesmo Luana na sala de estar. Gabi e Luiz de mãos dadas próximos a porta, demorei em acreditar que Gabi estava ali e fiquei feliz em vê-la com Luiz. Marcos também estavam lá, perto de dois primos meus. Vários parentes e amigos. A sala estava lotada.
Ouvi Alex soltar uma leve risada ao meu lado. Com certeza por ver a minha falsa expressão de surpresa.
- Nossa gente! Não precisava. Que surpresa. – forcei as palavras a saírem.
Alex reprimiu uma imensa gargalhada e minha mãe pigarreou. Tinha absoluta certeza que se eu forçasse mais uma mentira, minha mãe saberia minha farsa e Alex rolaria no chão de tanto rir.
Gabi foi à primeira em me abraçar, seguida por Luiz. Eu nunca havia a visto tão estrangeira, cheia de enfeites e coisas de garota européia. Luiz também estava diferente, mais elegante, mas a grande diferença estava em seu rosto, seus olhos, estavam mais cheios de vida, mais bonitos, agora sua beleza estava visivelmente clara. Eles formavam um casal perfeito – um pouco estranho – mas perfeito. Um completava o outro.
Depois de Gabi e Luiz seguiu-se uma longa fila de cumprimentos e presentes – à parte dos presentes foi a que mais gostei.
Minha mãe foi a ultima da fila, segurava um lencinho na mão e chorava sem parar.
- O que é isso mãe? Estou fazendo apenas 18 anos, não estou indo embora.
Ele me abraçava forte e sussurrava em meu ouvido.
- Mas já é maior. Já é livre. Você cresceu, amor.
- Dona Carla... Vou sempre ser sua menininha.
Ela parecia ter aumentado o choro, agora já estava constrangedor.
- Mãe, você esta me ensopando. Chega.
- Tudo bem. – ela se afastou de mim – Tenho um presentinho para você.
- Oba!
Já imaginava como seria esse presentinho. Sempre que ela diminuía o nome das coisas era porque a coisa era gigantesca. Preparei-me.
Carla me guiou até a porta dos fundos e saímos no jardim de casa. Todos os convidados nos seguiam. Parei em frente a uma grande lona que cobria algo grande – como eu temia.
Max e Alex passaram na frente e levantaram a lona – já que Alex era o único membro da família que não estava emocionado e Max era o mais forte do lugar – e revelaram o possante abaixo dela. Fiquei abismada com o presente. Era um carro, meu primeiro carro e já era um de alta qualidade: Um BMW ActiveHybrid7 preto. Era impressionante.
- Uau! – foi o máximo que consegui dizer.
Um BMW híbrido! Isso era raro. Principalmente no Brasil. Espera...Não tem BMW híbrido no Brasil.
Ótimo! O carro era importado diretamente da Alemanha.
Aquele carro era lindo, perfeito. Mas logo me lembrei que não sabia dirigir.
- Mas não sei dirigir. – falei pensando naquela belezinha enchendo de poeira na garagem. Seria um desperdício.
- Já tínhamos pensado nisso. – respondeu Alex.
Tínhamos? Ele também estava nessa? Eu deveria saber. Ele era um dos poucos que sabia que meu sonho de consumo era um BMW.
- E... – insisti.
- Já providenciamos umas aulas de direção na autoescola aqui perto.
Gemi com a ideia.
- Você vai se sair bem. – ele sussurrou em meu ouvido – Agora, entra aí. Pelo menos liga o motor para sentir como é.
Abri a porta e sentei no lado do motorista – coisa que jamais fazia. E liguei o motor. O som era agradável, baixo e ao mesmo tempo estimulante. Sentia-me poderosa dentro dele.
- Quer andar um pouco por aí?
- Como é? – perguntei incrédula.
Vi um grande sorriso irônico em seu rosto.
- Brincadeira.
Fiquei mais alguns minutos no carro apreciando sua beleza interna quando minha mãe parou ao meu lado.
- Gostou?
Seus dentes estavam reluzentes e expostos entre os lábios repuxados em um sorriso maravilhado.
- Adorei mãe. É perfeito. Muito obrigada.
Saí de dentro do carro e a abracei como agradecimento pelo presente, ela respondeu ao abraço com muito mais força que eu.
- Então agora vamos a festa.
- Vamos.
