1- IDENTIDADE
Primeira coisa, quem sou eu?
Estou completamente despedaçada. Não me conheço mais. Pensei que tudo estava melhorando para mim, e de repente alguém joga uma bomba relógio na minha mão. Uma bomba que explodiu e destruiu tudo que estava ao meu redor. Inclusive meu eu.
Não sabia mais quem eram meus pais. De onde vim. Qual era o meu nome. A única certeza que eu tinha, era que não me chamava Beatriz Luiza Vasconsellos.
Está certo que da última vez eu disse que meu nome era esse, porque eu também pensava que era. Não é mais. Bom, em tese, pois nos documentos esse é meu nome. Só que no sangue, no DNA, não é. Dentro de mim só existe um tipo de identidade: desconhecida.
Minha vida estava em total desequilíbrio. De um lado, ela, a psicopata que um dia tentara me matar, agora desaparecida e com sede de vingança. Do outro, pessoas que até uns dias atrás eu chamava de pais.
Só que no meio dessa balança existia alguém que deixava meu mundo em harmonia, que fazia, por alguns instantes, eu ter certeza de que aquele era meu lugar. Alguém que mantinha minha balança parada, sem pender, nem para um lado, nem para o outro.
Alex!
O único que eu tinha certeza absoluta que pertencia a meu mundo, que eu conhecia perfeitamente. Não corria nenhum tipo de sangue igual em nossas veias, mas eu sabia que ele era um pedaço de mim. O pedaço que me completava.
Ele era o único que fazia sentido no meio da minha história absurdamente desorganizada. Que tem papel permanente nessa trama assustadora.
Eu não tinha sangue Vasconsellos dentro de mim, mas teria, sem sombra de dúvidas, um pedaço Bittencourt.
Desconhecida Bittencourt.
Ótimo nome. Pelo menos, um pedaço de Alex estava em meu anônimo nome.
Eu sabia que tinha sido infantil demais fugir daquele jeito, mas não conseguia mais suportar aquele clima.
Embora estivesse dormindo, tinha conhecimento de que estava em um lugar desconhecido. Era bonito: um enorme rio, que parecia uma represa, de tão grande, envolvido por um lindo gramado. Estava deitada neste gramado, com a ponta dos pés dentro da água, que parecia quente.
Já estava acordada, mas com nenhuma vontade de abrir os olhos. Pois se abrisse, veria o pesadelo que estava vivendo.
Tateei em volta de mim a procura de algo. Minhas mãos não encontraram nada, então tive de abrir os olhos.
Estava vazio. Não tinha ninguém ali.
Será que tinha imaginado alguém, ali, comigo?
Foi quando avistei um casaco e uma camisa jogados embaixo de uma árvore. Então tinha mesmo alguém comigo.
Levantei esticando os braços e tirando o ninho de grama em meu cabelo. Estava um sol forte. Deveria ser mais de nove da manhã. Eu permanecia com as mesmas roupas que, ontem, tinha ido para a escola: uma camiseta branca, um mini-short jeans e uma blusa rosa, que sempre ficava dentro do meu carro.
Andei até a muda de roupas que estava debaixo da árvore. Eram todas conhecidas.
Olhei para o imenso rio – que era extremamente transparente – e vi que o dono daquelas roupas estava lá no fundo. Sobressaltei quando ele levantou do fundo, ofegando.
Seu corpo completamente encharcado. A bermuda grudada nas pernas belas, o cabelo formando uma franja molhada na testa e o tórax nu pingando água de volta no rio.
Ele começou a andar na minha direção, fazendo meu coração pular e rodo-piar dentro do peito. Tive de olhar pra cima para poder encarar seus olhos lindos, mas o sol atrás de nós impedia.
- Por um momento, achei que você tinha morrido ali. – sua voz grave soou como música para meus ouvidos.
Aquele era o único som que eu queria ouvir.
Fitei-o com uma sobrancelha erguida. Não fazia sentido o que ele acabara de falar.