Alguém ligou o som e colocou uma musica bem eletrônica enquanto todos ainda entravam. Minha mãe com um braço em volta de mim e Alex logo atrás.
- A propósito, – Carla cochichou em meu ouvido – aqueles seus amigos são muito lindos, hein. Principalmente aqueles Luiz, Matheus e Marcos.
- É. – concordei.
Eu já havia me esquecido, mas Carla me fez lembrar, eu tinha de encarar Marcos hoje. Esperava que ele não estivesse chateado comigo, queria que ele ainda permanecesse naquele humor do outro dia.
- Rodrigo não veio? – perguntei e pensei ter ouvido Alex suspirar.
- Não, - minha mãe que respondeu – mas acho que ele deve vir de noite. Ele sempre fez isso.
- Quando estávamos namorando ele fazia isso, agora ele não tem motivos.
Ela assentiu.
Não fomos para a sala, ao invés disso, Carla me conduziu até a garagem. Percebi logo que a música vinha de lá. Mas a garagem? Ela era muito grande, dava um salão de festas. Será que era isso que eles haviam feito? Pior que era.
Meu Deus!
Eles tinham transformado a garagem em um espaço de festas e do centro uma pista de dança gigante e brilhante. Inacreditável. Todas as pessoas que estavam na casa na hora em que eu cheguei encontravam-se na pista de dança e outros amigos que com certeza jazeram para transformar a garagem.
Carla soltou meu braço e saiu da garagem. Não havia entendido sua reação então resolvi ir atrás.
- Mãe! Não vai participar da minha festa?
Ela abriu um sorriso que mostrou suas covinhas ao lado.
- Não. Vou deixar você se divertir. Você sabe que não gosto desse tipo de festa.
- Está bem.
Eu não iria forçá-la a ficar em um lugar em que ela não queria, por isso a deixei ir. Ela me deu um beijo na testa e entrou em casa, enquanto eu encarava aquela imensa festa.
Max correu fechar o grande portão e tudo lá dentro ficou escuro, logo alguém acendeu uma luz brilhante e colorida, pude ver que era Luiz colocando no teto um globo de luz e Jonas – um primo – ligou o som no ultimo volume. Tudo virou uma mini balada.
Fiquei o tempo inteiro ao lado de Alex, que parecia se divertir com a bagunça de todos.
Aquela estava sendo uma festa completamente animada. Sem dúvidas entra-ria para a lista da escola de melhor festa da região, porque realmente estava boa. Todos os populares da escola estavam ali: Os jogadores do time de futebol e basquete, as líderes de torcida, os representantes do grêmio e aqueles que se destacavam somente por serem vulgares. Mas não eram esses que me importavam, e sim meus amigos. Gabi e Luiz se divertiam como nunca, Iza e Caio estavam em um canto conversando e comendo, Nani e Nanda dançavam com vários meninos diferentes, Matheus e Luana conversavam e riam sem parar, Laura, Leandro e Amanda estavam sempre rodeando a mesa de comidas e Marcos... Bom! Marcos era o único infeliz na festa.
Alex conversava fluentemente com Max e nem percebeu a minha saída de lá. Eu precisava conversar com Marcos, precisava ver se ele estava bem, pelo menos era isso que eu pensava querer. Ou então eu era masoquista e gostava de vê-lo sofrendo para sofrer junto.
Ele estava encostado na parede próximo à porta de saída. Não parecia animado, mas sim entediado. Fiquei parada ao seu lado por um instante sem falar nada, até que ele mesmo começou:
- Parabéns pelos 18 anos.
Vi um pequeno sorriso forçado saindo de sua boca, mas nada saiu além de uma linha repuxada por cima dos dentes.
- Obrigada. Está gostando da festa?
Ah! Que pergunta idiota, é claro que ele não estava gostando, pela cara dava para ver. E mesmo se não desse ele diria “Sim!”.
- Estou. – sua voz o denunciava – Te trouxe um presente.
- Não precisava.
Claro que precisava! Nossa, eu tinha que mudar este hábito, ser apaixonada por presentes não era uma coisa boa.
- Não é uma coisa espetacular. – ele continuou, ignorando minha resposta – Nada comparado com aquele carrão que você ganhou, mas foi de coração.
- Isso que importa. – respondi.