- É que você já está dormindo há catorze horas. – ele explicou.
Nossa! Catorze horas era muito tempo.
- Faz catorze horas que tudo aconteceu. – corrigi sua frase.
Alex me olhou suplicante. Ele parecia sentir minha dor.
- Na verdade, faz dezesseis. Porque você passou duas horas andando sem rumo. – ele respondeu tentando amenizar o clima.
Fazia dezesseis horas que eu fugira de casa, sabendo que meus pais, não, que Carla e Paulo Ricardo Vasconsellos, não eram meus verdadeiros pais.
Aconcheguei-me nos braços de Alex. Precisava sentir seus braços ao redor de mim.
Ele colocou as mãos em meus ombros e me afastou. Olhei incrédula. Por que ele fizera aquilo?
- Estou todo molhado. – ele falou.
Olhei para seu corpo, estava mesmo todo molhado. Mas de que importava? Dei de ombros e voltei a abraçá-lo, sentindo minhas roupas se encharcarem também.
Desta vez ele retribuiu, me abraçando o mais forte possível.
- A água está quentinha. – Alex sussurrou em meu ouvido.
- Quero experimentar. – falei, tentando parecer a mais animada possível.
Não era justo ser fria com ele, já que Alex era a única pessoa que estava se importando comigo.
Seu sorriso de satisfação foi compensador.
Tirei a blusa rosada e joguei em cima da muda de roupas dele. Arranquei com pressa os pares de tênis e meia. Depois me atirei no imenso e claro rio. A sensação da água era ótima, estava mesmo quente.
Debaixo d’água os cabelos de Alex se arrepiavam e o deixava mais belo do que nunca. Ali, olhando ele, eu entendia o motivo de existirmos e encontrava força para continuar existindo, embora a vida estivesse trapaceando comigo.
Ele nadou até ficar cara a cara comigo. Pegou meu queixo com uma das mãos, enquanto nadava com a outra, e tocou os lábios nos meus.
Já estava ficando sem ar, então voltamos à superfície, ofegando. Agora minhas roupas estavam tão molhadas quanto as dele, meu cabelo grudado do rosto. Ele tirou as mechas que caiam em meus olhos.
O sol estava forte no céu, mas não muito quente, refletindo na água e deixando a paisagem ao nosso redor muito linda.
- Te amo. – falei, agora enxergando seus olhos escuros e bem desenhados no maravilhoso rosto.
- Te amo muito mais. – ele respondeu encostando os lábios mais uma vez nos meus, em um beijo urgente e satisfatório.
Nos separamos, apenas fitando o rosto um do outro.
- Temos que ir. – ele falou – Nossos pais devem estar preocupados.
- Seus pais. – corrigi – Os meus verdadeiros nunca se importaram comigo.
Ele semicerrou os olhos, deixando-os mais angustiados.
- Bia, não pense assim. Você não conhece os motivos que os fizeram a lhe deixar.
- Nada justifica o abandono de um filho. – respondi entre dentes.
- E quanto a Carla e Paulo Ricardo, vai perdoá-los por nunca ter lhe contado a verdade?
Ainda não tinha pensado nisso. Eles esconderam a maior mentira possível que alguém poderia esconder. Minha história.
Mas eles também tinham sido os melhores pais que alguém poderia ter. Está certo que Paulo tinha me feito sofrer quando afastou Alex de mim e quando me obrigou a namorar Rodrigo, ainda sim, ele foi um ótimo pai.
Já Carla, está era muito mais do que uma mãe... Era minha melhor amiga. O amor estava explicito em seus olhos. Eu a tinha magoado. A melhor mãe que alguém merecia. Principalmente se esse alguém fosse eu, uma moleca birrenta e respondona.
- Eles podem não ter me falado a verdade, mas são os meus pais. – respondi, certa do que falava.
Alex abriu o sorriso torto que me deixava tonta, depois passou os braços ao redor de meus ombros.
- Então vamos?
Assenti.
Saímos andando da represa de mãos dadas. Paramos onde estavam nossas roupas.