Ele tirou do bolso um colar com um pingente na ponta. O pingente era prateado e tinha a forma de um M.
- É para você se lembrar de mim.
Senti um sorriso fluindo em meu rosto. Como se fosse possível esquecê-lo.
Peguei o colar e o analisei por alguns instantes quando ele tomou de minha mão e o colocou em meu pescoço. Seu gesto foi sensível e belo. Após colocá-lo em meu pescoço, ele se inclinou e me deu um beijo no rosto. Tentei me afastar para não dar falsas esperanças, ele pareceu perceber.
- Muito obrigada! Mesmo. Adorei.
- Não tem de que.
Agradeci e elogiei pelo presente várias vezes até Alex dar por minha ausência. Ele vasculhou toda a festa, com certeza procurando por mim, e fixou os olhos em minha conversa com Marcos. Despedi-me e andei sem sua direção.
Cambaleei até chegar próximo a ele e me aconcheguei em seus braços. Estava exausta pela viagem e ainda não tinha dormido, pude ver que Alex também estava exaurido, seus olhos estavam fundos e semicerrados.
Ele também se recostou em meus ombros, mas depois me puxou para a mesa de comida.
- Precisamos comer. – ele sussurrou em meu ouvido - Estamos desde de cedo sem comer.
Assenti.
Belisquei alguns doces quando Alex me apareceu com uma torta inteira de maçã. Seu rosto tinha um sorriso maroto.
- Uns docinhos não matam a fome de ninguém, mas uma torta inteira sim. Vem? – ele indicou com a cabeça, um canto solitário.
- Vai comer tudo isso?
- Nós vamos comer. - ele corrigiu.
Dei uma risada antes de responder, no entanto concordei. Fomos para o canto e começamos a mordiscar a torta, estava divina, sem dúvidas foi Carla quem fez.
Ficamos lá conversando e comendo por minutos. Era sereno estar com ele ali, embora a música e as pessoas estavam agitadas.
Estávamos bem, até o celular dele tocar. Ele atendeu no viva-voz:
- Alô? – ele atendeu.
Alex? Oi sou eu, a Gi. Adivinha onde estou... – pude ouvir.
- Hã... Na sua casa? Você saiu da escola?
Sim, saí, mas não estou em casa. Estou em São Paulo.
A expressão dele foi de susto.
- Fazendo o quê?
Como assim o quê? Vim te ver, estava com saudade.
Bufei.
- Você fugiu. – ele insinuou.
Preciso aprender a não te subestimar. Sim, fugi, só que foi de casa, não da escola. Alguém denunciou e a polícia fechou o lugar.
- Gi, ficou louca?
Fiquei atordoada por ele ainda chamá-la de “Gi”.
- Como se fosse preciso perguntar. – murmurei. Esperava ela ter ouvido. E ouviu.
Sua namoradinha está ai?
- Não! – provoquei – É ele que ficou rouco e está com essa voz fina.
Cala boca, garota!
- Gisele! – Alex a advertiu.
Por quê você sempre a defende? Ela quem começou.
- Chega, Gisele. Você me ligou só para isso?
Não – ela quase gritou – Preciso de uma ajuda sua.
- Qual?
Estou perdida! Vem me buscar?
- Claro que não. – gritei, vários que estavam perto se viraram.
- Bia! – agora ele me advertiu – Onde você está?
No aeroporto.
- Qual Gisele? – ele perguntou devagar, como se ela fosse retardada.
Preciso ver.
Fez-se silêncio por um longo momento, até que ela voltou a falar:
Aeroporto de Guarulhos.
- Guarulhos!!! – Alex gritou – Meu Deus! Vai demorar uma hora até eu chegar.
- Você não vai. – protestei.
- Espera aí, Gi. – ele pediu mais calmo – Bia, ela é minha amiga, eu vou sim. Se fosse o Marcos eu deixaria você ir.
Suspirei e assenti. Ele voltou ao telefone e continuou a conversa:
- Tudo bem. Estou indo Gisele. Daqui uma hora eu chego. Tchau.
Valeu! Tchau. – ela desligou.
Senti minha expressão ficar carrancuda. Não queria deixá-lo ir, mas ele havia jogado baixo, me colocando na mesma situação.
- Vou ir logo, antes que aquela doida se canse. – ele murmurou beijando a minha testa antes de sair.