Ele pegou a blusa largada e passou pelo corpo, secando os lugares encharca-dos. Imitei seu gesto com minha blusa.
Enquanto me secava avistei algo branco encostado no tronco da árvore. Andei até lá e vi um objeto branco atrás e todo colorido na frente, com uma parte raspada formando um coração com o nome de Alex no centro. Era meu skate.
- Pensei que tinha largado na estrada enquanto corria para cá. – falei com um ar de alívio.
- Achou mesmo que eu deixaria ele ser massacrado por um carro? – ele perguntou com sarcasmo – Principalmente se tem meu nome dentro de um coraçãozinho.
Limitei a sorrir, enquanto colocava o skate debaixo do braço.
Alex saiu andando por uma pequena trilha que levava a estrada, eu o segui tentando acompanhar seus longos passos. Logo avistamos algo preto cintilando entre a grama alta na beira da estrada – quem estava no meio da estrada jamais veria – era o meu BMW ActiveHybrid7. Então este era o carro que me seguia?
Dei a volta no carro e parei ao lado da porta do passageiro, não estava a fim de dirigir. Alex hesitou, mas abriu a porta do motorista. Depois ficou parado.
- O que foi? – perguntei já com a porta aberta.
- Vai molhar todo o estofado do carro. – ele respondeu.
Bufei e entrei no carro. Ele deu de ombros e também entrou.
Apoiei meu skate na perna, enquanto Alex entrava na estrada. O caminho estava deserto, não parecia ser muito utilizado. Na verdade, não parecia que estávamos em Barueri.
Alex parou o carro quando chegamos numa parte onde a estrada se dividia em duas, uma bifurcação.
- Para onde eu vou? – ele perguntou.
Sobressaltei com a pergunta. Como assim ele não sabia para onde ir?
- Pensei que você soubesse onde estávamos. – falei.
- Eu só te segui. Pensei que soubesse para onde ia.
Respirei fundo e liguei o GPS. Programei para levar para minha casa – a casa já era lugar marcado na memória do GPS, caso eu me perdesse – e ele mostrou o longo caminho que tínhamos.
Alex continuou a dirigir, agora mais rápido.
Pensei no que faria quando chegasse em casa. Como enfrentaria Carla, pela criancice que eu fiz. Como olharia para Paulo, afinal, foi ele quem causou tudo isso. Na verdade, tudo que aconteceu comigo nos últimos meses foi culpa dele.
Se ele não tivesse levado Alex para o Rio de Janeiro, jamais conheceria a psicopata que me perseguiu e quase me matou há dois meses atrás. E se não tivesse se envolvido em uma aventura com Suélen há vinte anos atrás, talvez eu nunca descobrisse que era adotada, já que Rodrigo não nasceria e eu não seria obrigada a casar com ele.
Mas como eu viveria sem Rodrigo? Mesmo eu nunca ter me apaixonado por ele, ainda gostava dele. Rodrigo foi alguém muito importante na minha vida. Então ele tinha de existir.
Interrompi meus pensamentos quando vi que já tínhamos chegado em casa.
- Não falou que demoramos duas horas para chegar naquele lugar, como chegamos aqui tão rápido?
- Aquela hora você estava de skate e eu te segui bem devagar.
Fazia sentido.
Comecei a fitar meus pés sem a mínima vontade de sair.
- Não vai descer? – Alex perguntou, seus olhos refletindo minha angústia.
- Não sei se estou preparada.
- Pensei que já tínhamos resolvido isso.
- Há quilômetros de distância é fácil.
Continuei a fitar meus pés quando ele desceu, deu a volta pela frente do carro e abriu a minha porta. Levantei de cabeça baixa. Alex pegou meu queixo e levantou de modo que meus olhos encontrassem os seus.
- Vai ficar aqui junto comigo, não é? – minha voz estava entrecortada.
Senti seu peito inspirar e soltar o ar em um tempo ritmado.