- Claro! Ela não pode se cansar. – bufei e ele fingiu não escutar.
Atravessei a pista de dança com a bandeja da torta inacabada e joguei no lixo – havia perdido a fome – e me sentei em um canto onde pudesse dormir e ser despercebida. Impossível! Estava um barulho ensurdecedor e a aniversariante é anfitriã, jamais passaria despercebida. A cada hora alguém diferente estava comigo.
Só pude relaxar quando Max se sentou ao meu lado. Ele agora estava mais solitário sem a companhia de Luiz. Recostei-me a seu ombro largo e forte e tentei descansar, mas com a música estava impossível.
- Por que não está curtindo a festa como os outros? – perguntei.
- Também estou cansado, - Max respondeu – passei o dia inteiro hoje procurando um emprego.
Olhei para cima tentando encontrar seu rosto.
- E conseguiu?
Sua expressão ficou vazia, então já adivinhei a resposta.
- Não.
- Sinto muito. – murmurei.
Ele soltou um meio sorriso.
Percebi que ele olhava fixamente pela pista de dança, onde havia um grande número de meninas. Aconcheguei mais em seu ombro e perguntei:
- O que você olha tanto para lá?
Seu rosto, por incrível que pareça, ficou corado. Era impressionante, pois ele era moreno, como poderia corar?
- Tem uma menina ali que me chamou a atenção.
- Quem?
Só poderia ser uma das “Barbie perfeitas” do grupo de líderes de torcida. Sempre eram elas, as desejáveis. Só pelo corpo ou rosto perfeito e que só recebiam a tarefa de líderes de torcida por isso, uma vez que não se usava a inteligência ali.
- Aquela loirinha de cabelo chanel. – ele apontou para Fernanda.
Fiquei pasma. Não era uma das “paty” da escola e nem as oferecidas, mas uma que realmente precisava de um namorado.
- Quer que eu fale com ela? – perguntei já me levantando.
- Não! – ele agarrou minha mão, um choque atravessando seu olhar – Deixa que eu faça isso, mas não hoje.
- Tudo bem. – voltei a deitar em seu ombro – Ela está a procura de um namorado mesmo.
- Acha que ela se interessaria em mim?
- Max! – minha voz saiu urgente – Claro que sim. Você é lindo, sabia? E ainda é forte. Garotas gostam disso.
- Você gosta? – ele me fitou com malícia.
- Por que está me perguntando isso?
Ele soltou uma alta gargalhada.
- Porque você disse que garotas gostam de garotos fortes. Bom, você é uma garota e é apaixonada pelo Alex que não é nada forte.
- Nada forte perto de você. Longe ele é bem forte e mesmo que não fosse, eu o acho perfeito. Então... Acabou o assunto.
- Tudo bem, acabou o assunto.
Já estava quente e agradável ficar deitada em seus braços, era mais fácil relaxar e dormir ali. Não conseguia mais parar nem sentada, meus olhos estavam pesados e exaustos.
- Se importa se eu dormir aqui, só um pouquinho?
Não tive certeza se ele havia ouvido, pois fitava o teto sem dizer nada. Até que minutos depois ele respondeu com outra pergunta:
- Se importa se eu fizer o mesmo me apoiando em você também?
- Não. – respondi.
- Então também não. Boa noite.
- Idem.
Senti meus olhos cederem aos poucos. A música já não me incomodava. Já não enxergava mais nada. Senti todos os meus membros desabarem. E enfim o sono me invadiu.
Foi um sono sem sonhos, apenas escuridão e quietude. Era um ambiente gostoso, não queria sair dali nunca, quando senti um par de braços me pegando. Levantei assustada, me debatendo para o caso de estar sendo sequestrada. Era impressionante como eu sempre fui dramática.
Abri os olhos e me deparei com o rosto de Rodrigo. Ele tentava me carregar para dentro de casa.
Olhei para o lado tentando encontrar Max. Ele estava encostado junto à parede, roncando alto, absorto no sono.
- Quer que eu te leve para dentro? – falou Rodrigo, com sua voz rouca.
Vasculhei a festa procurando pelas pessoas. Ainda estava lotada. Muitos ainda dançavam e comiam, parecia que eu havia dormido somente cinco minutos.
- Estou dormindo há quanto tempo? – perguntei ignorando sua pergunta.