- Esse é um assunto entre a sua família, não devo me meter. E também, a minha mãe deve estar acordada até agora esperando eu chegar.
- Claro! Você tem uma mãe.
- Não pense assim. – ele pediu beijando minha testa.
Assenti e ele deu as costas.
Reparei que suas roupas ainda estavam molhadas, e a cueca fazia marca perfeita sobre a bermuda mais clara. Reprimi uma risada. Mas logo me lembrei que eu não deveria estar diferente. Passei a mão no cabelo completamente molhado e grudado no rosto.
Virei para a grande casa branca na minha frente, que eu não sabia mais se era minha ou não. Respirei fundo duas vezes antes de começar a andar pela estreita calçada que levava até a porta da frente da casa.
Do lado de fora a casa parecia normal, como sempre era quando eu chegava. Demorei na maçaneta, mas enfim abri.
A cena foi assustadora. Paulo estava dormindo no sofá e todas as suas malas estavam em volta da porta. Pelo jeito minha família estava desfeita.
Arrastei meus pés até a escada e subi apoiada no corrimão de vidro. Demorei dois segundos para subir cada um dos degraus, mas enfim estava no segundo andar. Continuei arrastando meu pé pelo corredor.
Notei que a porta do quarto de Carla estava aberta. Ótimo, pensei com ironia. Teria que passar na frente e ela me veria.
Passei em frente à porta e a vi sentada na cama com um livro na mão. Passei direto, mas ainda pude ouvir ela chamando meu nome. Ignorei e bati a porta do meu quarto.
Ali, trancada naquele quarto – que não pertencia mais a uma Beatriz Luiz Vasconsellos, mas a uma desconhecida – a sensação de solidão era terrível. Eu sabia que não estava verdadeiramente sozinha, porque tinha gente que se importava comigo, mas ainda sim, a sensação existia e era dolorosa.
Desabei no chão atrás da porta e coloquei a cabeça entre as mãos.
Eu sabia que deveria levantar dali e esclarecer aquela história de adoção, mas meus membros não respondiam.
Senti as roupas molhadas deixarem meu corpo enrijecido. Esforcei para levantar e ir ao banheiro do quarto. Arranquei toda a roupa e entrei debaixo da água fervente do chuveiro.
Tive de esfregar muito o cabelo para tirar toda a grama e outras coisas do chão, estava um ninho completo. Desliguei o chuveiro e me sequei com pressa, não estava a fim de sentir frio.
Ainda de toalha, sequei meu cabelo com o secador. Depois andei até o closet decidindo pegar qualquer roupa que achasse. Encontrei um short jeans pouca coisa maior do que o último que estava; uma camiseta rosada e uma blusa de moletom azul escuro, com toca. Aquela blusa era perfeita, pois toda vez que me sentia depri-mida gostava de cobrir a cabeça com uma toca, fazendo com que ninguém olhasse para meu rosto, a menos que ficasse cara a cara comigo.
Era estranho colocar short e blusa. Ou era um ou era outro. O short era para dias mais quentes e a blusa o inverso, então como poderia colocar os dois juntos? Ou estava quente ou estava frio. Mas decidi colocar os dois, já que não estava com humor para ser metódica.
Coloquei todo o cabelo para dentro da toca, deixando apenas duas mechas soltas de cada lado do rosto, já que não cabiam dentro da pequena toca. Peguei um All Star rosa de cano alto e calcei. Já estava pronta para sair.
Mas eu queria sair?
Aí estava a pergunta chave: Eu queria saber de toda a minha história? Poderia ser muito dolorosa. Talvez, aquele sofrimento não fosse nada perto do que eu poderia sofrer depois de descobrir quem eram meus pais de verdade. Se é que alguém naquela casa sabia.
E se eu tivesse sido largada numa cesta com um bilhete, como nas novelas?
Bom, de uma coisa eu estava certa. Aceitaria meus pais, sejam eles quem fosse... A menos que fosse Amanda e Renan Bittencourt. Eu jamais aceitaria isso, ser irmã de Alex. Queria fazer parte daquela família, mas não desta maneira.
Irmãos... Já pensou se eu tivesse algum irmão? Sempre me acostumei em ser a filha única. Ter irmãos não seria fácil. Não queria ser a caçulinha do grupo, a mimada. Muito menos a mais velha, que faz tudo. Menos ainda a do meio, esquecida por todos. Sempre tive muita atenção, não me acostumaria em ser esquecida.
Pensando daquele jeito me fez ver que eu estava curiosa. Queria conhecer minha origem.
Finalmente me mexi e andei até a porta, decidida a saber tudo... Tudo possível.
Andei devagar até parar na porta do quarto de Carla. Ela me avaliou dos pés a cabeça, depois baixou os olhos. Sem dúvida ela sabia o que aquele mau conjunto de roupas queria dizer que eu não estava bem.
Caminhei até a beira de sua cama e sentei, ainda sem dizer nada. Não conseguia encontrar minha voz. Carla parecia estar na mesma situação.
- Bia, - ela começou – eu ia te falar...
- Essa é a maior mentira que alguém poderia esconder. – interrompi-a no meio da frase – Nunca imaginei que seriam capazes de esconder isso de mim. – percebi que lágrimas começavam a escorrer por meu rosto – É injusto. Deveriam ter me contado, eu ia aceitar.
Carla começava a chorar também e estava preste a falar quando continuei:
- Mas nenhuma mentira pode cobrir os pais maravilhosos que foram para mim.
O maior sorriso que eu pensei que alguém fosse capaz de abrir estava ali, no rosto dela.
Eu não dissera nada além da verdade.
- Te amo tanto, Bia. – ela falou esticando os braços para mim.
Corri para seu abraço de mãe.
Senti-me culpada por, em alguns instantes, pensar que ela não fosse minha mãe. Estava óbvio que era. Eu não possuía seu sangue em minhas veias, mas a amava incondicionalmente. Um amor que só mãe e filho é capaz de conhecer.
Nos soltamos e ela se esticou pela cama até alcançar o criado-mudo do outro lado, pegou uma porta-retrato dentro de uma gaveta e me entregou. Era uma foto dela com a melhor amiga, que nunca me falara. Eu só sabia o nome dela.
- Olhe bem para essa foto, principalmente para a minha amiga.
Comecei a fitar a moça ao lado de Carla, sorrindo e abraçando-a. Tinha os cabelos longos com cor de caramelo, enrolados, o rosto de um moreno desbotado e os olhos castanhos-escuros me eram familiar.
- O quê que tem essa sua foto com a Bárbara? – acho que era esse o nome dela.
- Bárbara era minha melhor amiga desde quando éramos pequenas. Eu era três anos mais velha do que ela, mas a idade nunca nos fez diferente. Tínhamos os mesmos sonhos, tudo em nós se encaixava.
“Quando ela tinha dezessete anos, e eu já tinha vinte, encontrou um namorado. O nome dele era Diogo. Ele era um príncipe com ela, perfeito, jamais imaginara alguém melhor para minha amiga do que Diogo”.
“Um ano depois eu me casei com Paulo Ricardo e o meu contato com Bárbara se tornou mais raro. Ela continuava com Diogo, e eu tinha certeza que havia deixado minha melhor amiga em boas mãos”.
“Já estávamos morando aqui em Alphaville quando Bárbara passou a me visitar com mais frequência. Até um dia que ela chegou chorando e me falou que tinha terminado com Diogo”.
“Fiquei horrorizada quando ela me contou que Diogo, aquele príncipe, estava envolvido em drogas. Ela passou um dia aqui em casa e logo voltou para onde morava com Diogo. Eles não eram casados, mas viviam juntos”.
“Pensei que eles haviam feito as pazes, pois já tinham se passado uma semana e ela não voltara. Só que um dia ela voltou, de noite, numa tempestade e chorando. Imaginei que eles tinham terminado de novo, mas desta vez a história era pior. Ela estava grávida”.