- Não sei, acabei de chegar.
Levantei-me do peito de Max e fiquei sentada. Ainda sentia um pouco de sono, mas nada comparado a antes, agora eu conseguia ficar de pé.
Olhei no relógio e eram só dez da noite, por isso a festa ainda estava cheia. Varri a garagem com os olhos a procura de Alex, ele já deveria ter chegado.
- Cadê o Alex? – perguntei.
Vi Rodrigo revirar os olhos e bufar.
- Não sei. – ele respondeu com aspereza.
Levei um longo tempo para perceber a boa ação que Rodrigo havia feito e que eu não estava agradecendo do jeito merecido. Parei com os interrogatórios.
- Hã... Obrigada por vir na minha festa. – agradeci.
Um sorriso radiante brotou de seu rosto.
- Por nada. Te trouxe um presente, mas não está aqui. Coloquei diretamente no seu quarto, poderia sujar aqui.
- Não precisava!
Precisava sim! Mania chata.
- Bela festa. – ele elogiou.
Olhei novamente para as pessoas. A pista de dança ainda estava iluminada pelo globo colorido, nada havia mudado. Não dei pela falta de ninguém.
- Verdade. Nem sei de quem foi a ideia. – respondi – Fique a vontade.
Ele assentiu.
Olhei por sobre seu ombro e vi dois de seus amigos musculosos – que mais pareciam capangas – olhando pela festa de um jeito que assustava, – realmente eles pareciam capangas. Os três se retiraram dirigindo-se para a mesa de doces. Olhei para o lado procurando por Max, ele ainda estava deitado de mau jeito no chão com a cabeça apoiada na parede. Resolvi acordá-lo para não ficar com dores no pescoço mais tarde. Cutuquei seu braço imenso e ele se virou como se já estivesse acordado, se não fosse pelos olhos inchados eu pensaria isso.
- Desculpe, mas é que pensei que você ficaria com dores no pescoço por ficar nesta posição por muito tempo. – falei.
Ele se levantou balançando a cabeça e chacoalhando os músculos enrije-cidos.
- Está tudo bem. Já estou acostumado a ser acordado assim. Minha mãe sempre faz isso. – sua voz saiu grave e risonha.
Dei uma risada não muito satisfatória.
- Está com fome? – perguntei.
- Não. To bem, vou dançar um pouco.
Assenti e andei em direção a mesa de bebidas, estava com uma sede incontrolável. Marcos estava lá sentado em um banco, fitando o vazio. Sentei-me ao seu lado e peguei um refrigerante. Ele me olhou pelo canto do olho.
Estava quieta bebendo o refrigerante quando senti meu celular vibrar. Olhei o identificador de chamadas e ignorei a ligação, atirando o celular em cima do balcão a minha frente. Parou e depois tornou a tocar. Marcos espiou e ficou incrédulo com minha reação.
- Não vai atender?
Tomei um gole do refri antes de responder.
- Não. – minha voz saiu rude.
- É o Alex. – ele me falou ainda mais confuso.
- Eu sei.
- Vocês brigaram?
Olhei para seu rosto. Ele estava com a expressão equivocada.
- Ainda não, porque não deu tempo. Mas quando ele chegar... – fui incapaz de terminar a frase.
Vi pelo canto do olho que ele sorria.
O celular continuava vibrando, já estava começando a irritar. Era a sétima vez que ele discava e eu ainda não atendera. Até que minha paciência se esgotou.
- O que você quer, Alex? – atendi grosseiramente.
- Ah, desculpa, Bia. – ele respondeu – Estou quase chegando ta, já achei a Gisele lá.
- E eu com isso? – perguntei.
- Nossa, Bia, o que você tem?
- Um namorado com uma garota doida e apaixonada por ele ao lado ao invés de estar comigo na minha festa de aniversário.
- Por favor, né Bia!
- Por favor, falo eu...
- Beatriz...
Desliguei o celular no meio de sua frase.
Minha paciência já estava esgotada, não queria ter de ouvir ele passando sermões ou explicações. Saí de perto de Marcos e me encostei outra vez em um canto, agora decidida a dormir a festa toda.
Mais uma vez senti meus membros cederem e meus olhos cerrarem. Outra vez a música e as pessoas não me incomodavam. Senti o sono me vencer.
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