“Fiquei chocada. Ela? Minha melhor amiga? A Bárbara, aquela menininha de apenas dezoito anos. Grávida? E pior, do namorado drogado”.
“No começo fiquei assustada, mas depois tive inveja, pois eu jamais poderia ter algum filho e daria tudo para estar naquele desespero que ela se encontrava”.
“Ela estava com todas as malas na beira da porta. Chamei-a para ficar um tempo comigo e ela aceitou. Depois, eu e Paulo Ricardo decidimos abrigá-la durante toda a gravidez e no tempo que ela e o bebê precisassem”.
“A barriga dela cresceu com o passar do tempo e logo vimos que nós três estávamos apaixonados pelo bebê que ela carregava”.
“O melhor dia de nossas vidas foi quando a menininha dentro dela nasceu. Prometemos nós três cuidarmos dela: eu, Bárbara e Paulo Ricardo. Diogo jamais saberia da existência do neném”.
“Assim foi por dois meses, até que Diogo apareceu atrás de Bárbara. Ela mandou escondermos a menina enquanto expulsava Diogo”.
“Ele continuou indo atrás dela, sem nunca saber da existência da filha”.
“Um dia, cheguei em casa e Bárbara chorava com a filha no colo. Ela me entregou a bebê e me fez prometer que cuidaria muito bem dela. Depois saiu... E nunca mais voltou”.
Carla começava a chorar relembrando o passado, mas continuou:
- Uma semana depois fiquei sabendo que ela tinha morrido. Na verdade, alguém tinha matado ela.
“Diogo estava jurado de morte pelos traficantes. Ele e toda sua família. Bárbara era uma das pessoas que os traficantes iam atrás para matar, e no desespero, ela foi de encontro com eles. Morreu junto com Diogo e toda a família dele”.
“Eu não entendia porque ela tinha se entregado, depois entendi: se fossem atrás dela, poderiam descobrir sua filha, então ela decidiu deixá-la oculta. Ela tinha feito aquilo por amor, não a Diogo, mas a filha”.
“Antes de ir embora, ela me fez prometer que colocaria o meu nome na criança, já que ainda não era registrada”.
“Eu jurei a mim mesma que cuidaria daquela criança com unhas e dentes. Daria minha vida a ela. Como memória de Bárbara, e eu amava aquele bebê”.
“Paulo Ricardo e eu registramos a menina. Beatriz era o nome que Bárbara mais gostava e Luiza era o meu preferido, então ficou...”.
- Beatriz Luiza Vasconsellos. – completei chorando.
Ela assentiu.
Comecei a reparar na foto. Realmente os cabelos caramelo, o rosto pardo e os olhos castanhos eram familiares, eram os meus. Eu era a réplica perfeita de minha mãe. Tudo, tudo. Retirando o estilo skatista.
- Tem alguma foto de meu pai? – perguntei contendo o choro.
Ela se esticou para a mesma gaveta e tirou uma foto sem moldura. Peguei com as mãos trêmulas. Era uma foto de Bárbara e Diogo juntos. Ele era extrema-mente lindo, com o cabelo marrom-acinzentado bem curto, os olhos de um preto profundo e a pele branca.
Reparei que minha cor era a mistura perfeita dos dois, pois Bárbara era de um moreno-desbotado e misturando com a pele branca de Diogo, dava a minha pele mesclada.
Eu não tinha muitas feições dele. Só a cor mista, fora isso eu era toda Bárbara.
Eles estavam abraçados, sorrindo. Pareciam muito felizes. Olhando aquela foto era difícil acreditar que tinham morrido por conta das drogas.
Meu pai e minha mãe.
Carla interrompeu meus devaneios e voltou a falar sobre a minha história:
- Nunca contei a você porque me apeguei. Prometi a mim mesma que um dia ia contar... E quando me dei conta, você já estava muito grande e tive medo de contar e você não aceitar. Deixei ir longe demais.
Eu ainda fitava a foto enquanto ela falava.
- Acho que não ia fazer muita diferença se você me contasse antes. – declarei – Eu ainda seria muito grata e acreditaria que vocês eram meus pais.
Ela me abraçou de novo, mas agora por mais tempo.
- Posso ficar com essa foto? – perguntei.
- Claro que sim. Ela é sua.
Percebi que toda a minha vida fora cercada por amor. Minha mãe morrera por mim! Eu tinha sido ingrata o suficiente para, há dois meses atrás, ir me encontrar com a morte. Mas também seria por amor, mas não a um filho, o que seria mais nobre.
Impressionante como eu tinha aceitado a situação, depois de secar minhas lágrimas sem um motivo certo.
Estava me levantando da cama para sair quando lembrei de Paulo lá embaixo, com as malas.
- Vocês vão se separar? – minha voz voltou ao tom morto de antes.
Ela respirou fundo antes de responder.
- Você entende, não é? Eu e Paulo já não conseguimos conviver juntos. O que ele escondeu de mim não era nem um pouco comparado com o que escondemos de você, mas foi uma mentira maldosa a dele. Sustentada por vinte anos.
- Vocês sabem o que estão fazendo. – falei me retirando do quarto.
Claro que eu não queria que meus pais se separassem, mas eles sabiam muito bem o que estavam fazendo. Se não poderiam mais conviverem juntos, então era melhor não conviverem.
Eu sabia que não seriam fáceis os primeiros dias sem Paulo Ricardo. Já estava acostumada a encontrar toda a minha família em casa, e saber que agora tudo é muito diferente.
Desci as escadas e cheguei na sala de estar. Onde se encontrava Paulo Ricardo com as duas últimas malas na mão. Sua expressão era suplicante e envergonhada.
- Já conversou com Carla? – notei que ele não falou “sua mãe”.
Parei bem na sua frente e tentei encarar seus olhos negros.
- Já. – minha voz soou derrotada – Falei que essa era a pior mentira que alguém poderia esconder... E que isso não pode cobrir os pais maravilhosos que foram para mim.
Ele largou as malas e me abraçou, levantando meus pés do chão.
- Você sempre vai ser a minha filha.
As lágrimas voltaram a escorrer, agora ensopando o paletó dele. Nos soltamos e seus olhos voltaram a ficar suplicantes.
- Carla já falou sobre a história de Bárbara e Diogo?
- Detalhe por detalhe.
Ele puxou minha toca mais para frente, sua testa estava franzida.
- Não sabe o quanto se parece com sua mãe.
Sorri com timidez. Era bom finalmente poder ouvir aquilo. Sempre odiei não saber com quem me parecia. Agora, mais do que nunca, eu parecia com Bárbara, pois a única memória que existe dela era com até dezoito anos, já que ela morreu nessa idade, e atualmente eu tinha dezoito. E diferente da minha mãe, eu pretendia passar daquela idade.
Ajudei Paulo a pegar uma das malas e colocar dentro do Porsche Carrera GT, prata. Ele entrou no carro e ligou o motor.
- Te amo, ta Bia? – ele se despediu.
- Também te amo. – falei – Vai para onde?
Ele deu uma risada e depois respondeu:
- Só conto se prometer me visitar.
- Sem dúvida alguma.
- Na Granja Viana.
- Cotia? – era óbvia a resposta, mas saiu involuntariamente.
Cotia era uma cidade vizinha a Barueri e Ganja Viana era um bairro, assim como Alphaville, de classe alta. Não ficava muito longe.
Ele assentiu.
- Vai pegar seus outros carros? – perguntei.
Além daquele Porsche ele ainda tinha um Chevrolet Vectra e um Mercedes Classe E.
- Mando Rodrigo levar o Mercedes. O Vectra é da sua mãe.
Gostei do “da sua mãe”.
Assenti e me desencostei do carro enquanto ele saía. E ele se foi.
É, agora era só minha mãe e eu naquele casarão. Seria difícil, mas eu tenta-ria evitar ficar sozinha naquela casa.
Comentem o capítulo ali embaixo!